Tão profundo quanto um pires

Como as tendências em Administração banalizaram sua conceituação

coletivo {DEi | CHÁ}
4 min readFeb 6, 2016

por Bruno de Oliveira em Coletivo dei chá.

Fonte: Blog do Chaplin

Por diversas vezes, ao ler textos de gurus da Administração, sentia certo desconforto pelo que algumas de suas abordagens prescritivas apregoavam. “Seja criativo”, “Seja proativo”, “Seja inovador”, “Quebre os paradigmas”, eles dizem. Diante disso, pude tecer algumas considerações:

Enquanto estudante, sempre encarei a Administração sob a ótica de um caráter científico, afinal, era isso que eu esperava encontrar na academia. Por ciência, quero definir o processo metódico de aplicar esquemas lógicos de interpretação a fenômenos, com inferências advindas de experimentos reproduzíveis; porém, aprendi que quando se trata de fenômenos sociais, a coisa muda de figura.

Sempre desconfio que se consiga o mesmo resultado aplicando-se um mesmo experimento em organizações distintas, por enésimas razões: dimensões estruturais, clima e cultura organizacionais, nível de tecnologia empregado, metodologia de trabalho e burocracia. A grosso modo, organizações são ‘agrupamentos humanos deliberadamente constituídos para se alcançar um objetivo previamente definido, através da aplicação de técnicas para gerenciar seus recursos disponíveis’. Já tive de ver alguns autores de tendências mais fisiologistas se referirem a elas como ‘organismos vivos’. Não me agrada essa visão; prefiro encará-las como ‘estruturas sensíveis’. Cada qual tem sua especificidade e reage de maneira particular às intempéries ambientais; acredito que por esse motivo se torne particularmente difícil, quando não impraticável, uma taxonomia organizacional. Muitos autores ao diagnosticar os problemas organizacionais e prescrever soluções aplicáveis a tantas outras que enfrentam o mesmo problema, acabam esbarrando nos motivos pelos quais a ‘ciência administrativa’ não é tão científica assim. Não quero com isso dizer que suas pesquisas não sejam sérias ou não surtam efeito; o que me desconcerta é a abrangência de seu receituário. Vender fórmulas de sucesso me parece ser o caminho mais fácil para o fracasso.

Além da natureza generalista da Administração enquanto ciência, técnica, arte, estilo, e tantas outras (in)definições a seu respeito, me preocupo sobremaneira com os efeitos que essas discrepâncias produzem. Enquanto não se define o que é, ficamos a mercê de autores das mais variadas formações nos jogando num campo minado; campo esse fértil de suposições e aforismos. Pouco do que tive contato da literatura administrativa usualmente empregada em sala de aula, que usufrui da fonte de tantas outras literaturas, me parecia realmente ter alguma profundidade. Precisei desenvolver alguma maturidade, que só advém com o tempo e muita curiosidade, para conseguir separar o trigo do joio. Aqueles autores esquecidos, empoeirados nas prateleiras, que nunca são recomendados pelos professores, foram os que me deram algum norte. E não só os de Administração propriamente dita, mas das várias ciências que contribuíram para a sua formação. Os best-sellers também têm o seu quinhão de contribuição, porém, há de se ter cuidado para não cair no abismo dos lugares-comuns. Quando se utilizam de textos embasados em pesquisas estrangeiras, por exemplo, pouco se faz a correlação com a realidade na qual estamos inseridos, enquanto que há cases regionais que poderiam ser muito melhor explorados. Esse recorte da realidade é um fato para o qual devemos estar constantemente alertas: a aplicação do conhecimento adquirido na academia, no meu entendimento, deve partir do local para o universal.

Finalizando, há de se atentar para o arcabouço teórico que utilizamos. Muito do que consumimos é ‘vinho velho em garrafa nova’; há certa inclinação no direcionamento pragmático da Administração a seguir modismos. E como foram tantos e em tão pouco tempo, que me faz pensar que sempre houve essa tendência de se perseguir melhores resultados mesmo sem saber direito o que se estava fazendo, e é aí que aparecem os oportunismos. Como me agrada pensar, outra vez, na Administração como ciência, e como o progresso científico caminha por degraus em vez de tomar elevadores, é necessário certo intervalo de tempo para que se possam constituir suas bases conceituais. Infelizmente, a dinâmica de mercado se apresenta extremamente volátil para que uma teoria sólida sobre os empreendimentos possa ser alicerçada; a visão extremista da busca pelo lucro, pela maximização dos resultados e minimização dos custos, fez da Administração uma técnica reativa, (que agora se vende como proativa), mas há exceções. Acredito sim que haja um terreno onde se possa estabelecer um nascedouro para teorias administrativas mais aprofundadas. A administração não se destina apenas às empresas comerciais e/ou indústrias, como fortuitamente se esquecem seus estudantes: aplica-se a organizações, das mais variadas, atravessando os vários setores da economia, privadas ou públicas. Também o lucro não se traduz apenas no retorno financeiro de um processo; tem-se cada vez mais compartilhada a noção de lucro social, inversão da lógica que retira mais de uma comunidade do que retorna a ela.

Talvez eu seja um administrador às avessas. Meu idealismo me coloca na contracorrente do pensamento disseminado na academia, pois a priori penso em garantir o feedback à comunidade como principal stakeholder. Espero daqui a algum tempo, me deparar com alguma teoria que supra as prescrições descartáveis que prometem o mapa das minas do rei Salomão, e que tenha embasamento suficiente para resistir às demandas por velhas novidades.

Originally published at medium.com on February 6, 2016.

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