O que eu acho que Brasil 1 x 2 Bélgica me ensinou na Copa 2018

Daniel Carvalho
6 min readJul 18, 2018

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A Copa do Mundo já acabou. A poeira baixou, o lado emocional vai influenciando menos que o racional e então me sinto mais preparado pra falar a respeito da eliminação contra a Bélgica na Copa do Mundo 2018.

E eu poderia vir aqui usar termos táticos, palavras do futebol moderno e bancar o acadêmico sabichão do jogo. Mas não. Primeiro porque eu creio que essa foi a Copa da concentração, da mentalidade forte. Segundo porque eu quero que minhas palavras sejam interpretáveis à todos, independente do nível de entendimento do esporte. E mais que isso: quero estimular debates, reflexões e ouvir quem discorda de mim (com respeito). Afinal, minha missão é ensinar/aprender futebol bem e ensinar/aprender mais do que futebol.

Me dei tempo para processar melhor os acontecimentos, participar de debates, ler a respeito, assistir ao jogo novamente e alguns momentos específicos repetitivamente e de ângulos diferentes, ler a opinião de especialistas, “especialistas” e leigos e enfim formar uma OPINIÃO PRÓPRIA (não leia verdade absoluta).

E nessas horas a gente cava o passado, relembra, compara, revive e a conclusão que chego é: a história se repete mas nunca é 100% a mesma. Circunstâncias definem acontecimentos e nos inúmeros cenários possíveis, apenas um acontece e o resto fica no campo do “e se…”.

A seguir vou relembrar de derrotas passadas a partir de 1998 pois nasci em 1989 o que significa que não tenho lembrança alguma da copa de 1990 e em 1994 fomos campeões.

Ressucitando derrotas

Em 1998 Zinedine Zidane marca o primeiro gol de cabeça após escanteio aos 27 minutos e o segundo gol da mesma maneira aos 45 minutos do 1o tempo. Nos minutos finais do jogo Emmanuel Petit marca em contra-ataque o 3o gol.

Em 2006 novamente a França no caminho. Dessa vez, Thierry Henry marca após cruzamento advindo de uma falta na lateral direita brasileira aos 12 minutos do 2o tempo.

Em 2010 a história foi diferente. Dessa vez, o Brasil abre o placar aos 10 minutos de jogo com Robinho, sofre o empate aos 8 minutos do 2o tempo após cruzamento de Sneijder que causou confusão entre Felipe Melo e Julio Cesar levando a um gol contra. Aos 23 minutos do 2o tempo vem a virada após escanteio no “primeiro pau” desviado por Kuyt para o cabeceio de Sneijder.

Em 2014 Thomas Muller abre o placar aos 11 minutos de jogo e a partir daí não preciso relembrar a sequencia da tragédia que deixa como herança o jargão GOL DA ALEMANHA.

Reflexões

1- Sempre após uma derrota/eliminação a tendência da maioria dos brasileiros é de relevar tudo que aconteceu antes daquele fato, se deixar levar pela emoção e querer/exigir mudanças radicais. Raramente reconhecemos o mérito do adversário. Na verdade, comumente esquecemos do adversário e assumimos o fracasso como algo que tínhamos total controle sobre e o perdemos.

2- Futebol é praticado por humanos dotados de razões e emoções. Cada ser ali envolvido tem uma história de vida diferente. Não importa o quanto tenha treinado a vida inteira, por quem ou aonde, sempre terá seus hábitos individuais e formas diferentes de encarar cada situação.

3- Das 7 Copas do Mundo que assisti até hoje, o Brasil nunca esteve fora do top 8. A propósito, o único que pode se orgulhar de tal feito.

4- Das 5 Copas do Mundo que assisti que não fomos campeões, perdemos uma na final, uma na semi-final para o time que viria a ser o campeão, duas nas quartas-de-final para o time que viria a ser vice-campeão e a mais recente para o atual 3o colocado.

