Você conhece as tendências de Voluntariado e Investimento Social Privado?

Clave de Fá
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7 min readApr 1, 2016

Por Thamires Lima e Elizete Ignácio

No final de março, foi realizado a Semana de Investimento Social Privado. Organizado pela GIFE, a semana reuniu diversas associações, institutos e representantes do terceiro setor e da área de responsabilidade social de empresas do setor privado. A equipe da Clave de Fá esteve presente em dois eventos que abordaram as tendências dessa área e os desafios no contexto brasileiro.

Por que o Brasil é considerado um país solidário, mas com pouca cultura de voluntariado? Antes de abordar as tendências e desafios do investimento social, é interessante trazer alguns resultados da pesquisa World Giving Index 2015 [1]. O World Giving Index da Charities Aid Foundation (CAF) é um estudo anual [2] sobre o comportamento global de caridade baseado em pesquisas realizadas em mais de 140 países. O estudo analisa três indicadores de doação, a partir da porcentagem de pessoas num determinado país que:

- doaram para caridade
- dedicaram tempo de voluntariado e;
- ajudaram um desconhecido no último mês.

De acordo com a pesquisa, o Brasil caiu 15 posições no índice mundial de solidariedade, saindo da 90ª para a 105ª posição no ranking dos países mais solidários.

A queda no ranking sugere que cada vez menos brasileiros doam dinheiro ou tempo de voluntariado para causas sociais. Ainda assim, possuímos uma cultura de solidariedade, por exemplo, ajudando com um lanche ou um trocado quando meninos carentes nos pedem um salgado na fila de lanchonete, sendo gentis com deficientes físicos que tem dificuldade de se locomover na rua, acompanhando senhoras ajudando a carregar as sacolas de supermercado e até mesmo fazendo um mutirão de limpeza e mudança para ajudar nossos amigos.

Para aprofundar o entendimento deste cenário é fundamental entender os conceitos envolvidos. O Investimento Social Privado é uma das várias facetas da Responsabilidade Social. O Investimento Social Privado é o uso voluntário e planejado de recursos privados, de modo voluntário, em projetos de interesse público que visa geração de resultados. Contudo, não devemos confundir a noção de investimento social privado com a de doação/filantropia. Quando realizamos uma doação ou filantropia, o destino dos recursos doados são de livre e espontâneo uso daquele que os recebe. Já o investimento social privado segue a lógica de um projeto.

Cada vez que uma empresa define algum investimento social privado, ela apenas não está “dando dinheiro” para uma boa causa, mas avalia quais são os riscos da iniciativa, o fim específico, as formas de avaliação de resultados, o tipo de retorno desejado e o período que se pretende investir. Ou seja, as empresas pensam o investimento social privado como um projeto, criando um compromisso entre quem doa o recurso e quem os recebe.

Nessa lógica, o investimento social privado pode ser pensado de duas formas: realizado através da pessoa física (pessoas comuns), ou realizado através da pessoa jurídica (das empresas).

Para as pessoas físicas, uma das tendências de voluntariado e engajamento social para boas causas são as ações que acontecem através da internet, por meio do apoio e financiamento de pessoas físicas (usuários da internet como eu e você) a projetos com o qual o apoiador sente afinidade, como possibilidades para o engajamento social.

Plataformas de financiamento coletivo como Benfeitoria e Catarse são exemplos disso. No voluntariado, a mobilização através das redes sociais para ações sociais durante um final de semana, dia ou data específica, mostra-se como uma alternativa para aqueles que são interessados em determinadas causas, mas que não circulam ou participam ativamente de ONG´s e Instituições como igrejas e grupos que tem ações sistemáticas de voluntariado.

Dentro da semana do investimento social, o evento “Tendências em inovação social para empresas” [3] , realizado pela Atados, em parceria com a RioVoluntário, GIFE e o Programa de Voluntariado da ONU, os presentes discutiram as tendências no investimento social privado a partir das ações de boas causas, da postura colaborativa e do voluntariado realizado pelas empresas privadas.

Sem dúvida, o maior desafio que o contexto brasileiro apresenta para o investimento social privado é: compreender culturalmente como conectar as instituições, as empresas e a comunidade em ações de responsabilidade social e voluntariado para um impacto efetivo.

O debate levantou dois aspectos para lidar com esse desafio:

1.Entender a cultura das áreas de investimento social que as empresas vão atuar e entender a cultura que envolve a vida dos seus funcionários.

Para que essa conexão ocorra com impacto e resultados, ela deve, sobretudo, estar aliada a uma cultura organizacional das empresas que busque incentivar a colaboração, o trabalho em equipe, a valorização dos talentos e os interesses da equipe. Nesse sentido, antes de buscar fazer diferença na vida daqueles que vivem numa comunidade, é preciso que a empresa procure ter iniciativas interessantes dentro da comunidade empresarial a qual ela está inserida, tentando articular a boa causa ao negócio ou a área de atuação da empresa.

