{Indicação de Leitura — Mulheres, Raça e Classe (Angela Davis) — Resenha

Coletivo 3Q
6 min readJul 23, 2019

--

Capa do livro (Google Imagens)

Em “Mulheres, raça e classe”, livro publicado em 1981, a autora começa a obra fazendo referência a ao acadêmico Ulrich B. Phillios que em publicação de 1918 afirmou que o processo escravagista ocorrido no “velho sul” dos EUA teria sido o grande responsável pelo processo “civilizatório” dos negros africanos. No primeiro capítulo do livro, Davis denuncia a falta de obras que elucidasse as questões tangíveis à situação da mulher negra inserida nesse contexto de escravidão. Até então, estas mulheres vinham sempre retratadas com um teor de promiscuidade sexual e como possuindo um talento inerente para a maternidade. Ainda nesse contexto, Heberth Aptheker é apontado como um dos poucos historiadores que tentam relatar a mulher negra com um pouco de realidade.

Angela Davis narra ao leitor o contexto em que os debates a respeito da escravidão começa a ser inserido na pauta social e revela a quem lê a obra que foram nos anos de 1970 que essa questão voltou a ser assunto discutido através de publicações porém, em nenhuma delas, era tratado o tema da mulher negra escravizado. Segundo ela, a autora, a família negra só passa a ser retratada de forma mais realista a partir de estudo publicado por Herbeth Gutman, em que o autor afirma, através de evidências documentais que a vitalidade dessas famílias se sobrepunham ao fatos desumano que haviam sido impostos pela escravidão.

Neste estudo, o autor também afirma haver nessas mulheres negras uma propensão ao casamento e maternidade, portanto o que as diferenciava das mulheres negras era somente a impossibilidade delas exercerem esses anseios devido as “exigências do sistema escravocrata”.

No livro, Davis explicada o padrão estabelecido durante escravidão e as consequências que levaram a, ainda hoje existir um número maior de mulheres negras, em relação as brancas, trabalhando fora de casa, isso tudo porque durante o sistema escravista, as mulheres negras antes de serem vistas como mulheres, eram lidas como propriedade e força de trabalho. Nesse contexto, quando tratadas apenas como força bruta de trabalho, as mulheres negras sofriam a mesma espécie de opressão que os homens, porém, quando conveniente aos seus senhores, essas mesmas mulheres eram exploradas e punidas de modo que cabiam apenas as mulheres e portanto elas eram reduzidas apenas a sua condição de fêmea.

Narra-se na obra que no período pré Guerra-Civil, as mulheres negras passaram a ser avaliadas de acordo com sua capacidade reprodutiva, isso porque a indústria de algodão começou a ter sua expansão ameaçado em decorrência da crescente do movimento de abolição do tráfico internacional de mão de obra escrava. Consequentemente, os senhores de escravos passam a contar com a reprodução natural dessas mulheres para que fosse mantida a geração de mão de obra nas lavouras porém, o status social que a maternidade conferia às mulheres brancas não era estendido às negras. Estas passaram a ter um valor comercial atribuído a si e este valor era medido pela sua capacidade de gerar filhos. Quando maior sua capacidade reprodutiva, mais valiosa ela seria, logo ao serem tratadas e reconhecidas somente como “animais reprodutores”, suas crianças eram vistas também como mercadoria e portanto poderiam ser comercializadas. Neste contexto, as mulheres escravizadas eram igualmente castigadas e punidas fisicamente quanto os homens porem, sobre elas ainda recaía o estupro como forma de repressão.

Durante o período pré Guerra- Civil nos Estados Unidos, o sistema fabril foi sendo estabelecido e paralelamente a este processo, a ideologia do que vem a ser o conceito de feminilidade tornou-se cada vez mais popular. Isso aos poucos foi pondo as mulheres brancas num local a parte do mundo do trabalho produtivo, concomitantemente induziu-se uma separação do que seria economia doméstica e economia pública. Estabeleceu-se então um status de inferioridade às mulheres, desse modo, a mulher passou a carregar consigo o sinônimo de “mãe” e “dona de casa”, porém eram esses, sinônimos que não se aplicava às negras escravas, desse modo, não havia dentro do sistema econômico escravocrata uma hierarquização entre homens e mulheres, visto que aos homens não era permitido assumir o papel de provedor do lar, uma vez que ambos eram rebaixados apenas à condição de propriedade dos seus senhores.

As famílias negras eram descritas segundo a ótica dos senhores de escravos, como sendo de estrutura biológica matriarcal e portanto ao se registar uma criança, no seu documento constaria apenas o nome da genitora, uma vez que em muitos casos, o genitor dessa criança eram os próprios senhores.