5- Em 4 dessas 5 derrotas o Brasil sofre o gol primeiro e em todas com origem bastante parecida: após cruzamento vindo de bola parada

6- Nesta última edição a seleção é eliminada com diversos jogadores liderando estatísticas individuais e com o time liderando diversas estatísticas coletivas. Infelizmente (para nós nesse caso) o jogo de futebol tem natureza complexa e não é uma ciência exata. No final das contas, o que determina são apenas os números no placar. E ali a Bélgica liderou…

7- A campeã do mundo de 2018 perdeu a final da Euro em casa há 2 anos atrás para Portugal. O então campeão europeu Portugal perdeu do Uruguai nas oitavas-de-final da Copa do Mundo 2018. Uruguai enfrenta a França nas quartas-de-final e perde. ISTO É FUTEBOL! Se está procurando alguma lógica, boa sorte…

8- Se o seu casamento/namoro não vai bem, momento sócio-político do país é caótico, vida financeira não é a desejada, seu trabalho te ocupa por muito tempo mas a Copa te arruma algumas folgas… Os profissionais da seleção brasileira tem nada a ver com isso! Não deseje o mal ou difame alguem por eles não terem atingido uma expectativa sua que brota de 4 em 4 anos ou pelo simples fato de você ter perdido uma folga a mais e duas oportunidades de se embriagar e/ou promover reuniões/festas. Agradeça-os por terem lhe dado as outras cinco!

9- Não creio que alguem entre em campo determinado a fracassar. Mas creio que alguns (ou muitos) entrem com medo de. Ainda mais em uma Copa do Mundo que é o sonho máximo de qualquer menino brasileiro que chega na elite do esporte. Portanto, emocione-se durante o jogo, extravase mas seja racional depois que acabar. Tá bom, 24 horas depois talvez…

10- “Ganham milhões pra isso”. Ganham por puro mérito. Honestamente. E você não sabe 1% do que eles passaram pra chegar lá.

11- Em 2002 a nossa malandragem foi o nosso orgulho. Luizão conquistando um pênalti que não existiu, Rivaldo fingindo ser atingido por uma bolada no rosto, gol da Bélgica mal anulado nas oitavas… Se carma existe ele se apresentou nessa Copa com o VAR não sendo grande amigo, árbitros não marcando algumas faltas que existiram por medo de estarem sendo ludibriados pela tão venerada malandragem e o famoso “jeitinho brasileiro”.

Conclusão

Não quero bancar o “advogado do diabo” aqui. Nem plantar a utopia de não mais se emocionar com futebol.

Quero apenas levantar fatos que possam vir a passar despercebidos. E levantar o debate sobre o quanto nós brasileiros em grande maioria somos mais apegados ao resultado do que ao processo.

O resultado é sim obviamente importante. E é mais fácil atingi-lo quando se tem excelência no processo. Mesmo assim, não há garantias de sucesso em 100% das oportunidades (a Alemanha 2018 que nos diga). Mas ainda assim te manterá mais próximo ao sucesso na próxima oportunidade. Veja a França que fez 3 finais mundiais e 2 européias de 1998 pra cá.

Em 2002 fomos campeões pela última vez. Qual foi o legado deixado? O que ficou de herança para o futebol e para o povo brasileiro?

Novamente não foi dessa vez. Mas pela primeira vez eu vi um time organizado, com propósitos bem definidos e que caiu de pé. Em todas as derrotas anteriores vimos (quem viu) um time desorganizado, sem alma e desesperado. Jogando sujo em algumas vezes.

Que a lição transceda os campos de futebol. Que aprendamos em todos os campos da nossa vida a pensar o processo e a construção coletiva como alemães, belgas (assista ao vídeo) e franceses o fazem. É a cultura de um povo que leva aos resultados e faz do sucesso uma constante. Que aprendamos com os ingleses que a arrogância e prepotência são boas maneiras de chegar ao ostracismo mas que nunca é tarde para mudar e se reinventar. Que aprendamos com os croatas que não importa a circunstância, muitas vezes há uma maneira de superar as adversidades. Sejam elas emancipação política ou sair atrás no placar.

Portanto, que sejam mantidos os integrantes da comissão técnica que recuperaram o prestígio do que já foi “o país do futebol” e que o trabalho continue. Estaremos muito mais próximos do hexa com essa manutenção do que com a numerologia e coleção de coincidências espalhadas pelas redes sociais…

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