Cynefin para todos!

Claudia Crescente
18 min readAug 7, 2018

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Tradução de "Cynefin for everyone!" (19/07/2018), de Liz Keogh.

Há cinco anos, perto do Natal de 2012, escrevi um artigo sobre Cynefin, uma estrutura de classificação de problemas e gestão de mudanças (sensemaking framework). O texto focava em desenvolvimento de software, o segmento em que eu trabalhava com mais frequência, e sobretudo em como usar a ferramenta para descobrir quais dos nossos requisitos eram complexos, de modo a acolher incertezas e riscos e evitar a desordem que muitas vezes resulta do legado das formas mais tradicionais de trabalho e do desejo humano pelo que é certeiro.

É claro que esse desejo prevalece em todas os setores, e não apenas em desenvolvimento de software. As origens do Cynefin estão ancoradas na sociologia e na antropologia, e, embora essa ferramenta certamente nos ajude a desenvolver sistemas de software, sua função mais elucidativa está em servir de parâmetro para compreendermos sistemas humanos.

Neste artigo, gostaria de compartilhar algumas histórias que vêm de fora do universo do desenvolvimento de software e falar sobre como mudanças culturais ocorrem, além de apontar para o fato de que a tendência humana de achar padrões, apegar-se à certeza e querer previsibilidade pode ser um obstáculo no momento de aplicar as mudanças que nos seriam úteis. E quero mostrar também que enxergar o mundo através das lentes do Cynefin pode ajudar com tudo isso.

Uma breve introdução ao Cynefin

O framework Cynefin foi desenvolvido por Dave Snowden. É uma estrutura de compreensão e classificação que nos ajuda a entender diferentes tipos de problemas, dependendo de quão previsíveis ou imprevisíveis eles são.

O Cynefin introduz quatro domínios — óbvio, complicado, complexo e caótico — , além de um quinto no centro (desordem) para quando não sabemos qual o tipo de problema com que estamos lidando. Todos temos um domínio habitual cujas práticas empregamos com mais frequência. Há também uma pequena brecha na fronteira entre “óbvio” e “caótico” que mostra como é fácil que soluções óbvias gerem complacência e caiam no caos.

Os domínios não são categorias. Certas coisas podem estar mais próximas de uma fronteira do que de outra, e podem migrar entre os domínios. Problemas que antes eram complexos e difíceis de resolver são agora melhor compreendidos em contexto, e essas dinâmicas são tão importantes quanto os próprios domínios. Mas é mais fácil começar por eles, e mais fácil ainda é começar pelo mais simples.

Óbvio

Problemas óbvios são aqueles que até crianças conseguem resolver ou que, se de fato demandarem habilidade, têm uma solução evidente.

Quando acaba a cerveja no bar, o responsável pelo local sabe como trocar o barril de chope. Eu sei que é isso o que se deve fazer; eu mesma não tenho a habilidade para fazê-lo, mas ainda assim a solução é evidente para mim. É um problema “dãã”, um daqueles de sempre. Vários problemas com que nos deparamos se encaixam neste domínio, mas não pensamos muito neles porque são tediosos e facilmente solucionáveis — amarrar os sapatos, escrever no papel com a caneta ou empurrar um carrinho de supermercado. Esse tipo de problema pode ser colocado no domínio óbvio. “Ai… é um daqueles. De novo.”

No domínio óbvio, é comum haver um modo certo de resolver o problema — uma “melhor prática”. Note que quando se fala em “melhores práticas do setor”, geralmente não se trata de problemas óbvios. As “melhores práticas”, nesse caso, são aquelas que se aplicam a vários contextos, mas não a todos.

O domínio óbvio era antes chamado de “simples”, mas Dave Snowden o renomeou há alguns anos. Eu prefiro o nome novo, já que algumas pessoas acham simples resolver problemas complicados… mesmo quando eles não são óbvios.

