As pandemias abalam a economia, as intervenções de saúde pública não: evidências da pandemia de gripe espanhola de 1918

Caio Netto
34 min readMar 28, 2020

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Sergio Correia, Stephan Luck e Emil Verner *

[Artigo Preliminar — Comentários são bem vindos]
Publicação original: 26 de março de 2020.

Disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3561560

Tradução: 28 de março de 2020
Correções e comentarios da tradução podem ser postados aqui no artigo ou enviados por email para caio.netto@unesp.br

∗ Correia: Federal Reserve Board, sergio.a.correia@frb.gov; Sorte: Federal Reserve Bank de Nova York, stephan.luck@ny.frb.org; Verner: Escola de Administração do MIT Sloan, everner@mit.edu.

Os autores agradecem a Natalie Bachas, Simon Jaeger, Atif Mian, Michala Riis-Vestergaard, Paul Schempp e Dorte Verner pelos valiosos comentários e Hayley Mink pela ajuda na pesquisa de artigos históricos de jornais. As opiniões expressas neste documento não refletem necessariamente as do Banco da Reserva Federal de Nova York ou do Sistema de Reserva Federal dos Estados Unidos.

Este trabalho de pesquisa (e sua tradução) não foram revisados por pares.

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Nota do tradutor:

O presente texto foi traduzido em um movimento de urgência contra um crescente discurso da área econômica onde se afirma que a quarentena (e outras interferencias não farmacêuticas) apresentam resultados depreciativos à economia.

Devido a essa mesma urgência o texto foi traduzido sem a revisão de termos específicos por parte dos autores, por isso os mesmos são colocados entre parênteses logo após sua tradução em itálico.

Essa tradução visa uma divulgação científica focada no público geral interessado no assunto abordado (quarentena e crise econômica) e na metodologia de pesquisa estatística desenvolvida e aplicada para esse artigo. Logo a tradução no campo acadêmico continua aberta àqueles que desejarem dar uma continuidade após a revisão oficial do artigo original.

Vale ressaltar que este artigo não possui um foco histórico dos processos materiais e relações sociais que aumentaram ou diminuiram a economia mas sim um foco estatístico na relação cidades com aplicação de INFs e cidades sem a aplicação com seu resultado economico nos anos seguintes ao surto de gripe espanhola de 1918.

Os gráficos e anexos serão traduzidos em outro momento. Neste artigo só constam os gráficos textuais ainda não traduzidos, os anexos não serão colocados aqui porém podem ser acessados no artigo original em inglês por aqueles que desejarem se aprofundar na pesquisa e suas variantes.

Para melhor entendimento a expressão “economic shock” foi traduzida ora por abalo econômico e ora por impacto econômico, o primeiro uso da tradução faz mais referencia a uma especulação e mudança de comportamentos sociais do que uma alteração econômica direta; enquanto o segundo uso uso faz referência a mudanças objetivas reais na economia e nos registros econômicos em escala municipal ou estadual.

Vale ressaltar que, diferente do Brasil, os EUA não possuem serviço de saúde pública e que essas intervenções não famraceuticas podem ter leves variações entre o Brasil e os EUA.

Caio Netto.

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Resumo

Quais são as consequências econômicas de uma pandemia viral? E, dada a pandemia, quais são os custos e benefícios econômicos das intervenções não farmacêuticas (INF)? Usando a variação geográfica da mortalidade durante a Pandemia de Gripe Espanhola de 1918 nos EUA, descobrimos que áreas mais expostas experimentam um declínio acentuado e persistente na atividade econômica. As estimativas sugerem que a pandemia reduziu a produção industrial em 18%. O declínio é causado tanto pelo lado da oferta e quanto da demanda. Além disso, com base nas descobertas da literatura epidemiológica que estabelecem que as INFs diminuem a mortalidade das pandemias virais, usamos variação no tempo e na intensidade das INFs nas cidades dos EUA para estudar seus efeitos econômicos. Descobrimos que as cidades que intervieram mais cedo e de forma mais agressiva não apresentam desempenho pior e ainda por cima, crescem mais rapidamente depois que a pandemia termina. Nossos resultados indicam, assim, que as INFs não apenas reduzem a mortalidade; eles também mitigam as conseqüências econômicas adversas de uma pandemia.

1. Introdução

O surto da pandemia de COVID-19 provocou perguntas urgentes sobre o impacto das pandemias e as respostas de saúde pública associadas à economia real. Os influenciadores políticos estão em território desconhecido, com poucas orientações sobre quais serão as conseqüências econômicas esperadas e como a crise deve ser gerenciada. Neste artigo, abordamos dois conjuntos de perguntas. Primeiro, quais são os reais efeitos econômicos de uma pandemia? Os efeitos econômicos são temporários ou persistentes? Segundo, como a resposta da saúde pública local afeta a gravidade econômica da pandemia? As intervenções não farmacêuticas (INF), como o distanciamento social, têm custos econômicos ou as políticas que retardam a propagação da pandemia também reduzem sua severidade econômica?

Para responder a essas perguntas, estudamos os efeitos econômicos da maior pandemia viral na história dos EUA, a Gripe Espanhola de 1918. Para nossa análise, exploramos as variações espaciais tanto na gravidade da pandemia quanto na velocidade e duração dos INFs implementadas para combater a transmissão de doenças. As INFs implementadas em 1918 se assemelham a muitas das políticas usadas para reduzir a disseminação do COVID-19, incluindo fechamentos de escolas, teatros e igrejas, proibições de reuniões públicas e funerais, quarentena de casos suspeitos e horário comercial restrito.

Nossa análise gera duas idéias principais. Primeiro, descobrimos que as áreas mais severamente afetadas pela pandemia de gripe de 1918 viram um declínio acentuado e persistente na atividade econômica real. Segundo, descobrimos que as INFs iniciais e vastas não têm efeito adverso nos resultados econômicos locais. Pelo contrário, as cidades que intervieram mais cedo e mais agressivamente experimentam um aumento relativo da atividade econômica real após a pandemia. No total, nossas descobertas sugerem que as pandemias podem ter custos econômicos substanciais e as INFs podem ter méritos econômicos, além de reduzir a mortalidade.

Nossas duas principais conclusões estão resumidas na Figura 1, que mostra a correlação por cidade entre a mortalidade pela gripe de 1918 e o crescimento do emprego na indústria nos anos censitários de 1914 a 1919. Como a figura revela, uma maior mortalidade durante a gripe de 1918 está associada a um menor crescimento econômico. A figura divide ainda as cidades naquelas com os INFs em vigor por um período mais longo (pontos verdes) e mais curto (pontos vermelhos). As cidades que implementaram INFs por mais tempo tendem a se agrupar na região superior esquerda (baixa mortalidade, alto crescimento), enquanto as cidades com INFs mais curtos estão agrupadas na região inferior direita (alta mortalidade, baixo crescimento). Isso sugere que os INP desempenham um papel na atenuação da mortalidade, mas sem reduzir a atividade econômica. As cidades com INFs mais longos crescem mais rápido no médio prazo.

