O lado oculto da migração para UX design

Ciro MacCord
VagasUX
Published in
6 min readJun 27, 2022

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É o clichê dos clichês: tudo tem seu lado brabo, toda luz esconde uma treva. E ainda mais clichê: geralmente ninguém quer trazer isso à tona. Poeira pra baixo do tapete, bola pra frente, voa(?)!

*Essa é apenas uma perspectiva entre tantas
**Tem diquinha de redução de danos no final

1. Da inércia ao caos

Sou designer gráfico e ilustrador há quase duas décadas, tive uma rápida incursão pelo então chamado Webdesign (*cringe*) pelo fim dos anos 2000, mas desertei da área – e da área tecnológica como um todo – há mais de 10 anos. E nesse êxodo operário me vejo de volta, pegando esse bonde em alta velocidade.

Bonde não, que o Design hoje é um trem-bala! Ele acompanha o mundo de agora: uma tempestade cataclísmica de informações vibrando em saltos quânticos em todas as direções simultaneamente. Um big-bang de estímulos. E no início de 2022, aos trancos e barrancos, ficou decidido: preciso pegar essa carona de novo.

Massagem cardíaca no perfil do LinkedIn! Tirei as teias de aranha e as traças. Dei um tapa no look, renovei o carão, bora deixar essa bio mais muderninha. Se joga, se vende, aprende os jargões. Chama as soft skills. Mas…

2. O caos

Emprego sem experiência: como vive, do que se alimenta?
Oportunidade sem bootcamp: realidade ou ficção?
Entrevista sem portfolio: um crime capital inafiançável?
Estagiário ou aprendiz-mirim: até onde me humilhar?
Abordando estranhos no LinkedIn: passaporte ou sentença de morte?

E no YouTube: "De trouxa a UX designer senior master plus em 5 dias”. Links, artigos, vídeos, posts, testes, conselhos, passos, grupos, crash courses – aliás, a tradução literal de 'crash course' (que significa 'curso intensivo') é o deboche: 'rota de colisão'. Tudo no ritmo do big-bang.

Insegurança e con-fu-são. A parte que ninguém discute.

Quem procura emprego, quem quer migrar de carreira geralmente já está vulnerável. Se a pessoa estiver debutando no mundo tecnológico a coisa piora algumas vezes. Quem voa – nas alturas – é a ansiedade.

3. A fachada (do arranha-céu)

A área tecnológica é um espelho gigantesco da sociedade contemporânea, e frequentemente ele assume o formato daqueles arranha-céus refletivos enormes e ultra cafonas. Sob essa ótica, a área tecnológica também é isso: uma fachada que tenta desesperadamente mostrar uma beleza nova e estonteante, mas que revela – nas esquadrias (ta-dã!) – uma velha pretenção, uma arrogância, uma feiúra uó.

Ninguém quer parecer perdido, pequeno, sem brilho. Ninguém quer contar essa história. E sem isso só resta o papagaio vencedor: "eu que consegui, eu que superei, eu que conquistei".

A corrida maluca pelo conto da vitória mostra algo que a pessoa novata não vê: muita coisa é pura ilusão. Se eu soubesse…

4. Três, dois, um e… privilégio!

O mês está virando, as contas chegando, bora correr?! Deus ajuda quem cedo madruga (hein?). Tem outra coisa que as pessoas da tecnologia evitam reconhecer: os privilégios que as propulsionam. Tudo o que se quer são os louros do mérito.

No caso, a loura do mérito

Antes de contar meus louros: sou um homem branco cisgênero de classe-média; já tive uma experiência marcante na área, mesmo que isolada há tantos anos; por mais enfraquecida, minha rede de contatos da área tecnológica ainda existia e foi a ela que recorri. Também tenho acesso à psicoterapia (hallelloo!). Depois de vários formulários, dois processos de entrevista e algumas semanas após anunciar que estava em busca de oportunidades, consegui um emprego como UX/UI designer junior.

5. A comunidade acolhe, mas também intoxica

Essa vaga foi mediada por uma UX/UI designer que também havia migrado de carreira. Ela se dispôs, me recebeu, me acolheu, e eu sou muito grato pela sua generosidade. Existe uma migração em massa para certas áreas tecnológicas, e ver as pessoas se amparando e passando o bastão é inspirador!