Complicado

À medida em que as coisas se tornam mais e mais complicadas, a solução requer mais e mais habilidade. Um relojoeiro sabe como consertar seu relógio. Um mecânico sabe como consertar seu carro. O resultado ainda é previsível, mas agora é preciso um especialista para saber como chegar lá.

Diversos objetos mecânicos acabam caindo no domínio complicado. Você pode desmontá-los e remontá-los; eles são a soma de suas partes. Geralmente há mais de uma maneira de se resolver o problema, sendo que todas são boas e funcionarão bem se você souber como aplicá-las. Se você tiver a habilidade certa, vai poder analisar o problema de modo a eliminar a distância entre o ponto em que está e aquele em que quer chegar.

Tanto o domínio óbvio quanto o complicado são tidos como ordenados, uma vez que são previsíveis. Causa e efeito têm uma ligação clara, seja porque a associação é óbvia, seja porque foi descoberta por um especialista. Problemas ordenados têm soluções que se repetem: o mesmo processo aplicado ao mesmo problema sempre vai funcionar.

Complexo

Problemas complexos são aqueles em que o processo e as práticas utilizados em sua resolução ganham destaque. Ao passo em que é possível imaginar como seria empregar uma solução, utilizá-la de fato gera efeitos colaterais imprevisíveis — outros problemas ou consequências inesperadas que podem exigir uma solução por si só. Causa e efeito só têm uma ligação se encarados em retrospecto: você consegue saber como chegou até aqui, mas não tinha como ter previsto o resultado. Este é o domínio dos problemas “perversos”, difíceis de serem solucionados apenas com a habilidade de um especialista.

No domínio ordenado e complicado é possível pensar em uma solução, implementá-la e esperar que ela funcione (ao menos em tese, já que humanos são complexos e cometem erros).

No domínio complexo, é preciso investigar o problema. Isso significa testar algo de uma maneira em que seja seguro falhar. Idealmente, teríamos vários probes trabalhando em paralelo: são como balões de ensaio, ou seja, protótipos de uma ideia ou projeto que lançamos para ver se dão certo e, se não derem, ao menos saberemos onde está o problema sem causar outros.

Não é exatamente a mesma coisa que fazer uma experiência, porque experimentos devem ser repetidos e têm em vista uma hipótese comprovável. Já com problemas complexos, a possibilidade de haver efeitos colaterais significa que você pode obter o efeito esperado de uma ação, mas ele não causa o impacto que você gostaria… ou então, que ele não era bem o que você queria ver.

Nos anos 1920 e 1930, pesquisadores realizaram algumas experiências com uma fábrica de materiais elétricos na região de Chicago. Eles queriam saber se os trabalhadores seriam mais produtivos com mais iluminação ou com menos. As descobertas foram curiosas: os trabalhadores de ambos os grupos pareciam mais produtivos! Em retrospecto, chegou-se à conclusão de que esse resultado se devia ao fato de que os trabalhadores estavam sendo observados e, portanto, trabalhando mais pesado. Até mesmo o ato de observar pode efetuar mudanças no domínio complexo!

Sistemas humanos em particular são Sistemas Complexos Adaptáveis (SCAs), nos quais os agentes (pessoas) podem mudar o próprio sistema. Quando quisermos fazer mudanças em um sistema humano com segurança, temos que tomar cuidado para não fazer alterações bruscas ou grandes demais, já que não sabemos muito bem o que pode acontecer em um dado contexto, mesmo que tenhamos algumas boas ideias.

O sistema de produção da Toyota, por exemplo, é famoso por ser incrivelmente eficiente. Seus processos de fabricação Just in Time (JIT) incluem algo conhecido como “andon cord”, uma espécie de sistema de alerta por sinais sonoros e visuais. Se alguma coisa dá errado na linha de produção, o trabalhador que nota o problema puxa uma corda que dá o sinal, permitindo assim que seu supervisor venha até ele e o ajude. Mas quando tal sistema foi importado para as fábricas da GM em Fremont, Detroit, não funcionou de jeito algum… porque os empregados tinham medo de puxar a corda.