Figura 1: A pandemia de gripe de 1918 abalou a economia, mas as intervenções de saúde pública não. Os pontos representam a mortalidade por influenza no nível da cidade em 1918 e o crescimento do emprego industrial por volta da Pandemia de gripe espanhola em 1918. Pontos verdes (e vermelhos) são cidades com dias de intervenção não farmacêutica acima (e abaixo) da queda média de 1918.

Com relação aos efeitos econômicos da pandemia, descobrimos que as áreas mais severamente afetadas sofrem um declínio relativo no emprego industrial, produção industrial, ativos bancários e bens de consumo duráveis. Nossas estimativas sugerem que a pandemia de gripe espanhola de 1918 levou a uma redução de 18% na produção esperada do estado, para o nível médio das áreas expostas a pandemia. Essas areas também veem um aumento nas baixas bancárias, refletindo um aumento de inadimplências nos negócios e nos ambientes domésticos. Esses padrões são consistentes com a noção de que pandemias abalam a atividade econômica por meio de reduções na oferta e na demanda (ver, por exemplo, Eichenbaum et al., 2020). É importante ressaltar que os declínios em todos os resultados são persistentes e as áreas mais afetadas permanecem abaladas em relação às áreas com mais INFs de 1919 a 1923. [1]

A principal preocupação com nossa abordagem empírica é que as áreas com maior exposição à pandemia de gripe de 1918 podem simultaneamente estar mais vulneráveis a outros choques econômicos. No entanto, embora tenha sido mais severo no leste dos EUA, estudos anteriores argumentam que a propagação geográfica da pandemia foi algo arbitrária (Brainerd e Siegler, 2003). Consistentemente, descobrimos que as áreas severamente e moderadamente afetadas têm níveis similares de população, emprego e renda per capita antes de 1918. Também descobrimos que os resultados são robustos para entender a variação dos impactos ao longo do tempo que também interagem com uma variedade de fatores econômicos locais característicos, incluindo a composição do emprego setorial estadual (state sectoral employment). Os efeitos também são semelhantes ao explorar a variação da cidade e do estado na exposição à contaminação. Além disso, os resultados são semelhantes ao usar a mortalidade por influenza em 1917 como um instrumento para a mortalidade em 1918. Este exercício utiliza variação da gripe de 1918, impulsionada pela predisposição local a surtos de influenza devido a fatores climáticos, imunológicos e socioeconômicos, que em anos comuns não causariam perturbações econômicas. Consistente com essa evidência empírica, a grande perturbação econômica causada pela pandemia também é evidente nos relatos narrativos de jornais contemporâneos. [2]

Nosso segundo conjunto de resultados se concentra no impacto econômico local das INFs públicas. Em teoria, os efeitos econômicos das INFs podem ser positivos ou negativos. Em condições normais, as INFs restringem as interações sociais e, portanto, a atividade econômica que se baseia nessas interações. No entanto, em uma pandemia, a atividade econômica também é reduzida na ausência de tais medidas, pois as famílias reduzem o consumo e a oferta de mão-de-obra para diminuir a chance de serem infectados. Assim, enquanto as INF diminuem a atividade econômica, elas podem resolver problemas de coordenação (manejo, controle, gerência, logística, administração) social ao combate à transmissão de doenças e apaziguar a ruptura econômica relacionada à pandemia.

Comparando as cidades a partir da velocidade e intensidade das INFs, descobrimos que as INFs antecipadas e fortes não agravam a crise econômica. Pelo contrário, as cidades que intervieram mais cedo e de forma mais agressiva experimentaram um aumento relativo no emprego industrial, produção industrial e ativos bancários em 1919, após o fim da pandemia. Os efeitos são economicamente consideráveis (positivos). A reação 10 dias antes da chegada da pandemia em uma determinada cidade aumenta o emprego na indústria em cerca de 5% no período posterior. Da mesma forma, a implementação de INFs por mais 50 dias aumenta o emprego na fabricação em 6,5% após a pandemia.

Nossas descobertas estão sujeitas à preocupação de que as respostas políticas sejam endógenas e possam ser motivadas por fatores relacionados a resultados econômicos futuros, como a exposição inicial das cidades à mortalidade relacionada à gripe, bem como diferenças na qualidade das instituições locais e cuidados de saúde. Essa preocupação é um tanto atenuada pela percepção da literatura epidemiológica de que cidades afetadas em datas posteriores pareciam ter implementado INFs mais cedo em seu surto, pois puderam aprender com as experiências anteriores de outras cidades (Hatchett et al., 2007 ) Assim, à medida que a gripe se deslocava de leste para oeste, as cidades localizadas mais a oeste foram muito mais rápidas na implementação de INFs. Importante, também mostramos que nossos resultados são robustos para controlar a variação no tempo entre os choques e que estes estão correlacionados com características que diferem entre cidades ocidentais e orientais, como por exemplo, os impactos no contexto agrícolas.

Devido à falta de dados mais específicos, não podemos identificar exatamente a dinâmica e o mecanismo pelos quais as INFs mitigam as conseqüências econômicas adversas da pandemia. No entanto, os padrões que identificamos nos dados sugerem que as INFs agressivas e oportunas podem limitar os efeitos econômicos mais perturbadores de uma pandemia de influenza. A literatura epidemiológica constata que intervenções precoces de saúde pública reduzem as taxas de mortalidade de pico — achatando a curva — e as taxas de mortalidade cumulativa (Markel et al., 2007; Bootsma e Ferguson, 2007). Como a pandemia é altamente perturbadora para a economia local, esses esforços podem mitigar as interrupções abruptas da atividade econômica. Como resultado, a rápida implementação das INFs também pode contribuir para “achatar a curva econômica”, além de intervenções de políticas econômicas mais tradicionais (Gourinchas, 2020).

Evidências anedóticas sugerem que nossos resultados têm paralelos no surto de COVID-19. Os países que implementaram as primeiras INFs, como Taiwan e Cingapura, não apenas limitaram o crescimento de infecções. Eles também parecem ter atenuado a pior perturbação econômica causada pela pandemia [3]. As INFs precoces e intensas bem administradas não devem, portanto, ser vistas como tendo grandes custos econômicos em uma pandemia.

O resto do artigo está estruturado da seguinte forma. A seção 2 discute os antecedentes históricos da pandemia de 1918 e a literatura relacionada. A seção 3 descreve nosso conjunto de dados. As seções 4 e 5 apresentam nossos resultados sobre os reais efeitos econômicos da pandemia e o impacto na economia das INFs, e a seção 6 oferece considerações finais.