Essa configuração familiar descrita, foi utilizada como justificativa pelo governo num estudo publicado em 1965 para relacionar problemas sociais e econômicos da comunidade negra à estrutura familiar que possuía a sua base sustentada na figura central da mulher. Segundo a tese descrita, as opressões impostas ao povo negro originavam-se mais devido a “ausência da autoridade masculina” que às mazelas da escravidão.

Segundo a autora, o trabalho que homens e mulheres escravizados exerciam para si, dentro dos seus seios familiares, possuíam caráter igualitário do ponto de vista sexual. Não havia ali hierarquia de importância nas atividades que eram exercidas por ambos.

Ao mesmo tempo que por vezes a igualdade de gênero poderia representar uma espécie de fardo a ser carregado pelas mulheres negras no contexto da escravidão ela, a igualdade, era afirmada de modo combativo. Não era raro a ocorrência de mulheres que desafiavam as desumanidades geradas pelo sistema escravocrata. Há documentado relatos de negras que resistiam aos assédios sexuais dos homens brancos, participavam de reuniões e assim como os homens, fugiam em busca de liberdade.

O estupro de mulheres negras era utilizado como forma de repressão e dominação dessas mulheres e tinham como objetivo extinguir nelas o desejo e impulso de rebelar-se, além de ser empregado também como forma de desmoralizar os seus companheiros contudo, ainda assim não é difícil encontrar obras acerca da escravidão em que afirma-se erroneamente que havia nas escravas uma espécie de incentivo e encorajamento desses abusos como forma de miscigenação.

Angela Davis nessa obra, escreve também sobre a existência de uma ex escravo que durante o século XIX juntou-se ao movimento de mulheres e reconhecia nelas o protagonismo na luta abolicionista Frederick Douglas ficou conhecido como “o homem dos direitos das mulheres”, relata-se também nessa obra fatos a respeito da década de 1830, onde Nat Turner iniciou uma rebelião. Foi esta uma década de muita resistência, onde o movimento abolicionista que surgiu demonstrava o caráter insatisfatório sentido pela população negra quanto à sua condição de escravos. Foi esta também uma década marcada por inúmeras greves e paralisações na indústria têxtil, todas elas, em sua maioria, iniciadas por mulheres e crianças.

Ao final do segundo capitulo da obra, a autora descreve a importância da presença das mulheres brancas participantes do movimento pró abolição. Ganha destaque no livro duas irmãs, Sarah e Angelina Grimké, mulheres brancas filhas de donos de escravos porém foram atuantes no debate a respeito da libertação de homens e mulheres escravizados. A autora ainda traça um paralelo e explica a correlação entre a escravidão e a opressão que viviam todas as mulheres. Fossem elas brancas ou negras.

Sobre a autora

Nascida em 1944, na cidade de Birmingham, cidade localizada no estado do Alabama, que é uma das cidades mais racistas dos Estados Unidos, Angela Yvonne Davis, é professora e ativista das causas raciais e feministas. Estudou na escola Greenwich Village, em Nova Iorque, através de bolsa que ganhou por ser leitora voraz, desde muito jovem.

Ângela Davis (Google Imagens)

Foi em Nova Iorque que Angela começou a estudar e se interessar pelo comunismo e socialismo, por esse motivo acabou sendo recrutada, ainda aos 14 anos para uma organização comunista de jovens estudantes. Na década de 1960, Davis tornou-se militante ativa dos movimentos negros que abalavam a sociedade norte-americana da época, a priori como filiada da SNCC e depois, organizações políticas como o Black Power e os Panteras Negras. Foi seguindo pela via da militância que em agosto de 1970, Angela Davis passou a integrar a lista dos dez fugitivos mais procurados do FBI, sendo a terceira mulher a conseguir tal feito.

Ela foi acusada de conspiração, sequestro e homicídio. Tal associação foi feita por causa de uma suposta ligação dela com uma tentativa de fuga do tribunal do Palácio de Justiça do Condado de Marin, na cidade de São Francisco. O julgamento de tais fatos durou 18 meses e o caso ficou mundialmente conhecido, pois no auge das discussões raciais, Angela, uma mulher jovem, negra, culta e brilhantemente assessorada, estava no centro da imprensa. O julgamento aumentou os debates raciais e as manifestações a favor de sua libertação e absolvição.

Apenas ao fim desses 18 meses ela foi inocentada das acusações e assim, libertada. Em sua homenagem, John Lennon e Yoko Ono lançaram a música Angela, e os Rolling Stones, gravaram Sweet Black Angel, onde pediam sua libertação e falava de seus problemas legais.

Resenha por Brisa Barros

--

--

Coletivo 3Q
0 Followers

Coletivo de Discussão sobre as realidades dos corpos pretos e não brancos na sociedade.