Como disse o guru do gerenciamento de equipes Peter Drucker, “A cultura come a estratégia de café da manhã”.

Caos

Caos é um domínio transitório; ele se resolve rápido, mas não necessariamente a seu favor. É dominado pela urgência e pela necessidade de agir, e de agir logo. É o lugar de problemas de produção urgentes, da sua casa em chamas, de pessoas sangrando até a morte.

É também o lugar de oportunidades urgentes e, com o devido cuidado, pode ser usado para gerar inovação e ajudar na tomada de decisões (falarei mais sobre isso depois)… mas é geralmente tido como um lugar bem ruim de se estar.

Cenários caóticos incluem os ataques de 11 de Setembro; a crise financeira de 2007/8; os problemas da Nokia em 2011, que levaram o CEO da empresa, Stephen Elop, a igualar a situação a estar em uma “plataforma em chamas”; e a quebra de sigilo dos dados da Equifax.

Caos é qualquer situação em que valor e oportunidade são rapidamente destruídos. Não é um ambiente seguro para falhar (se fosse, o problema seria complexo e não caótico).

No caos, ações decisivas são a melhor forma de prosseguir. Não há tempo para pedir conselho ou input de mais ninguém. Isso deixa o caminho aberto para as pessoas encontrarem suas próprias soluções e, assim, há a possibilidade do aparecimento de novas práticas. Portanto, como veremos adiante, nós podemos fazer uso do caos, desde que administremos com sabedoria o modo de se sair dele.

Desordem

Desordem é o domínio em que não sabemos qual dos demais está em evidência, de modo que nos comportamos de acordo com nosso domínio preferido.

Para algumas pessoas, o ato de experimentar é criativo e divertido. Nem sempre eu leio as instruções das coisas… e isso já me meteu em encrenca mais de uma vez, quando não era um ambiente seguro para falhas!

Nas organizações, no entanto, é mais comum tratar situações complexas como se elas pudessem ser analisadas, e daí criar planos e compromissos com base nessa análise falha. Quando a desordem persiste, o resultado inevitável é o caos.

Eu ensino a seguinte escala para ajudar as pessoas a evitar a desordem, tendo como base a pergunta “Quem já fez isso antes?”:

5. Ninguém fez isso antes.

4. Alguém já fez isso, mas não neste contexto.

3. Alguém na nossa organização já fez isso (ou temos acesso a esse conhecimento de alguma maneira).

2. Alguém da nossa equipe já fez isso.

1. Todos sabemos como fazer isso.

Certa vez eu estava trabalhando em um departamento do governo no qual um gerente estava criando um novo modelo operacional (Target Operating Model) para ajudar com mudanças nas políticas e nas leis. Eu ensinei Cynefin à equipe dele e em seguida ensinei a ele essa escala. Ele olhou com bastante atenção. “O 5 e o 4… é aí que está o risco!”, exclamou.

“Isso mesmo”, respondi. Ele estava certo. O 5 e o 4 são complexos. O 5 é algo que ninguém nunca fez; pode ser que falhe completamente. O 4 é uma coisa que já vimos outras pessoas fazerem… mas mesmo assim não sabemos o que elas descobriram, ou se é viável copiarmos. O domínio complexo é o espaço dos enigmas desconhecidos. Não sabemos qual é o risco… mas podemos ter certeza de que quando fizermos algo de novo ali, haverá mais descobertas do que nossa experiência poderia prever.

Ele olhou para a escala de novo. “Mas é aí que está o valor. É por isso que estamos fazendo isso.”

“Isso!”, exclamei. Ele acertara de novo. Sempre que fazemos alguma mudança é porque queremos obter uma qualidade que não tínhamos antes, ou porque queremos ser capazes de fazer alguma coisa em um novo contexto. Talvez a gente queira que nosso negócio responda melhor ao mercado, ou colocar uma nova função no nosso software, ou abrir um novo escritório, ou ainda alterar um contrato. Todas essas coisas são novas, e inevitavelmente trarão descobertas.

