clara averbuck
3 min readJan 25, 2016

Ei São Paulo,

eu sei que tivemos nossos momentos ruins, nos xingamos e até nos batemos. Você em mim, eu em você. Era uma briga boa porque sabíamos que ninguém ia ganhar. No começo eu achava que você queria me derrubar e dizia RÁ! Eu não, querida, eu não. Você batia, eu levantava. Você batia e eu fugia pro Rio, prometia pra ele que ia te deixar, que dessa vez era sério, que eu não aguentava mais, que o meu lugar era lá que aqui era feio, era sujo, era triste e cinza, que eu queria sol, mar, decadência e beleza.

Nunca fui. Nunca cumpri. O Rio segue lá, me recebendo de braços e pernas abertas todas as vezes, eterno amante do meu talento, sempre me inspirando, sempre me fazendo suspirar, mas eu sei que é só porque eu não moro lá. Se eu lá morasse seria gritaria e loucura, talvez o inferno, meu bem, talvez a minha ruína, talvez não minha salvação como já gostei de acreditar, como acho sempre que chego lá e também quando vou embora vendo a cidade de cima, a cidade e suas curvas, suas cores, suas praias, tão diferente de você, uma maçaroca cinza de concreto e sonhos abatumados, os prédios, as casinhas, o centro, a quebrada, gente com todo o dinheiro, gente sem nenhum, gente, gente, gente por todos os lados. Sempre cabe mais gente, as pessoas vem de todos os lugares, São Paulo, o plano de uns trocos a mais, uma vida digna, o sonho de ser a exceção que prosperou, a fama, o glamour, sangue é champagne.

A São Paulo que eu abomino, a São Paulo da bolha, dos shoppings, dos carros blindados, do um porcento, do verde e amarelo aos domingos, a São Paulo que eu amo, o que a rua fala, o que a rua canta, realidade esfregada em nossas peles até a carne, até a desesperança, até que nenhum sangue nos sobre. A São Paulo que me fez sair do conforto da casa de um namorado para um quartinho dos fundos da casa de um amigo em busca de mim mesma, da minha identidade, da minha liberdade, do meu direito de ser quem quisesse, quem soubesse ser sem ninguém me tolhendo, sem ninguém olhando torto, sem julgamentos pois aqui estão todos muitos ocupados tentando sobreviver, todo mundo no corre, todo mundo fazendo o seu. A São Paulo que me deu meu primeiro romance, e o segundo, e todos os que vieram, que abrigou tantos amores, tantas decepções, tantas amizades pra sempre, tantas paixões loucas, a São Paulo onde nasceu minha filhinha na noite mais fria de Julho e foi cenário do meu grande amor.

A São Paulo que é minha casa.

Casa não é onde nasci. Casa é onde firmei meus pés há quinze anos e disse: daqui ninguém me derruba.

Derrubaram.

Levantei.

Derrubaram de novo.

Levantei mais forte.

São Paulo que me fez uma mulher de aço, uma mulher inquebrável, que me mastigou e cuspiu tantas vezes que não tive escolha além de prosperar, que me apresentou tantas outras mulheres que hoje fazem parte da minha vida, parabéns por todos esses anos. Você é maravilhosa e horrenda e eu te amo.

São Paulo, meu amor torto, obrigada por me fazer quem sou.