2 Antecedentes Históricos e Literatura Relacionada

A pandemia de gripe de 1918 durou de janeiro de 1918 a dezembro de 1920 e se espalhou pelo mundo. Estima-se que cerca de 500 milhões de pessoas, ou um terço da população do mundo, foram infectadas pelo vírus. Estima-se que o número de mortes seja de pelo menos 50 milhões em todo o mundo, cerca de 550.000 a 675.000 apenas no território dos Estados Unidos. A pandemia matou, assim, cerca de 0,66% da população dos EUA. Uma característica distinta da pandemia de influenza de 1918–19 foi que ela resultou em altas taxas de mortalidade para adultos de 18 a 44 anos e adultos saudáveis. A Figura 2 mostra o forte aumento na mortalidade por influenza e pneumonia em 1918.

Figura 2: Taxa de mortalidade dos EUA por influenza e pneumonia, 1911–1920. Fonte: Estatisticas de Mortalidade do Centro de Controle de Doenças (Center for Desease Control Mortality Statistics)

A pandemia ocorreu em três ondas diferentes, começando com a primeira onda na primavera de 1918, uma segunda onda no outono de 1918 e uma terceira onda no inverno de 1918 e primavera de 1919. A pandemia atingiu o pico nos EUA durante a segunda onda no outono de 1918. Essa segunda onda altamente fatal foi responsável pela maioria das mortes atribuídas à pandemia nos EUA. A severidade da pandemia variou amplamente nas regiões dos EUA, mas pesquisas anteriores argumentam que a variação regional na propagação e mortalidade é um tanto arbitrária (Brainerd e Siegler, 2003)[4]. Nos Estados Unidos, o vírus foi identificado pela primeira vez em militares na primavera de 1918. Os movimentos de tropas em massa durante os estágios finais da Primeira Guerra Mundial contribuíram para a propagação da gripe nos EUA e assim como em todo o mundo.

A resposta às políticas de saúde pública se assemelham à resposta atual na pandemia do COVID-19 de várias maneiras. Eventualmente, todas as grandes cidades adotaram alguma forma de intervenção não farmacêutica em saúde pública (INF) para promover o distanciamento social, o isolamento de casos e a higiene pública. No entanto, houve uma variação substancial entre as cidades na velocidade e intensidade da aplicação dessas medidas, que examinamos na seção 5. A literatura epidemiológica sobre a gripe de 1918 constata que as INFs iniciais levaram a reduções significativas no pico de mortalidade e reduções moderadas, mas significativas de mortalidade cumulativa pela redução da abrangência da epidêmia (ver, por exemplo, Bootsma e Ferguson, 2007; Markel et al., 2007; Hatchett et al., 2007)).

Há evidências limitadas sobre os efeitos econômicos de curto prazo da Pandemia de Gripe de 1918 e as INFs resultantes nos EUA. Garrett (2008) fornece evidências narrativas de relatórios de jornais locais de que a pandemia causou graves perturbações nos negócios em muitos setores da economia. Garrett (2009) constata que as áreas geográficas com maior exposição à influenza tiveram um aumento relativo nos salários, consistentemente com a escassez de mão-de-obra. Um estudo recente de Barro et al. (2020) usam dados em escala nacional e descobriram que uma maior mortalidade na pandemia de gripe de 1918 reduziu o PIB real em 6–8% no país.

O Recente trabalho teórico de Eichenbaum et al. (2020) estende um modelo canônico de epidemiologia para estudar a interação entre decisões econômicas e a epidemia. Suas descobertas sugerem que a decisão das pessoas de reduzir o consumo e o trabalho como resposta ao aumento do risco de transmissão de doenças reduz a gravidade da epidemia, medida pelo total de mortes. Seu modelo também sugere que as políticas de contenção exigem menor atividade econômica para diminuir a mortalidade, enquanto nossos dados empíricos sugerem que as INFs rápidas podem realmente reduzir a mortalidade sem diminuir a produção econômica no médio prazo.

Vários estudos exploram as implicações a longo prazo da gripe de 1918. Brainerd e Siegler (2003) descobriram que os estados com maior mortalidade por influenza em 1918 experimentam um maior crescimento da renda per capita a longo prazo, de 1919 a 1929. Brainerd e Siegler (2003) argumentam que essa evidência é consistente com os modelos de crescimento nos quais: uma redução de mão de obra aumenta a o resultado da razão entre capital e trabalho e seu subsequente valorização dessa mão de obra. Em contraste, usando uma variação mais desagregada, Guimbeau et al. (2019) encontram efeitos negativos da gripe de 1918 na saúde e produtividade a longo prazo em São Paulo, Brasil [5]. Em vez disso, focamos no impacto dinâmico de curto e médio prazo da pandemia e da INF na atividade real local, mas nossos dados efeitos negativos persistentes da pandemia são consistentes com Guimbeau et al. (2019).

3 Dados

Nós construímos um conjunto de dados regionais da pandemia de 1918, com informações sobre mortalidade por influenza, atividade econômica, balanços bancários e intervenções de saúde pública não farmacêuticas, desde a contaminação até a erradicação. Usamos dados no nível estadual e municipal. A análise dos reais efeitos econômicos da pandemia na seção 4 se baseia principalmente em dados no nível estadual, pois temos mais resultados interessantes nessa dimensão. A análise dos efeitos das INF na seção 5 baseia-se em dados no nível municipal, pois as intervenções de saúde pública foram implementadas principalmente nas grandes cidades.

A mortalidade por influenza no nível estadual e municipal são provenientes tabelas de estatísticas de mortalidade do Centro de Controle de Doenças (CDC — Center for Disease Control). Estudos anteriores argumentam que as taxas de mortalidade são uma medida mais precisa da gravidade do surto do que os as taxas relacionadas apenas aos números de casos; portanto, usamos taxas de mortalidade por influenza e pneumonia (ver, por exemplo, Hatchett et al., 2007). A mortalidade por influenza em 1918 está presente em 30 estados e 66 cidades. O painel (a) da Figura 3 fornece um mapa da mortalidade de influenza em nível estadual em 1918.

Os parâmetros da atividade econômica real provém de uma variedade de fontes. Levantamos informações sobre as atividades de fabricação no nível estadual e municipal a partir do Resumo Estatístico divulgado pelo Departamento de Censo dos Estados Unidos (Census Bureau’s Statistical Abstract of the United States), com base em dados do Censo de Fabricação (Census of Manufactures). Os dados de fabricação sobre emprego e produção estão disponíveis para os anos de 1909 (apenas para estados), 1914, 1919, 1921 e 1923. Os dados bancários anuais em nível estadual são das Estatísticas Históricas de Mark D. Flood sobre Bancos nos EUA, com base nos Relatórios Anuais da Controladoria da moeda (Annual Reports of the Comptroller of the Currency) [6]. Os dados bancários na escala municipal são provenientes da mesma fonte. Também trouxemos informações sobre o estoque de veículos automotores registrados em um estado a partir de vários anos do Resumo Estatístico (Statistical Abstract).