“Então é melhor fazermos esses logo”, disse ele. Ele havia deduzido a resposta. Precisamos de tempo para reagir às descobertas, e se pudermos focar no valioso, arriscado e novo e conseguir feedback logo, avançaremos mais rápido.

“Sim”, concordei.

Ele olhou para a parede atrás dele. “Mas todo o nosso segmento faz a coisa ao contrário…”

“Pois é”, concordei novamente. “Faz mesmo”. É porque nós amamos previsibilidade que tendemos a analisar e planejar, e, quando não podemos, deixamos para depois na esperança de que a resposta certa apareça.

O gerente havia colocado na parede todos os aspectos do novo modelo que poderiam ser analisados e que eram bem compreendidos, deixando lacunas com o aviso “A decidir”. Seu time havia focado nos itens 1, 2 e 3 da escala e convidado partes interessadas a dar feedback. E todo mundo havia acenado e ficado contente com o que tinha visto…. Mas o time havia aprendido muito pouco com esse processo. O que o gerente percebeu é que colocar o 4 e o 5 na parede traria um feedback bem diferente, e ele poderia aprender muito com isso.

Usando Cynefin para gerenciar diferentes tipos de trabalho

Uma outra equipe que eu treinei estava abrindo um novo escritório, com um novo software desenvolvido por outra equipe. Eles anotaram seu plano em post-its, contendo todas as coisas que tinham que fazer. Adicionaram os números da escala de complexidade, do 5 ao 1. “Qual é a maior novidade que vocês vão enfrentar?”, perguntei.

Eles rapidamente limitaram as respostas a um único post-it. “Isto aqui”, disse a líder da equipe. Ela pegou um pequeno post-it que dizia “Treinamento”.

“O que vocês precisam fazer para obter feedback nisso?”

“Bom… é bem fácil, na verdade”, respondeu ela. “Nós não vamos treinar os usuários desta vez. O software tem que ser bem intuitivo. Nós vamos sentar na mesma sala e, se tiver algo que os usuários não entendem, a gente vai ajudá-los a entender e falar para os desenvolvedores tornarem aquilo mais fácil. A ideia é não precisar de um manual.”

“Ah, tá. Tem alguém que poderia ficar preocupado com isso? Como nós podemos conseguir o feedback dessas pessoas?”

“Nós temos que produzir uma página introdutória para cada um destes post-its”, respondeu um outro membro da equipe. “Para que possamos mostrar a eles. Se eles tiverem dúvidas, poderemos cuidar delas logo de cara!”

“Então precisamos fazer logo essas páginas para cada um, certo?”, perguntou alguém.

Peguei um outro post-it que dizia, “Telefones”. Estava marcado como um “2”, algo que eles já haviam feito. “Como seria a página pra explicar este aqui?”

Ela deu de ombros. “Encomendar 24 telefones.”

“O que os interessados vão dizer quando virem uma coisa dessas?”

“Eles vão falar, ‘tá, tudo bem’… Ah, entendi! A gente não aprende nada com esse feedback.”

“Exatamente. É só uma lista de tarefas. Os 2s e 1s são quase sempre estáveis e bem monótonos. Ninguém se preocupa com os telefones. Agora, com o treinamento…”

“É verdade”, disse ela, rindo. “Melhor começar logo a página do treinamento. Mas o negócio dos telefones pode demorar um pouco, melhor colocar uma data limite pra não deixarmos pra última hora.” Coisas estáveis podem levar tempo para serem criadas ou produzidas, e até mesmo isso é previsível… mas vale listar uma alternativa ou outra opção para o caso de dar errado. Todos os sistemas humanos têm ao menos um pouco de complexidade, inclusive uma encomenda de telefones.

Depois de investigar quais partes do trabalho são novas (os 5s e 4s), seremos capazes de discernir quais delas têm maior chance de dar errado, e para quais o feedback é mais necessário. Podemos cuidar delas logo no começo, de modo a descobrir problemas antes que tenhamos feito compromissos demais.

