Coronavírus e o poder da sociedade colaborativa
Reunimos e listamos algumas iniciativas para minimizar os impactos do COVID-19
Há pouco mais de uma semana, saí pela manhã para ir ao supermercado apressando o passo. Tinha ouvido um boato no dia anterior de que aqui em Dublin iria faltar papel higiênico e outros itens básicos no mercado por causa do coronavírus. Sem papel em casa, decidi sair cedo para tentar garantir pelo menos um pacote. Uma insólita sexta-feira 13.
Para ser sincera, até esse dia eu não estava dando importância para o vírus, apesar do número de mortes já registradas no mundo e dos 90 casos até então registrados na Irlanda. “Não é para tanto, é um vírus que só afeta idosos”, pensava eu.
Quando cheguei ao supermercado percebi que o comportamento das pessoas não estava normal: gente comprando quantidades acima do comum de carne e água, e já faltavam nas prateleiras itens básicos como ovos, farinha, arroz, massa, feijão e, claro, papel higiênico. Tentando não me desesperar, comprei alguns itens e, de lá mesmo, alertei alguns amigos sobre o que tinha visto. Ao final do dia, o cenário era de desespero geral: filas nos mercados, prateleiras totalmente vazias, mesmo com os avisos de que não iriam faltar mantimentos à população. E não só aqui, a reação se repetiu em outros países também.
No início, era o medo. A imagem da escassez no supermercado revelou o instinto mais egoísta e autocentrado de todos nós. A morte não parecia incomodar, até que o choque de realidade veio: o vírus está se espalhando pelo mundo, é sério mesmo, precisamos acordar e parar de pensar só no nosso umbigo.
Naquele dia, li o depoimento da minha grande amiga Patrícia Benvenutti, que está no sul da Itália, e as palavras dela me doeram, porque percebi que estava minimizando um problema grave e global. Até o momento (25/3), já são mais de 69 mil casos registrados na Itália, dos quais 8 mil já estão curados, mas o número de mortes ultrapassa 6,8 mil.
O mundo pode mudar em uma semana? Sim, e continua mudando. O número de casos segue aumentando globalmente, e isso fez com que uma grande parte da população dos países afetados aderisse ao movimento de distanciamento social. E não só isso.
Do medo, nasceu uma consciência coletiva. Chora, coronavírus, a sociedade colaborativa está viva. E tem poder.
Existem vários movimentos positivos acontecendo e decidimos reunir e listar — minha amiga Heleni Barreto e eu, com o apoio de amigos colaboradores — algumas das iniciativas para minimizar os impactos do COVID-19:
- Apoio a profissionais autônomos: governos já estão fazendo sua parte anunciando benefícios, mas há várias formas de colaborar com pessoas que terão que ficar paradas nesse período de isolamento (diarista, pet sitter, massoterapeuta, manicure, etc.). Se puder, pague por um serviço sem consumi-lo, ou pague parte do serviço adiantado. Mas independente disso, converse com essa pessoa antes de simplesmente dispensá-la. Pergunte de que forma você poderia ajudá-la nesse momento. Já surgiram grupos de ajuda para pagar boletos a quem teve sua renda prejudicada.
- Apoio a micro e pequenas empresas: colaborar com negócios locais pode ser uma boa ideia para que eles não sejam tão prejudicados economicamente. Uma ideia que já se popularizou: pedir telentrega de pequenos restaurantes, lanchonetes, mercados, farmácias locais. Há serviços que estão oferecendo telentrega sem custo e sem contato físico (evitando manusear dinheiro ou cartão), com pagamentos por aplicativos.
- Oferecer consultoria e outros serviços gratuitamente: há várias empresas e profissionais oferecendo serviços gratuitos nesse momento. Uma iniciativa muito bonita que vi para ajudar micro e pequenas empresas foi de profissionais se oferecendo para criar lojas virtuais para quem deseja vender seus produtos online. Aliás, esse é o momento para micronegócios pensarem sobre produtos e serviços que podem ser online, não só durante a quarentena, mas de agora em diante. Trabalho com produção de conteúdo para canais digitais (redes sociais, sites, blogs, lojas online). Quem estiver perdido nesse caminho de vender seu trabalho online, me mande mensagem pelo Instagram, estou pensando em formas de ajudar quem precisa gratuitamente.
- Apoio a pessoas idosas e grupos de risco: ser voluntário é um movimento em nossos tempos, e não precisa necessariamente ser algo institucionalizado. Em vizinhanças e condomínios pelo mundo, pessoas estão se oferecendo para fazer compras de itens básicos para idosos ou pessoas em grupos de risco. É o momento de pensarmos: de que forma posso doar um pouquinho do meu tempo para quem precisa? Já existem plataformas para pedir e oferecer ajuda, como Vizinho do Bem e Vizinho Amigo.