Mas a comunidade de UX também pode ser bem tóxica. Sem se dar conta, você estará rodeado de designers online em múltiplas plataformas ao mesmo tempo realizando, otentando, respirando e comendo UX com farinha ininterruptamente. É uma dança de acasalamento passivo-agressiva hardcore, só que dedicada a recrutradores e ao ego. Eles compartilham conteúdo a torto e a direito, como se fosse o fim do mundo, sem olhar a quem, venha o que vier, até a última consequência e a última gota.

ChernobUX e ChernobUI te recebem

Só repito: muita coisa (quase tudo) é pura ilusão.

6. Pega o trem-bala!

O trem-bala do UX design vem correndo com mil luzinhas, janelas e portas – todo mundo a bordo gritando ao mesmo tempo – e é por uma delas que a gente entra.

De fora parece um manicômio de gente levantando bandeiras de trilhões de metodologias e frameworks (frame o que?!), uma torre de babel na horizontal em alta velocidade transbordando jargões em inglês, acrônimos, listas, indicações, guias, diretrizes, URLs, diquinhas, entidades, boas práticas, seminários, cursos, grupos. Eita!

A gente – peixe fora d'água – só pula?

Quer uma carona?

7. É hora de redução de danos

Com 4 meses de experiência, ainda não tenho um bastão pra passar. Mas aqui vão algumas coisas que me ajudaram e me ajudam a atravessar esse momento turbulento preservando a saúde mental:

  • Reduza o ruído: silencie alguns canais de informação, jogue algumas (eu diria muitas) indicações "preciosas" no lixo, não se deixe levar pela avalanche de "coisas fundamentais" sem fim. Quanto mais exposição, mais difícil será se livrar da culpa de não conseguir acompanhar e absorver as coisas.
  • Troque e colabore, mas reflita sobre a sua socialização: interações sociais são muito enriquecedoras e fundamentais pra estabelecer uma rede profissional e de apoio, mas também podem surgir dinâmicas e jogos nada saudáveis de comparação, gratificação e histrionismo. Vale perguntar: o que eu tava fazendo aqui mesmo?
  • Desabafe! Pra despressurizar é preciso vocalizar nossas medos, ansiedades e fracassos. A cultura da nossa área é geralmente péssima pra esse acolhimento, mas tente encontrar brechas, espaços e pessoas pra desabafar. Não empurre com a barriga ou vai terminar no silêncio, sentindo medo de sentir medo – existem milhões como você, eu garanto.
  • Se reconheça, mas faça isso em ambiente seguro: destrinche sua personalidade, motivações e contexto. Isso significa compreender suas potências e também seus limites, e isso é poderoso para se sentir no comando da sua jornada. Fazer tudo isso em ambiente seguro é fazer isso só, diante do espelho, e não em comparação às outras pessoas.
  • Faça as pazes com a ignorância: saber o nome e os processos de 300 metodologias resolve zero problemas. Pra aprender a lidar com o caos é preciso vivê-lo, e vivê-lo no começo é ficar assim mesmo, sem eira nem beira. Você não é uma pessoa impostora, só acabou de chegar.
  • Defina um tema de interesse e persista: resista ao tsunami, não aborde todos os temas de uma área simultaneamente. Estabeleça um ponto de partida factível, siga essa trilha e evite tomar toda e qualquer bifurcação que aparecer.
  • Dê um tempo, pelamordedeus: a mente humana precisa de espaço, de tempo e de silêncio. Resiliência é também autocuidado. Permita-se desconectar totalmente do UX design e da tecnologia com frequência. Leia um livro de ficção, maratone uma série, acampe, viaje ou simplesmente faça nada. Recarregue.

E lembre-se do clichê: para cada post motivacional e de sucesso no LinkeDisney existem cem vezes mais histórias de fracasso e dores varridas pra debaixo do tapete.

Eu ainda tô sofrendo, e você?

*Se quiser conversar e trocar, bora! Estou aberto, só não prometo respostas imediatas, fui caminhar :)

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