Para os problemas de nível 3, que demandam competência, podemos planejar o contato com os especialistas, arranjar um treinamento ou outra forma de aprendizado. É válido buscar feedback para eles também, já que seres humanos cometem erros e os 3s são novidade para quem ainda está aprendendo a lidar com eles.

Dá para se preocupar menos com os itens 2 e 1. E é assim que eu sugiro que as pessoas e equipes organizem seu trabalho.

Agora… mudanças organizacionais e culturais são outra coisa bem diferente. Isso porque são alterações de contexto, o que significa que tudo ali é novo. E as coisas que tentarmos podem não dar certo.

Orientando mudanças organizacionais e culturais

Dave Snowden e sua empresa, Cognitive Edge, usam Cynefin para ajudar as pessoas a mudar seu comportamento, bem como a cultura que resulta da interação entre elas… em escala.

Não se trata apenas da escala de uma empresa, mas também de populações. Eles fizeram um trabalho abrangente com vários governos diferentes, além de militares, sistemas de saúde pública, caridades, empresas líderes na bolsa de Londres, dentre outros.

Não sou especialista em sociologia ou antropologia, por isso estou limitando este artigo ao tema de mudança organizacional, já que é um assunto sobre o qual eu tenho histórias para contar. Para mais histórias como essas, procure pelos estudos de caso da Cognitive Edge.

Sempre que as pessoas mudam a forma como interagem umas com as outras, ou quando o sistema de trabalho muda de tal forma que elas se veem forçadas a se transformar, as incertezas entram em cena… e isso pode ser desconfortável.

Se houver um senso de urgência e uma mudança imediata for necessária porque a empresa está em Caos, uma grande reorganização vai funcionar; mas isso não se aplica a uma organização que já está indo muito bem. Neste último caso, evolução é melhor do que revolução, e muito do que será preciso fazer está no domínio complexo.

Enquanto que sistemas complicados possuem previsibilidade, os complexos têm inclinações. Isso quer dizer que, neles, certas coisas estão mais inclinadas a dar certo do que outras. Em uma empresa, podemos ter a ideia de fazer simulações com Lego e pedir que as pessoas montem figuras, e todos acabam adorando e se divertindo — esse plano, então, funcionou com eles. Em outra organização talvez haja mais noção de risco ou responsabilidade e as pessoas se levem um pouco mais a sério, e daí a ideia não funciona tão bem. É impossível prever quais coisas irão dar certo e quais darão errado…

… mas as pessoas que já estão lá há algum tempo são mais aptas do que eu a conhecer as pré-disposições da organização.

Liderança em qualquer nível

Todo mundo, em qualquer nível de uma organização, consegue enxergar maneiras de melhorá-la. Provavelmente têm ideias que poderiam testar… se fazê-lo fosse seguro.

A maior parte do meu trabalho consiste em ajudar as pessoas a fazer as coisas com mais segurança. Costumo dar as seguintes ideias:

  • implementar processos com pausas planejadas e regulares em que seja possível dar feedback com tranquilidade;
  • ensinar as pessoas a dar feedbacks pessoais de um jeito educado mas honesto, partindo de uma postura de cuidado com o outro (sinceridade radical);
  • encorajar segurança psicológica de modo que os membros da equipe se sintam confortáveis para assumir riscos interpessoais, como fazer perguntas ou sugestões que poderiam soar bobas ou inocentes em outros contextos;
  • ajudar as pessoas a delinear os aspectos incertos e complexos do trabalho para que saibam como obter feedback com maior facilidade;
  • mostrar às pessoas como obter feedback de modo mais seguro, ou quando houver pouca gente na equipe, ou pouco tempo ou dinheiro;
  • ajudar departamentos de TI a criar processos que proporcionem feedback técnico (“DevOps”).

Às vezes eu proponho probes, só para mostrar que há espaço para eles… mas é muito mais poderoso quando as pessoas dentro de uma organização conseguem bolar seus próprios probes. Assim que a mudança começa e já é possível ver os benefícios, tentar coisas novas se torna um hábito da empresa.