Para as INFs no nível municipal, contamos com os dados de Markel et al. (2007), que coletam informações detalhadas sobre as INFs de 43 grandes cidades dos EUA, a partir de boletins do departamento de saúde municipal, jornais locais e relatórios sobre a pandemia. As medidas de INF consistem em fechamento de escolas, proibições de reuniões públicas e isolamento e quarentena. Markel et al. (2007) registram informações sobre (i) a velocidade da resposta da INF e (ii) o número de dias que as medidas da INF estavam em vigor. A velocidade da resposta da INF é medida a partir da quantidade de dias que se passam, entre o momento em que a mortalidade semanal excede duas vezes a taxa base de mortalidade por influenza e pneumonia desde a data em que uma medida da INF é ativada. As medidas da INF na escala municipal estão listadas na Tabela A1 do Apêndice. O painel (b) da Figura 3 fornece um mapa das 43 cidades usadas em nossa amostra.

Por fim, coletamos variáveis ​​usadas para controlar as diferenças da linha de base entre estados e cidades. O contingente de emprego na agricultura e manufatura do estado, a população do estado e da cidade e a parcela da população urbana são do censo de 1910. As estimativas de renda per capita do estado de 1910 são de Lindert (1978)[7]. Também usamos estimativas anuais da população em escala estadual do Departamento de Censo.

4 Efeitos econômicos da pandemia de gripe de 1918

4.1 Questões conceituais

Nesta seção, examinamos como o surto de influenza de 1918 afeta a atividade econômica local a curto e médio prazo. Isso levanta a questão: quais são os canais pelos quais o surto afeta a atividade econômica local? O surto de gripe provavelmente tem efeitos significativos no lado da oferta e da demanda da economia (Eichenbaum et al., 2020). Embora trazer a tona os mecanismos exatos seja desafiador, vários testes empíricos podem, no entanto, lançar luz sobre os canais relevantes [8].

Figura 3: Variação geográfica da mortalidade nos estados (painel (a)) e intensidade da INF nas cidades (painel (b)).

Do lado da oferta, um surto de gripe mais grave diminui a oferta de mão-de-obra através de medidas de auto-isolamento frente o aumento do risco de contrair o vírus durante o trabalho, implicando em restrições à mobilidade, doenças e aumento da mortalidade. Além disso, a pandemia também causa uma agitação geral da atividade econômica comum. Por exemplo, os esforços para limitar a mobilidade das multidões reduzem o número de funcionários que operam equipamentos em um estabelecimento de fabricação e implicam até no fechamento de alguns estabelecimentos comerciais. Os efeitos do lado da oferta devem refletir uma atividade reduzida em todos os setores econômicos locais, incluindo setores comercializáveis, como a manufatura [9].

O surto de gripe também pode diminuir a demanda por meio de uma variedade de vias. As medidas de distanciamento social reduzem a demanda por gastos em compras que exigem contato interpessoal. Os declínios correntes e já esperados da renda, devido a interrupções no lado da oferta, influenciarão negativamente na demanda. O aumento da incerteza sobre as perspectivas futuras de renda e emprego também diminui a demanda atual, especialmente para bens duráveis. Da mesma forma, o aumento da incerteza comercial sobre a demanda futura diminui o investimento comercial.

O sistema bancário desempenha um papel potencialmente importante no risco de declínio da demanda e da capacidade produtiva. Dado que a pandemia em si é temporária, deve-se esperar um aumento da demanda por liquidez (Holmström e Tirole, 1998). Um sistema bancário saudável pode fornecer essa liquidez, mitigando o risco de desvalorização na demanda e na produção. No entanto, se o impacto levar à inadimplências generalizadas, ele poderá enfatizar o sistema bancário e potencialmente levar a uma crise financeira. Nesse caso, as perdas bancárias podem atuar como um importante mecanismo de amplificação por meio de uma redução na disponibilidade de crédito.

4.2 Especificação empírica

Estimamos o impacto dinâmico da exposição local à pandemia de gripe de 1918 usando a seguinte especificação:

Yst = αs + τt + ∑ βj Mortalidades,1918 1j=t + ∑ Xsγj1j=t + εst (1)j̸=1918 j̸=1918

onde Yst é um resultado, como a fabricação de empregos em uma área local s no ano. Estimamos (1) a dimensão estadual e municipal para maximizar o tamanho da amostra e a variação regional. As estimativas na dimensão estadual são relatadas abaixo e as estimativas na dimensão municipal estão no apêndice. Agrupamos erros padrões na dimensão estadual ou municipal dependendo da unidade de observação. A sequência dos coeficientes βj captura a dinâmica de áreas severamente afetadas, como Pensilvânia / Filadélfia, em relação a áreas levemente afetadas, como Minnesota / Minneapolis.

Nossa medida inicial da exposição local à pandemia de 1918 é a taxa de mortalidade local em 1918, Mortalidades,1918. A suposição identificadora por trás da estimativa de (1) é que Mortalidades,1918, não está correlacionada com outros choques econômicos regionais variáveis ​​no tempo. Embora exista uma variação geográfica significativa na gravidade da pandemia, estudos argumentam que a disseminação do vírus foi um tanto arbitrária e que a variação regional da mortalidade foi amplamente ortogonal ex-ante às condições econômicas (Brainerd e Siegler, 2003). Os estados e as cidades do leste foram mais severamente afetados, pois a gripe chegou da Europa e viajou de leste a oeste.

A Tabela A3 mostra que as taxas de alta e baixa mortalidade em 1918 são amplamente semelhantes em termos de população, emprego e produção pré-pandêmicos, na produção e renda per capita pré-pandêmica. Os estados de alta mortalidade, no entanto, têm uma fração menor de trabalhadores empregados no setor agrícola, uma maior participação na manufatura e uma maior participação urbana. As áreas urbanas com maior atividade fabril foram mais expostas à gripe devido à maior densidade.

Além da potencial simultaneidade entre a mortalidade por influenza em 1918 e as condições econômicas a partir de 1918, não é óbvio que a mortalidade de 1918 estaria correlacionada com outros impactos na economia. No entanto, o período 1918–1921 testemunhou uma variedade de abalos macroeconômicos, principalmente o fim da Primeira Guerra Mundial, um grande ciclo agrícola de expansão e quebra e; uma grave recessão em 1920–21. Para explicar a potencial exposição diferencial a esses abalos, estabelecemos o controle da parcela de emprego na agricultura, da parcela do emprego na fabricação, da parcela da população urbana, da população em si e a renda per capita, representada por Xs em (1). Todos os controles são estabelecidos em valores de antes da pandemia de 1918 e sempre interagem com efeitos de tempo fixo para controlar abalos que variam no tempo e que estão correlacionados com as diferenças da linha de base entre as regiões.