As ações inovadoras para engajamento de membros das empresas vêm surgindo para articular engajamento social e voluntariado. Isso pode ser exemplificado através de ações de consultoria gratuita, seminários, workshops para a comunidade do entorno e para a comunidade empresarial mais ampla. Um exemplo durante a palestra bem ilustrativo foi o seguinte: Se uma grande empresa, por exemplo, realiza uma ação dentro de uma comunidade, por que não mobilizar os funcionários da área contábil e desenvolver um atendimento para donos de negócios populares e ensiná-los a preencher uma planilha simples de orçamento financeiro, a fim de mensurar custos e lucros? Isso, sem dúvida, é uma forma da empresa disseminar seus conhecimentos e gerar impacto social.

Por outro lado, se os membros da equipe vêem nesses momentos de voluntariado e ações de solidariedade uma oportunidade para mobilizarem seus interesses e habilidades (teatro, dança, culinária, esportes,etc. ) porquê não deixá-los ter a oportunidade de praticar o voluntariado através dos hobbys que lhe dão prazer?

2. Desenvolver uma ação de caráter colaborativo, valorizando a rede de pessoas, e exercitando o processo colaborativo das ações de voluntariado a partir da co-criação entre as empresas e a comunidade onde irão atuar.

A co-criação entra como um elemento fundamental e que caracteriza as novas tendências do investimento social privado. A EntreNós é uma empresa que apoia ações de investimento social privado com base na co-criação, envolvendo todos os gestores das empresas financiadoras, proponentes e gestores dos projetos e os grupos beneficiários. Na Semana do Investimento Social Privado, a empresa apresentou sua metodologia de trabalho em um projeto com a Fundação Via Varejo no Alemão. Sua proposta para a Via Varejo foi decidir em conjunto com os empreenderes locais quais projetos deveriam ser apoiados.

Inicialmente foi realizado um diagnóstico para mapear empreendimentos (com ou sem fins lucrativos) com potencial transformador. Como a metodologia considerava tanto os interesses da empresa quanto dos 80 grupos mapeados, foram realizadas diversas oficinas e atividades colaborativas com os empreendedores e agentes locais para que eles próprios decidissem quais projetos deveriam receber os recursos.

No fim o grupo elegeu oito projetos, que partiram então para a primeira campanha de match funding do Brasil, a Todos Pelo Alemão: para cada real arrecadado, a Via Varejo se comprometeu a doar mais um real (ideia posteriormente seguida pela Natura). O interessante da campanha foi que a maior parte da doação veio dos moradores do próprio Alemão, mostrando a capacidade local de mobilização em torno de um projeto,

A mudança no perfil de uso dos recursos privados em projetos de potencial transformador vem ganhando força entre empresas brasileiras. A Vivo lançou na mesma semana o prêmio Vivo Transforma para apoiar projetos que têm a música como plataforma de transformação social. Parte do lançamento foi dedicado a mostrar o novo direcionamento da empresa em sua política de patrocínio, agora voltada para projetos menores e com potencial de intervenção social. Esta postura indica uma mudança ainda tímida, mas que deve crescer nos próximos anos: o afastamento das ações de responsabilidade social e de patrocínios sociais e culturais dos departamentos de marketing e o redirecionamento para fundações privadas, que atuam mais focadas no uso do recurso para apoiar projetos que não necessariamente resultam em ampliar a visibilidade das empresas.

As tendências estão aí e em breve as linhas de investimento privado em ações de interesse púbico serão diferentes. Estas tendências trazem novas oportunidades, que irão vai mudar o perfil de projetos apoiados e farão com que projetos que receberam recursos volumosos nos últimos anos deixem de recebê-lo (ouvimos de uma empresa que sua gestão não apoiam mais musicais “estilo Broadway” por não verem potencial inclusivo neles).

Os projetos que buscam recursos privados devem se alinhar a este novo perfil ou então adotar novos modelos de sustentabilidade financeira. As práticas colaborativas vão se tornar cada vez mais fundamentais e será preciso pensar em novos indicadores para avaliar os resultados e os impactos dos projetos -assunto do próximo artigo a ser publicado no Blog da Clave de Fá. Neste novo caminho o Brasil deve voltar a subir no WGI, bem como elaborar seus próprios modelos para pensar que o perfil solidário da sua população pode se transformar em engajamentos diversos nos projetos.

* Thamires Lima é analista de pesquisa da Clave de Fá Pesquisas e Projetos. Cientista social de formação pelo IFCS -UFRJ e mestranda em Antropologia Urbana pelo PPCIS-UERJ, já atuou em projetos relacionados a territorialidades, políticas públicas de investimento social, usos e apropriações do espaço urbano.

**Elizete Ignácio é antropóloga, fundadora e diretora executiva da Clave de Fá Pesquisas e Projetos. Já atuou em mais de 40 projetos de impacto social positivo, entre eles o desenho de metodologias de avaliação qualitativa e quantitativa de projetos de impacto positivo.

Notas:

[1] Para acessar o relatório: https://www.cafonline.org/about-us/publications/2015-publications/world-giving-index-2015

[2] Os resultados da pesquisa foram divulgados no Brasil pelo IDIS (Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social) representante institucional brasileiro da Aliança Global da Charities Aid Foundation (CAF).

[3] O debate foi realizado na sede do centro Rio+, no Rio de Janeiro.

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