Uma vez que isso começa, eu me torno redundante e a organização consegue tocar o processo sozinha.

E é por isso que eu ensino Cynefin sempre que possível, para que todo mundo possa ver que a mudança cultural emerge sozinha, e não por imposição; e para que todos possam começar a identificar oportunidades para testar coisas ou denunciar momentos em que isso não é seguro.

Testar uma ideia que criaria ambientes seguros para falhar é, por si só, um probe!

O que há em um probe?

Há cinco itens que precisam constar de um probe:

  • Indicadores de sucesso
  • Indicadores de fracasso
  • Um modo de ampliar uma ideia se ela der certo
  • Um modo de sufocá-la se der errado
  • Coerência

Coerência pode ser descrita como “uma quantidade suficiente de evidências para continuar”, ou “um motivo realista para pensar que o probe terá um impacto positivo”. Gosto de fazer a seguinte pergunta: “Vocês podem me dar um cenário em que isso funcionaria?” Se não formos capazes de imaginar o probe em funcionamento, então não há coerência!

Note que, quando colocamos a sondagem em prática, podem surgir consequências inesperadas e podemos não obter aquilo que esperamos.

Por exemplo, quando uma cidade coloca mais policiais na rua, o índice de denúncias de crimes sobe ao invés de cair… e não porque há mais crimes ocorrendo, mas porque ficou mais fácil denunciar. De modo semelhante, ao implementarmos uma sondagem, podemos ver mais problemas surgirem ao invés de menos. Se um time começa tentando terminar trabalhos antigos antes de começar os novos, o intervalo de tempo entre o início de uma iniciativa e a sua entrega pode ser maior e não menor, pois as pessoas estariam terminando tarefas que estavam em andamentos há séculos (pelo menos se julgarmos pelo momento em que foram concluídas!). Portanto, é frequente que obtenhamos números opostos àqueles que estávamos esperando. Todas as medidas em domínio complexo devem ser encaradas com mais do que simples curiosidade!

Mas imaginar um cenário pode revelar quais métricas ou outros indicadores devem ser considerados.

Histórias, em particular, são um indicador bem poderoso. Um dos melhores sinais de uma mudança cultural é quando as histórias que as pessoas contam sobre a organização começam, elas também, a mudar.

Ampliando os aspectos positivos

Antes mesmo de uma iniciativa de mudança organizacional decolar, as pessoas com os pés no chão já estão tentando melhorar as coisas para si e para os outros. Às vezes, esses esforços já surtem efeitos! Eles encontraram algo que já está pronto para pousar.

Uma das ações mais importantes que podemos tomar é ampliar aquilo que está dando certo, sobretudo se forem novidades. Há muitas maneiras de se ampliar o efeito de probes em uma empresa. A lista abaixo não é exaustiva:

  • Se você esteve lá, conte a história!
  • Apresente a ideia nova a outras pessoas.
  • Ajude outros a implementá-la em suas equipes.
  • Faça isso com mais pessoas!
  • Torne essa ideia um item visível nos planos da sua equipe, nos seus processos de trabalho ou nas suas políticas.
  • Cole um pôster para lembrar as pessoas de continuar fazendo aquilo.
  • Cole um pôster convidando outros a te fazerem perguntas sobre aquilo.

Já dá para ter uma ideia.

Um sistema complicado é o resultado da soma das suas partes.

Já um sistema complexo é o resultado da interação entre seus agentes: o produto de relacionamentos. Portanto, os probes que mais devem ser ampliados são aqueles que provocaram melhora de relacionamento e que levaram duas pessoas ou grupos a se tornarem melhores. Apresentar e contar as histórias em grupo tem grande potencial.

Um breve mergulho no Caos — gerando ideias para probes

Daniel Kahneman, autor de “Rápido e Devagar: Duas formas de pensar”, fala em âncoras, ou seja, coisas que uma pessoa diz que podem mudar a opinião de outra. Isso ocorre com facilidade, mesmo quando estamos cientes da influência. A frase “Não pense em um elefante!” é um exemplo bem claro para demonstrar isso.