Como estratégia de identificação suplementar, também estabelecemos Mortalidades,1918, ex ante exposição à influenza. Um forte antecedente de mortalidade por influenza em 1918 é a mortalidade por influenza nos anos anteriores. A Figura 4 mostra uma forte relação linear entre mortalidade em 1917 e 1918 entre estados e cidades. Isso sugere que certas áreas são mais suscetíveis a surtos de influenza devido a uma combinação de fatores climáticos, socioeconômicos e imunológicos. Para direcionar qualquer simultaneidade direta entre a mortalidade em 1918 e as condições econômicas a partir de 1918 em diante, também usamos a mortalidade em 1917 como um instrumento/base para a Mortalidades,1918. Essa abordagem é semelhante em teoria a Palmer (2015), que explora a ciclicidade antecedente nos preços regionais das casas como um instrumento para analisar a volatilidade dos preços no boom e na quebra da habitação nos anos 2000.

4.3 Resultados

4.3.1 Atividade de fabricação

A Figura 5 apresenta os resultados da estimativa de (1) para uma variedade de resultados na dimensão estadual [10]. Os painéis (a) — ( c) mostram que a alta exposição à Mortalidades1918 leva a um declínio significativo na produção de emprego e manufatura de 1914 a 1919 a partir da análise do censo desses anos. O registro de emprego e a relação emprego / população diminuem, indicando que a queda no emprego não é apenas uma conseqüência direta das mortes causadas pela pandemia. Em vez disso, a pandemia parece causar uma interrupção mais ampla da atividade de fabricação. Notavelmente, os declínios no emprego e na produção em estados de alta exposição à pandemia são persistentes e há evidências limitadas de reversão, mesmo em 1923, 3 anos após o fim do surto. Embora não possamos avaliar as pré-tendências entre 1914 e 1919, a Figura 5 (a) — ( c)mostra que estados com alta e baixa Mortalidades1918 tiveram um crescimento similar da atividade manufatureira de 1909 a 1914, o que apóia a suposição de tendências paralelas.

Figura 4: A mortalidade por influenza em 1917 prenuncia a mortalidade de 1918.
Figura 5: Efeitos econômicos da pandemia de gripe de 1918 — evidência na dimensão estadual. Resultados da estimativa da equação (1). Faixas de confiança de 95%.

A Tabela 1 apresenta a versão de regressão da Figura 5. Recolhemos a variável tempo para anos até 1918 e anos após 1918, capturados por Postt. As colunas 1–3 mostram que o efeito negativo de maior exposição à influenza na atividade de fabricação é estatisticamente significativo nas especificações tanto sem estabelecimento de controles (painel A), quanto com o estabelecimento de controles (painel B) e, ao instrumentar-basear a Mortalidades,1918 a partir da mortalidade de 1917 (painel C).

Em termos de magnitudes, as estimativas no Painel A implicam que um aumento de um desvio padrão em Mortalidades,1918 (147,7 por 100.000) leva a um declínio de 8% no emprego industrial, uma queda de 0,5 ponto percentual na proporção emprego / população, e uma queda de 6% na produção. O aumento da mortalidade em relação à pandemia de 1918 em relação aos níveis de mortalidade em 1917 (416 por 100.000) implica uma queda de 23% no emprego industrial, redução de 1,5 ponto percentual no emprego industrial para a população e uma queda de 18% na produção. Como a manufatura deve ser relativamente insensível às mudanças na demanda local (Mian et al., 2020), a redução significativa na atividade manufatureira local indica que a exposição à influenza deprime o lado da oferta da economia.

4.3.2 Ativos e perdas bancárias

A Figura 5 do painel (d) mostra o impacto da exposição estadual à influenza no total de ativos bancários de todos os bancos de um estado, e a Tabela 1 da coluna 4 relata a estimativa de regressão correspondente. A medida anual de ativos bancários indica que estes evoluíram paralelamente em estados com alta e baixa Mortalidades,1918 antes de 1918, consistente com tendências paralelas. Após o surto de gripe no outono de 1918, a alta Mortalidades,1918 testemunhou um declínio gradual nos ativos bancários em 1919 e 1920. Semelhante à evidência sobre a atividade manufatureira, a redução nos ativos bancários é incessante. Em termos de magnitudes, um aumento de um desvio padrão em Mortalidades,1918, está associado a uma redução de 4% nos ativos bancários.

Por que os ativos bancários diminuem mais nas áreas de alta Mortalidades,1918? O declínio nos ativos bancários pode simplesmente refletir uma redução na demanda de crédito devido à queda da atividade real. No entanto, os ativos bancários também podem cair devido a uma redução na oferta de crédito. Se os bancos sofrerem perdas e a captação de novos ativos for cara, os bancos precisarão ajustar seus balanços patrimoniais (contract their balance sheets) para manter índices de capital suficientes. A Figura 5 do painel (e) mostra que os bancos nacionais realmente viram um aumento nas perdas debitadas em relação aos ativos em 1920–21, indicando um aumento nos empréstimos vencidos em 1919–20.

4.3.3 Gastos duráveis

A Figura 5 do painel (f) apresenta as estimativas da equação (1) com o logaritmo do número de veículos a motor registrados em um estado como uma variável dependente. Essa medida procura representar o estoque de bens de consumo duráveis ​​pertencentes a famílias locais, e as alterações nessa medida fornecem uma representação para gastos duráveis. O painel (f) mostra que as altas taxas de Mortalidades,1918, declaram um declínio gradual no estoque de veículos registrados, em relação às baixas taxas de Mortalidades,1918. O declínio no estoque sugere uma queda nos gastos com veículos automotores em 1919 e 1920 nos estados mais afetados, indicando que a pandemia diminuiu a demanda local por bens duráveis.

5 Efeitos econômicos de intervenções públicas não farmacêuticas

A seção anterior estabeleceu que a pandemia de gripe de 1918 tem graves efeitos adversos na economia real. Em seguida, estudaremos os efeitos econômicos das INF que pretendem retardar o aumento de infecções e diminuir a mortalidade. Em teoria, os efeitos líquidos das INFs na atividade econômica podem ser positivos ou negativos. Por um lado, as INFs restringem as interações sociais enquanto estão aplicadas ao local e, portanto, necessariamente diminuem qualquer tipo de atividade econômica que dependa dessas interações. Por outro lado, como a própria pandemia tem graves conseqüências econômicas, ao reduzir a gravidade da pandemia, as INFs podem mitigar as mais graves perturbações econômicas. Embora uma interrupção da atividade econômica seja inevitável em qualquer situação, essa interrupção pode ser menos vivida e ser menos extensa com as INFs em vigor (que ocasionalmente solucionam problemas de coordenação (manejo, controle, gerência, logística, administração) social).

