Perfil racial dos professores da PUC-Rio: Alguém viu algum negro por aí?

Coletivo Nuvem Negra
5 min readJun 16, 2017

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*Nuvem Negra

“A academia não é um lugar neutro, tampouco simplesmente um espaço de conhecimento e de sabedoria, da ciência e erudição, mas também é um espaço de violência.” Grada Kilomba

Há, na PUC-Rio, 1985 professores, destes, apenas 86 são negros. Os dados são de 2016 e gerados pelo Sistema de Gerência Universitária (SGU), e nos mostram que professores negros e negras representam apenas 4,3% do corpo docente, sendo 1,6% de mulheres negras e 3,2% de homens negros. No ritmo que está, e baseado na média de crescimento anual dos últimos 10 anos, a PUC- Rio só igualaria o número de professores brancos e negros no ano de 2136. Ou seja, a estimativa é que mais de 100 anos serão necessários para que o corpo docente retrate a real proporção racial do país, uma população composta por 51% de negras/os.

A pesquisa pelos dados resulta da campanha “Quantas/os professora/es negras/ os tem na PUC?”, lançada pelo Coletivo Nuvem Negra no primeiro número do jornal. Intrigados com a falta de professores e professoras negras nos cursos da gradua- ção e pós-graduação, iniciamos a campanha com o intuito de registrar a dinâmica racial do corpo docente. Nesse sentido, pretendíamos gerar uma reflexão sobre os efeitos perversos da falta de representatividade negra na docência e no desenvolvimento de pesquisas acadêmicas. Ressaltamos que estes questionamentos são compartilhados por estudantes e organizações negras de todo o Brasil. Em 2015, a Universidade Federal de Juiz de Fora — MG lançou a campanha ‘‘Quantos professores negros você tem?’’ (inspiração para o título de nossa campanha) que viralizou na internet e levantou amplo debate sobre a ausência de professores e professoras negras.

É nítido o avanço e as conquistas após a implementação das políticas de ações afirmativas para o acesso de negras e negros no ensino superior. Elas trouxeram um duplo reconhecimento para a relação entre a educação e a questão racial no Brasil: de um lado, foi reconhecida uma falta maior de oportunidade para a população negra e pobre de ingressar na universidade, resultado da escravidão, do racismo e de contextos diversos como a condição social e a educação básica precária; por outro lado, o reconhecimento da necessidade de reparar os efeitos dessa precarização na sua condição racial-social, que produz mecanismos que retiram negras/ os dos espaços de poder e de produção de saber. Nós negras/os, permanecemos em uma estrutura acadêmica “branco-cêntrica” (Lourenço Cardoso, 2014), elitista e que, portanto, naturaliza a brancura de seu corpo docente e seu respectivo projeto político pedagógico.

O universo acadêmico certamente é um dos espaços que mais marcam o caráter segregador de nossa sociedade. Nele percebemos o processo de manutenção dos privilégios da supremacia branca e, que ainda como tal, estabelece como norma homens em detrimento de mulheres, especialmente mulheres negras. Neste sentido, apontamos isso como uma das causas do completo desinteresse ou, pelo menos, a falta de problematização de não possuir colegas de profissão negras/ os. Conforme José Jorge de Carvalho, professor do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília (UNB), ‘‘a segregação racial no meio universitário jamais foi imposta no Brasil legalmente, mas sua prática concreta tem sido a realidade do nosso mundo acadêmico’’. Em outras palavras, queremos ressaltar que o “confinamento racial acadêmico” que vivenciam professoras/es brancas/os e negras/os na PUC-Rio expressa uma realidade do ensino superior brasileiro. De acordo com levantamento realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), do total de 383.683 docentes de instituições de ensino superior pú- blicas e particulares do país, apenas 5.154 se declararam negras/os, o que representa 1,34%. A Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Federal do Rio Janeiro (UFRJ), por exemplo, são instituições em que a proporção de professoras/es negras/os não passa de 0,2%, segundo Jorge de Carvalho, que também é coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia e Inclusão no Ensino Superior (INCT).

Este cenário grita nos nossos ouvidos: as/ os pesquisadoras/es, intelectuais, cientistas, artistas brancas/os continuam extremamente confortáveis com a segregação racial no meio acadêmico. Entretanto, é importante salientar que nós negras/os não estranhamos esta indiferença, pois o domínio da branquitude nestas instituições é central à manutenção do poder político, econômico, social, cultural e simbólico que exercem sobre negros e indígenas. É por meio de saberes e conhecimentos legitimados nestes espaços que se define o que deve ser valorizado e o que se constitui enquanto um problema, bem como as formas de resolvê-lo. Neste sentido, passados 60 anos das críticas e denúncias de Guerreiro Ramos (1957) ao espaço acadêmico, o branco, continua desfrutando do ‘‘privilégio de ver o negro, sem por este último ser visto’’.

Ao mobilizarmos a categoria de confinamento racial acadêmico, temos o objetivo de visibilizar e denunciar a inexpressiva quantidade de professoras/es negras/ os dentro da PUC, como um grande impedimento de sua própria missão em propagar ‘‘o pluralismo e o debate democrático, objetivando, sobretudo, a reflexão, o crescimento e enriquecimento da sociedade’’, como está no próprio site da PUC. Importante destacar que esta problemática reflete o retrato de universo acadêmico historicamente segregador e produtor de desigualdades raciais.

Diante disso, relembramos que em 1994, a instituição compreendeu a importância das reivindicações do movimento negro, em especial os movimentos de pré-vestibulares para negros e carentes, após longo debate, fazendo da PUC-Rio uma precursora de políticas afirmativas. Fazemos esta memória, com a finalidade de convidá-la a enfrentar e transformar esta realidade e, deste modo, tornar mais uma vez, uma universidade referência, acerca de políticas de ações afirmativas. Acreditamos que, conjuntamente, a partir da apresentação e problematização deste diagnóstico, podemos pensar em mecanismos para fazer da PUC-Rio um espaço plurirracial. Que a brancura ofuscante de corpos e mentes cedam lugar a uma paleta que irradie as múltiplas cores de todo o universo.

> Raça/cor “parda”, “preto”, “branco”, “amarelo” “e indígena” são os termos de classificação utilizados pelo IBGE, sendo “negros” o somatório de professores que se autodeclaram “pretos” e “pardos”.

> O campo de informação Raça/ Cor, de preenchimento voluntário consta dos formulários de admissão na PUC-Rio para funcionários, professores e alunos, desde 1998. Todos os dados referem-se apenas a professores fonte PUC-Rio, o que exclui contratados por projetos, convênios e terceirizados.

> Total geral refere-se à soma das cinco classificações de “Raça/Cor” e os não declarados, inclui-se professores ativos e afastados.

Fonte: Sistema de Gerência Universitária (SGU)

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