Se eu pedir para todos em uma sala escreverem o nome de um animal em um pedaço de papel, provavelmente terei uma série de respostas diferentes. Certas pessoas têm uma predileção por insetos ou têm um pet, uma cobra ou um peixe.

Mas se eu pedir para cada pessoa pensar em um animal e uma delas disser, “Elefante!”, daí é provável que os outros animais imaginados sejam aqueles normalmente associados a elefantes: leões, tigres e outros grandes animais que podem ser vistos no zoológico. Ou, se forem todos bastante inclinados ao visual, talvez apareçam animais cinzas e enrugados, como morsas e rinocerontes. É bem menos provável que as pessoas venham com andorinhas e aranhas.

Se estivermos lidando com um “problema perverso” que se mostra difícil de resolver, talvez seja preciso gerar algumas ideias radicais. Para se obter a maior variedade de projetos para testar, devemos separar as pessoas e impedir que influenciem as opiniões umas das outras.

Muitos facilitadores já fazem isso, utilizando técnicas de “Trabalho Silencioso” tais como pedir para as pessoas escreverem suas ideias em post-its antes de se reunirem. Existe um processo chamado “concurrent set-based engineering”, pelo qual várias pessoas ou grupos testam separadamente suas ideias para resolver um problema antes de se reunirem para discuti-las. Vê-se então que isso não é uma ideia nova. Nós só precisamos ficar tempo suficiente no caos para gerar as ideias.

Se tivermos uma grande população, o melhor é dividi-la em grupos menores. Devemos tentar fazer com que os grupos sejam homogêneos, com o mesmo tipo de pessoas em cada um deles. Essa não é a maneira com a qual normalmente pensaríamos em trabalhar — diversidade é importante! — , mas, quando se está gerando ideias, ela oferece a maior diversidade entre grupos. Isso também ajuda a evitar o “efeito HiPPO”, no qual prevalece a opinião da pessoa com o maior salário.

Uma vez que as ideias são geradas, a Cognitive Edge emprega uma técnica chamada Dissenso Ritual (Ritual Dissent), através da qual um probe é apresentado a um outro grupo que deve criticá-lo com base nos cinco pré-requisitos para um probe seguro que mencionei anteriormente. A crítica ajuda a refiná-lo e incentiva as pessoas que querem que ele funcione a apresentá-lo com mais clareza.

Há vezes em que esse ritual pode ser útil. No entanto, vejo com frequência que pessoas que querem que o probe seja descartado ou interrompido assim que falhar já se encontram presentes desde o início, e se elas estiverem dispostas a ir em frente com ele e oferecer feedback, já é motivo para nos darmos por satisfeitos. Fazer as coisas andarem pode ser mais importante do que fazê-las andar do jeito certo, desde que já se tenha medidas de segurança instaladas.

Conclusão

Cynefin define cinco tipos de problemas:

  • Óbvios, que você pode categorizar (fáceis e tediosos).
  • Complicados, que você pode analisar e que requerem habilidade e conhecimento.
  • Complexos, que geram efeitos e que requerem testar projetos de uma forma segura.
  • Caóticos, que exigem ação imediata.
  • Desordem, quando lidamos com problemas sob uma abordagem errada, provocando ainda mais problemas.

A maior parte de nossos trabalhos pertence ao domínio complexo e, portanto, é uma boa ideia começar pela sondagem dos projetos mais novos e incertos, com o mínimo de investimento de tempo e esforço.

Mudanças organizacionais e culturais são sempre complexas, a menos que já haja caos suficiente para provocar uma mudança radical (evolução vs. revolução).

Ao testar seus próprios probes em ambientes onde seja seguro falhar, e ao ampliar outros, você também pode fazer parte dessa mudança.

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Claudia Crescente

Tradutora (PT<>EN), contribuo como posso para o direito de ir e vir das palavras. / Translator (PT<>EN), I do my best to support words' rights to free movement.