Assim como em nossa análise da seção anterior sobre os efeitos reais, a natureza dos dados históricos não nos permite identificar as vias exatas pelos quais as INFs afetam os resultados econômicos reais. No entanto, nossos dados nos permitem falar sobre a questão empírica na qual as INFs são mais caras economicamente em rede e se há uma troca óbvia entre mortalidade e resultados econômicos.

Tabela 1: Impacto na atividade econômica estadual durante a Pandemia da Gripe Espanhola de 1918

Nota: essa tabela apresenta resultados da estimativa de regressão que segue a seguinte fórmula — — — — — — — — — — — — — — — — Yst = αs+β×Mortalidades,1918×Postt+δ×Postt+γ×Xs×Postt+εst, — — — — — — — — — onde Mortalidades,1918 é a mortalidade estadual por influenza e pneumonia em 1918, Postt é uma variável fictícia que assume o valor de um após 1918. Os controles em Xs são a parcela do emprego agrícola de 1910, a parcela do emprego industrial de 1910, a parcela da população urbana de 1910, a parcela da população urbana de 1910, a renda per capita de 1910 e registre a população de 1910. Os resultados do Censo de Manufatura (colunas 1–3) estão disponíveis em 1914, 1919, 1921 e 1923. Os saídas restantes são anuais de 1916 a 1922.

onde Mortalidades,1918 é a mortalidade estadual por influenza e pneumonia em 1918, Postt é uma variável fictícia que assume o valor de um após 1918. Os controles em Xs são a parcela do emprego agrícola de 1910, a parcela do emprego industrial de 1910, a parcela da população urbana de 1910, a parcela da população urbana de 1910, a renda per capita de 1910 e registre a população de 1910. Os resultados do Censo de Manufatura (colunas 1–3) estão disponíveis em 1914, 1919, 1921 e 1923. Os saídas restantes são anuais de 1916 a 1922.

5.1 Indentificação

Para identificar o efeito das INFs, exploramos a variação na velocidade e intensidade na implementação das INFs nas principais cidades dos EUA. A maioria das cidades aplicou uma grande variedade de INFs no outono de 1918 durante a segunda e mais mortal onda da pandemia de gripe de 1918. As medidas aplicadas incluem medidas de distanciamento social, como o fechamento de escolas, teatros e igrejas, o banimento de reuniões de massa, mas também outras medidas, como uso obrigatório de máscara, isolamento de casos, levantar a gripe como uma doença preocupante e medidas públicas de desinfecção / higiene .

A literatura epidemiológica estudou profundamente as INFs e seus efeitos sobre a mortalidade local. No total, as evidências sugerem que a implementação das INFs foi associada à transmissão reduzida da doença (ver, por exemplo, Bootsma e Ferguson, 2007; Hatchett et al., 2007; Markel et al., 2007). Em particular, intervenções precoces — medidas tomadas logo após a chegada da gripe em um local — alcançaram reduções na mortalidade geral. Reduções ainda maiores no pico de mortalidade foram alcançadas estendendo a epidemia por mais tempo — isto é, achatando a curva — e intervindo de forma mais intensa, medida pelo número de ações realizadas e pelos dias em que elas estavam em vigor. Em um estudo de caso ilustrativo, Hatchett et al. (2007) estudam as diferenças de INFs e taxas de mortalidade entre Filadélfia e St. Louis. As autoridades da cidade na Filadélfia intervieram apenas muito tarde e até permitiram a realização de grandes reuniões públicas, como um desfile do Liberty Loan, amplamente frequentado. Como conseqüência, a Filadélfia viu um aumento considerável na mortalidade relacionada à gripe durante o outono de 1918. As autoridades da cidade de St. Louis, por outro lado, intervieram rapidamente, e a taxa final de mortalidade foi substancialmente mais baixa.

Para nossa análise, utilizamos medidas sobre a velocidade e intensidade das INFs construídas por Markel et al. (2007), que coletam dados de INFs para 43 cidades. Em particular, seguindo sua abordagem, medimos as INFs de duas maneiras. Primeiro, medimos a rapidez com que uma INF foi implementada pelo número de dias entre o momento em que a taxa de mortalidade da cidade excedeu o dobro da taxa base de mortalidade e o primeiro dia em que as autoridades da cidade aplicaram uma INF local. Multiplicamos a contagem de dias por menos um, para que valores mais altos correspondam a uma resposta mais rápida e denotamos essa medida pela VelocidadeINFc1918.[11] Segundo, medimos a agressividade dos INFs pelo número total de dias em que os INFs estavam em vigor no outono de 1918, denotados pela INF DiasINFc18.

Uma das principais preocupações de nossa abordagem empírica é que a resposta política pode ser endógena. Por exemplo, as autoridades locais podem estar mais inclinadas a intervir se a exposição local à gripe for maior, o que, por sua vez, pode estar correlacionado com outros fatores, como características sociodemográficas ou geográficas (Bootsma e Ferguson, 2007). Além disso, uma outra possibilidade é que as intervenções reflitam a qualidade das instituições locais, incluindo o sistema de saúde local. Locais com melhores instituições podem ter custos mais baixos de intervenção, bem como maiores perspectivas de crescimento.

Há, no entanto, detalhes importantes que sugerem que a variação entre cidades não está relacionada aos fundamentos econômicos e, em vez disso, é amplamente elucidada pela localização da cidade. Primeiro, as medidas locais não foram conduzidas por uma resposta federal, pois não existiam protocolos para serem aplicados frente uma pandemia.[12] Segundo, conforme discutido na Seção 2, a segunda onda da pandemia de gripe de 1918 varreu o país de leste a oeste, afetando cidades e estados da região oriental do país mais cedo e mais severamente. Dado o momento da onda de influenza, as cidades afetadas mais tarde pareciam ter implementado as INFs mais cedo, pois puderam aprender com as cidades afetadas nos estágios iniciais da pandemia (Hatchett et al., 2007). Conseqüentemente, a distância da costa leste parece ser melhor para explicar a variação das INFs entre as cidades (ver também Figura 3). A principal preocupação dessa pesquisa advém se a diferença da aplicação mais ou menos intensa da INFs nas diferentes áreas pesquisadas são conduzidas pelo diferente posicionamento das cidades mais a Oeste ao final da Primeira Guerra Mundial, por exemplo, pelo fato de estarem mais expostos a ascensão e queda da agricultura (agricultural Boom and Bust) (Rajan e Ramcharan, 2015) .[13]

A Tabela A5 mostra as diferenças entre as cidades que foram rápidas na implementação de INFs e têm INF acima da mediana Velocidadec1918 e aquelas que reagiram lentamente e têm VelocidadeINFc1918 abaixo da mediana. As cidades acima da mediana, em geral, implementaram a primeira INF cerca de 2 dias após a taxa de mortalidade ser o dobro do seu nível base. Por outro lado, cidades abaixo da mediana só reagiram em média após 13 dias. Da mesma forma, as cidades acima da mediana tiveram, em média, INFs em vigor por 121 dias, enquanto as cidades abaixo da mediana mantiveram os INFs por 57 dias.