- Oportunidades de empreender (sem oportunismo): os perfis do Instagram @fafaconta e @marinabastoshistorias se tornaram exemplos de como aproveitar oportunidades. Elas são contadoras de histórias e estão criando lives para entreter crianças que estão em casa. Aliás, a produção de conteúdo está a mil para colaborar com as pessoas que estão em casa de forma gratuita. Alguns exemplos de conteúdo com utilidade:
- Lives de conteúdo: empresas, veículos de comunicação, celebridades, empreendedores, todos estamos produzindo lives nas redes sociais (Instagram, YouTube, etc.) para compartilhar informação com as pessoas. Aliás, o conteúdo desse texto nasceu numa das nossas #LivesColaborativas, que a Heleni Barreto e eu estamos transmitindo em nossos perfis do Instagram. A próxima será sobre como lidar com a saúde mental em tempos de COVID-19, e vai acontecer na próxima sexta-feira, 27 de março, às 18h (Horário de Brasília), 21h (fuso da Irlanda, Portugal e Reino Unido, onde eu e Heleni estamos).
- Videoconferências para cocriar iniciativas: já existem iniciativas pelo mundo de profissionais se reunindo em “brainstormings online” para pensar em soluções para problemas que surgiram com o coronavírus e o impacto das medidas de distanciamento social. Faço parte de uma rede de mulheres que está se organizando para uma videoconferência nos próximos dias, e provavelmente vamos discutir soluções voltadas para a inclusão e geração de oportunidades de trabalho para mulheres. Quem quiser colaborar com essa discussão pode comentar neste post e vemos juntas como podemos reunir todo mundo para esse evento cocriativo.
- Cursos gratuitos de capacitação e aulas online: um dos desafios nesse período de quarentena está sendo lidar com a quantidade de plataformas que estão disponibilizando cursos gratuitamente, sem contar os profissionais que oferecem aulas online de inglês, yoga, atividades físicas, etc. Existe um documento colaborativo organizado pela Tati Felipiak com links de cursos e iniciativas gratuitas, e todo mundo pode enviar sugestões.
- Entretenimento em tempo real: o #FestivalFicoEmCasaBR uniu artistas da música brasileira e exibirá shows ao vivo pelo Instagram dos dias 24 a 27 de março. O público vai encontrar uma lineup com Daniela Mercury, Emicida, Adriana Calcanhotto, Dudu Nobre, Maria Gadu, Teresa Cristina, entre outros.
- Grandes empresas fazendo doações e gestos colaborativos: as marcas estão fazendo sua parte doando produtos, e oferecendo benefícios e ferramentas gratuitas às pessoas mais afetadas economicamente pelo coronavírus. Ambev, O Boticário, IFood, Microsoft, Google, Louis Vuitton, entre outras, estão compartilhando suas ações. É interessante observar de que forma as grandes empresas vão se comportar nesse momento, especialmente aquelas que registram lucros recorde, como os bancos.
- Acesso gratuito a notícias e checagem de informações: além de veículos de imprensa dispensarem os cadastros de assinantes (paywall) para liberar gratuitamente notícias sobre o COVID-19, o jornalismo tem sido mais importante do que nunca para garantir a checagem de informações que rapidamente se espalham em redes sociais e grupos de Whatsapp. Esse é um serviço valioso que, apesar de hoje ter acesso gratuito, vale a pena apoiar financeiramente. Agências independentes de fact check: Agência Lupa, Aos Fatos, Projeto Comprova, Agência Pública. Outros projetos de jornalismo independente: Nexo, Matinal News, Meio, Vós Social, The Intercept Brasil.
- Arrecadações para ajudar quem precisa: a plataforma Atados já tem uma lista de ONGs para quem podemos doar e ajudar pessoas em situação de vulnerabilidade social. O Vakinha também já reuniu nesse link campanhas de crowdfunding destinadas a hospitais, fundos de arrecadação, cidades e pessoas afetadas pelo coronavírus.
- Conteúdo colaborativo: além da planilha de cursos e iniciativas gratuitas que mencionei antes, outros conteúdos vêm surgindo na intenção de reunir ações colaborativas, como essa planilha com mapeamento de fundos e iniciativas. Eles são abertos a comentários e edição, o que significa que todos nós podemos incluir novos itens.
Certamente já existem outras iniciativas que não incluímos, e há mais por vir. Já estou incluindo atualizações aqui desde a publicação. Se souberem de outras informações, compartilhem aqui nos comentários, ou pelas redes sociais (Twitter, Instagram, LinkedIn e Facebook). Esse movimento colaborativo precisa (& pode & deve & merece) crescer.
Links úteis:
Mapa de fundos, arrecadações e iniciativas periféricas
Ferramentas e serviços gratuitos
Planilha colaborativa com links legais para aproveitar a quarentena
Mapa em tempo real atualiza número de casos de COVID-19