O pior tipo de erro: o que funciona

Cléber Zavadniak
cleber.solutions
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4 min readSep 6, 2016

Hoje [20/09/2015] eu conversei um pouco com uma pessoa formada em Engenharia Elétrica com pós-graduação em administração, MBA em Project Management, curso de especialização em gerência de projetos, et cetera, et cetera. Um currículo acadêmico extenso — e assustador.

Assustador, eu digo, pois o que ele queria era contratar commodity programmers (e fico pensando como é que eu fui parar lá…). A empresa dele tinha projetos de software tocadas por programadores terceirizados da Índia e Bielorrússia. Mas o preço do dólar anda alto (quase 4 reais, atualmente [setembro de 2015]) e esse esquema ficou caro. Agora querem contratar um time no Brasil composto por 5 programadores e 1 designer para fazer vários projetos de exatamente 7 meses de duração cada.

Eles querem alguém com a experiência que eu tenho. Pagando bem menos do que eu valho. E por quê? Bem, lembra do currículo da figura? É óbvio que, na visão dele, programadores são itens descartáveis. Se um deles não “desempenha bem”, você troca por outro. Como, sei lá… lâmpadas.

Taí um bom título, né? “Programadores não são lâmpadas!”.

Ou “Programadores não somos lâmpadas!”, também.

Enfim…

Além disso, se ele visse que a coisa não estava indo de acordo com o planejado (digamos que, sei lá, o gráfico de Gantt dele não feche bonitinho), ficou claro que ele manda a equipe embora e volta para os indianos. Ótimo para se sentir valorizado, não?

A coisa curiosa é que esse método de simplesmente terceirizar programadores, de fato, funciona para muita gente. Você não precisa correr atrás de grandes talentos, mais. Você pode trocar de programadores quando bem entender e o andamento dos seus projetos será pouco alterado.

E isso é um problema, na verdade. “Programadores genéricos” pode ser um plano que até “faz as coisas acontecerem”, mas eu, que como, respiro e transpiro programação, não consigo ver isso como algo bom. E isso se deve à famosa divisão “80/20”.

Vide http://blog.red-bean.com/sussman/?p=79.

Depois vide http://blog.codinghorror.com/the-two-types-of-programmers/

E também pode ver http://www.paulgraham.com/avg.html, que apresenta um ponto de vista bem interessante e diferente sobre empresas que desenvolvem software.

De acordo com esta divisão, 80% dos programadores são do tipo que estudaram computação, provavelmente conseguiram seu diploma, entraram em uma empresa e desenvolvem maravilhosos softwares entre as 09:00 e as 18:00 do dia. Depois disso eles vão para suas casas e voltam a ser pessoas normais. Os 80% são os que acabam nunca lendo nenhum desses sites que eu citei acima. Ou nunca resolveram tocar algum projeto meio maluco apenas pelo prazer de aprender uma coisa nova, como uma linguagem alternativa que não lhes garantirá emprego em 99,9% das empresas do país ou uma arquitetura diferente do usual. Eles nunca sofreram o suficiente para ganhar aquele tipo de experiência que não se aprende na faculdade — e, muitas vezes, nem dentro de uma empresa.

Muitos desses 80% resolveram estudar computação porque os pais diziam que “análise de dados é a profissão do futuro” ou porque queriam ter um emprego garantido.

Os outros 20% tem paixão pelo que fazem. E se for possível ser pago por isso, ótimo!

O termo “commodity programmer” trata de algo parecido. Pelo que eu entendo, se todos vivessem eternamente e o mercado de trabalho continuasse igual, eventualmente todos os trabalhos cujos gerentes buscam por programadores commodity seriam preenchidos pelos representantes dos “80%”. O commodity é o substituível, genérico, não-singular.

Eu acredito que os 80% podem fazer bem o seu serviço, mas uma empresa que só tem “programadores 80%” nunca irá brilhar. Inovação? Capricho? Não, não. Eu conheço os 80%. Eu trabalho com eles diariamente. Eles não chegam nesse ponto. Não. O corpo do cliente está completamente em chamas, e o “programador dos 80%” corre (check no programa de gerenciamento de projetos), pega o extintor no prazo (check) e apaga a canela do cliente (porque é o que ele foi contratado para fazer: trabalhar com canelas e panturrilhas) com apenas 10% da carga do extintor (duplo check!) e aguarda, feliz, pelo próximo “projeto”.

Clap. Clap. Clap. Eu não queria ser esse cliente.

Se eu acredito que toda empresa deveria ter programadores excelentes? Seria bom, mas eu sei que é impossível (eles são apenas 20% da força de trabalho, afinal). Ademais, esses excelentes costumam ser meio excêntricos, difíceis de prever. Eles dificultam demais a vida do “gerente de projetos”. Os excelentes fazem com que o “Microsoft Project” pareça algo até meio besta de se usar. Eles entregam uma feature que deveria demorar duas semanas em duas horas. E outra que deveria durar dois dias em dois meses! Eles querem trabalhar usando bermuda. Eles querem horário flexível. Eles querem dois monitores! Não é fácil trabalhar com eles.

Mas, no mundo dos negócios, é assim que funciona: no final das contas, quem arrisca menos ganha menos.

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