A tabela revela ainda que as cidades que reagiram mais rapidamente estão de fato localizadas mais a oeste, relacionadas com uma longitude mais baixa. Quanto mais a oeste, mais essas cidades apresentam uma mortalidade baixa em 1917 e em 1918 e; estão localizadas em estados cuja indústria tende a ser mais orientada para a agricultura do que para a manufatura. Em nossas regressões, controlamos a importância da agricultura na cidade de cada estado. De maneira tranquilizadora não foram observadas outras diferenças na relação da longitude com a variação da estrutura da indústria local, não há diferenças notáveis entre as cidades com diferentes INFs. As cidades acima da mediana e abaixo da mediana de VelocidadeINFc1918 são, em média, semelhantes em termos de população, tamanho do setor bancário e emprego na indústria.

5.2 Especificação empírica

Para estudar formalmente o impacto das INFs em torno da pandemia de gripe de 1918 e controlar rigorosamente outras características observáveis ​​locais, estimamos uma equação dinâmica de diferença-diferença da forma (difference-in-difference, DiD)

Yct =αc+τt+ ∑ βjINFc,19181j=t+ ∑ Xsγj1j=t+εct, (2)j̸=1918 j̸=1918

onde Yct é um resultado de saída (outcome) municipal, como o registro dos ativos bancários nacionais, a fabricação de empregos ou a produção. INFc1918 é a velocidade ou a intensidade da INF, VelocidadeINFc18 e DiasINFc18. O conjunto de coeficientes βj captura a dinâmica relativa das cidades com INFs mais intensas, como St. Louis, em comparação com as cidades com INFs mais fracas, como a Filadélfia.

Como na seção 4, as variáveis ​​de controle são acionadas com os controles (dummies) de tempo para permitir mudanças na relação entre as variáveis ​​de resultado e os controles. Novamente, controlamos a parcela do emprego agrícola de 1910, a parcela da população urbana de 1910 e a renda per capita de 1910 no nível estadual. Além disso, no nível da cidade, controlamos o log da população de 1910 e a relação entre emprego industrial e população de 1914. Entretanto, diferentemente de nossa análise sobre o efeito da gripe de 1918 na economia real, aqui controlamos a mortalidade na escala municipal a partir de 1917. Esse controle representa a exposição de uma cidade à gripe em geral, bem como o estado do sistema de saúde local. Observe que o controle da mortalidade a partir de 1918 não seria adequado, pois ele próprio é acionado pelas INF.

5.3 Resultados

5.3.1 Atividade de fabricação

Começamos estudando a correlação entre as INFs e o crescimento da atividade manufatureira local. Os painéis (a) — (d) da Figura 6 mostram gráficos de dispersão no nível da cidade com ajustes lineares do crescimento do emprego e da produção industrial entre 1914 e 1919 em relação às nossas duas medidas de INF, IVelocidadeINFc18 e DiasINFc18. Todos os painéis revelam uma correlação positiva entre o crescimento da atividade econômica real e as INFs. Esses padrões sugerem que os INFs aumentam a atividade econômica, em vez de reduzi-la.

A Figura 7 apresenta os resultados da estimativa da Equação (2) para vários resultados, permitindo estudar a dinâmica do efeito de forma mais explícita. Os painéis (a) e (b) da Figura 7 mostram que há um aumento no emprego industrial entre 1914 e 1919 em valores mais altos de ambas as medidas da INF. As estimativas são estatisticamente significativas para todos os anos, e o efeito persiste até 1923. Em termos de magnitudes, um aumento de um desvio padrão na velocidade da INF (8 dias) está associado a um emprego 4% maior após a pandemia. Um aumento de um desvio padrão na duração das INFs (46 dias) leva a um nível de emprego cerca de 6% maior. Ambos os efeitos são estatisticamente significativos, conforme mostrado na Tabela 2. A Tabela 2 também revela que as estimativas são semelhantes com e sem controles.

Figura 6: Correlação dos resultados bancários e de fabricação na escala municipal com a velocidade e duração das intervenções não farmacêuticas no outono de 1918.

A Figura 7 painéis ( c )— (d) mostra que os efeitos são semelhantes para a produção da manufatura. Uma divergência do padrão com aumento de velocidade de implementação da INF aumenta a produção em cerca de 5%. Da mesma forma, uma divergência do padrão nos dias de INFs em vigor aumenta a produção em aproximadamente 7%. No total, essas evidências sugerem que as cidades que implementaram as INFs mais cedo e mais intensamente experimentaram mais atividade econômica após a Pandemia de Gripe de 1918.

Figura 7: Os efeitos de intervenções não farmacêuticas no outono de 1918 nos resultados bancários e de manufatura municipais. Resultados da estimativa da equação (2). 95% de faixas de confiança.

5.3.2 Ativos bancários

Em seguida, estudamos o efeito das INFs nos resultados bancários locais. O estudo dos resultados bancários é informativo, pois eles estão correlacionados com a atividade econômica real e estão disponíveis com uma frequência maior que os dados de emprego. Os painéis (e) e (f) da Figura 6 mostram gráficos de dispersão com ajustes lineares nas duas medidas de INFs e o crescimento de ativos bancários nacionais de 1918 a 1919. Ambos os painéis revelam uma correlação positiva entre o crescimento de ativos bancários após as medidas de pandemia e INF . Uma reação mais rápida e uma implementação mais longa da INF estão associadas a um maior crescimento dos ativos bancários nacionais locais do início do outono de 1918 a 1919.

Assim como nos resultados das atividades de fabricação, também estimamos a Equação (2) com ativos bancários anuais na escala municipal como variável dependente (dependent variable, DiD). Os resultados são apresentados nos painéis (e) e (f) da Figura 7. Os ativos do setor bancário local seguem tendências semelhantes nas cidades com diferentes INFs antes da pandemia de 1918. No ano seguinte à pandemia de gripe de 1918, houve um aumento nos ativos bancários nas cidades com intervenções mais longas e precoces após 1918. O efeito é estatisticamente significativo e economicamente considerável. Um aumento de um desvio padrão no número de dias de INFs em vigor induz um setor bancário local cerca de 7,5% maior depois de 1918. Esses resultados corroboram nossas descobertas sobre resultados de fabricação de dados de alta frequência que nos permitem controlar mais detalhadamente as pré-tendências .

Tabela 2: Os efeitos de intervenções não farmacêuticas nos bancos locais, emprego e produção.

Esta tabela relata os resultados da estimativa de uma regressão da seguinte forma: — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — -Yct =ac+tt+b⇥INFc1918⇥Postt+gXt⇥Postt+ect, — — — — — — — — — — -onde a INFc, 1918 mede a velocidade do total de dias do INF e o Post18 é fictício que assume o valor após 1918. Xs consiste na parcela de emprego agrícola de 1910, na parcela da população urbana de 1910 e na renda per capita de 1910 no nível estadual , e o registro da população de 1910 e a parcela da fabricação em 1914 da população total no nível da cidade. Erros padrão agrupados no nível da cidade entre parênteses; *, ** e *** indicam significância nos níveis de 10%, 5% e 1%, respectivamente.

6 Conclusão

Este artigo examina o impacto da pandemia de gripe de 1918 e das intervenções não farmacêuticas resultantes na atividade econômica real. Usando a variação entre estados e cidades dos EUA, apresentamos dois resultados principais. Primeiro, a pandemia leva a uma queda acentuada e persistente da atividade econômica real. Encontramos efeitos negativos na atividade manufatureira, no estoque de bens duráveis ​​e nos ativos bancários, o que sugere que a pandemia impacta diretamente a atividade econômica através dos efeitos colaterais da oferta e da demanda. Segundo, as cidades que implementaram intervenções de saúde não farmacêuticas mais rápidas e vigorosas não sofrem piores recuos econômicos. Por outro lado, as evidências sobre a atividade manufatureira e os ativos bancários sugerem que a economia de áreas com INFs mais agressivas teve um desempenho melhor após a pandemia.

No total, nossas evidências sugerem que as pandemias são altamente prejudiciais para a atividade econômica. No entanto, medidas oportunas que podem atenuar a gravidade da pandemia podem reduzir a gravidade e a persistência da crise econômica. Ou seja, as INF podem reduzir a mortalidade e, ao mesmo tempo, serem economicamente benéficas.

Finalmente, ao interpretar nossas descobertas, há várias advertências importantes a serem lembradas. Primeiro, nossa análise é limitada a dados de 30 estados com recorte de 43 a 66 cidades. Segundo, os dados sobre a atividade de manufatura não estão disponíveis em todos os anos; portanto, não podemos examinar cuidadosamente as pré-tendências entre 1914 e 1919 quando consideramos os resultados da atividade de manufatura. Terceiro, o ambiente econômico no final de 1918 era incomum devido ao final da Primeira Guerra Mundial. Quarto, embora existam lições econômicas importantes da gripe de 1918 para a pandemia de COVID-19 de hoje, enfatizamos os limites da validade externa: as estimativas sugerem que a gripe de 1918 foi mais mortal que a COVID-19, especialmente para trabalhadores em idade pré-escolar, o que também sugere impactos econômicos mais severos da gripe de 1918. A natureza complexa das cadeias de suprimentos globais modernas, o papel maior dos serviços e as melhorias na tecnologia de comunicação são mecanismos que não podemos capturar em nossa análise, mas esses são fatores importantes para entender os efeitos macroeconômicos do COVID-19.

Notas

[1]. Usando dados sobre dividendos futuros, Gormsen e Koijen (2020) descobriram que as expectativas refletidas nos preços de mercado no início do surto de COVID-19 também apontam para um declínio persistente no PIB real.

[2] Ver apendice B

[3] Por exemplo, Danny Quah observa que o gerenciamento de COVID-19 de Cingapura evitou grandes interrupções na atividade econômica sem levar a um aumento acentuado de infecções por meio do uso de intervenções precoces e vigorosas (link para a entrevista no VoxEU).

[4] Por exemplo, Brainerd e Siegler (2003) escrevem: “… não existe um padrão regional discernível na gravidade da epidemia … A região norte também possuía o município com a maior taxa de mortalidade (Lake, 8,31). como o município com uma das taxas mais baixas (Adams, 1,60) …. Diferentemente das epidemias anteriores que viajavam em um lento eixo leste-oeste, a gripe espanhola atacou de forma repentina e aleatória. ” Descobrimos que a pandemia foi mais forte no leste, mas há uma variação considerável na longitude. Apresentamos evidências sobre os correlatos da exposição regional à pandemia de 1918 na seção 4.

[5] Almond (2006) constata que grupos ainda no útero durante a pandemia apresentaram piores resultados na educação e no mercado de trabalho na idade adulta, apresentam menor capital humano.

[6] Os dados estão disponíveis online: http://www.flood-dalton.org/mark/research/bankdata-hist.html

[7] Faltam estimativas de renda per capita para 12 estados. Para esses estados, definimos a renda para o nível nacional.

[8] Além disso, alguns efeitos não podem ser claramente classificados como afetando apenas a oferta ou a demanda.

[9] Interrupções na cadeia de fornecimento e outros spillovers de áreas mais severamente para menos severamente afetadas também provavelmente desempenharão um papel importante em 1918–19, como fazem hoje. Nossa análise em nível estadual e municipal não capturará completamente esses efeitos de equilíbrio.

[10] Apêndice Figura A1 mostra que os resultados da atividade industrial e dos ativos bancários são semelhantes no nível da cidade.

[11] Um valor positivo para o VelocidadeINFc1918 implica que uma cidade implementou INFs antes da taxa de mortalidade exceder duas vezes sua taxa básica. Isso levanta uma preocupação desse resultado ser endógeno. Para isso, se a INF tiver um efeito imediato na mortalidade, o número de dias até o aumento da mortalidade será endógeno. Observe, no entanto, que esse caso ocorre em apenas três cidades (consulte a Tabela A1 no apêndice). Todos os nossos resultados são resistentes à exclusão dessas cidades.

[12] De acordo com o Centro de Controle de Doenças (CDC), em termos de planejamento nacional, estadual e local da pandemia, não existiam protocolos de segurança para lidar com uma pandemia em 1918. Algumas cidades conseguiram implementar medidas de contenção da comunidade, como fechar escolas, proibir reuniões públicas e emitir ordens de isolamento ou quarentena, mas o governo federal não teve papel centralizado em ajudar a planejar ou iniciar essas intervenções.

[13] Entretanto, outras preocupações podem surgir da virulência do enfraquecimento da gripe ao longo do tempo, como é sugerido (Garrett, 2007).

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