Contemporaneum
9 min readJan 17, 2015

Por Roberto Carnier

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A história não deve ser retratada apenas pelo lado dos vencedores.

Quando retratamos a História do Japão analisamos pouco a sua história e seu desenvolvimento. Os livros de História limitam-se ao ensino da Era Meiji (1868–1912), como o grande momento de revitalização do país através de sua modernização pela Indústria e a interferência ocidental no país.

A trajetória milenar do país nipônico é muito mais do que o evento da intervenção imperialista. Do período Muromachi (1338–1573), representando a queda da figura central do Imperador, dando continuidade à consolidação do Xogunato Takegawa (1603–1867/68) e o período de modernização no final do século XIX, podemos tirar lições de jogos de alianças de poder; a estruturação de uma economia voltada a recursos internos, “utilizar pouco para produzir muito” — estratégia hoje difundida nas teorias de administração; e o conceito de manutenção do poder através da coerção e do capital.

A partir do século XIV, podemos dizer que a figura central do Imperador do Japão, uma figura cerimonial, passou a ser insignificante, dado ao crescimento de diversas famílias aristocráticas que acumulavam poder pela conquista de territórios, reconhecidas pelos Samurais ou Bushi.

Os bushi eram guerreiros, que desprezavam a vida da corte e juravam total lealdade ao príncipe/regente local. Um código de conduta regia que eles deveriam lutar por honra e família e, quando necessário, cometer o honorável hara-kiri, ou suicídio, diante uma situação de humilhação ou desonra. Uma notável diferença entre os vassalos e suseranos medievais da Europa.

O período Muromachi é demarcado por diversos conflitos entre famílias aristocráticas, começando através de um de seus representantes. Ashikaga Takauji, um líder militar que em 1338, impediu as ambições do Imperador Go-Daigo de restaurar o seu poder há tanto perdido pelos Xoguns no século XII, precisamente em 1185, estabelecendo um Xogunato.

A figura do Xogum era a do líder supremo, enquanto o imperador era uma peça representativa. Representantes militares nas demais províncias, gradualmente estabeleceram uma administração pública e políticas tributárias eficientes.

Aqui temos os primórdios da consolidação e estabilidade do poder nipônico através da capacidade de coerção — capacidade militar representada pelos seus “vassalos”– e capital — cobrança de impostos dos habitantes de demais províncias.

Entretanto, a devastação econômica e provincial causada por diversas guerras e a ineficiências dos últimos governos Xoguns, ocasionou a queda desse estilo de governo.

Crises e conflitos, como a Guerra Onin, ocasionaram na Ascenção de poder dos príncipes-provinciais, reconhecidos comosengoku-daimyo. Diferente do anterior, o estilo de governo dos Daimyos (1543) assemelhava-se aos poderes descentralizados dos príncipes feudais na Europa. Tais lordes feudais japoneses, cerca de 200 a 300 na época, reuniam exércitos de 10.000 homens em tropas organizadas, diferentes das dos Samurais. A guerra deixava de lado o conflito corpo a corpo clássico em campos, dando lugar a estratégias mais avançadas como a conquista de de fortes , cercos e invasões de províncias.

Os daimyos eram astutos políticos e diplomatas, senão extremos adeptos de uma Realpolitik nipônica, onde buscavam os seus próprios interesses e de suas regiões, forjando alianças quando necessário, tudo dentro dos cerimoniais e tradições milenares japonesas. Curiosamente, os daimyos favoreciam a influência europeia, algo inimaginável anos mais tarde.

O comércio durante o século XVI propiciou o contato do Ocidente com o Oriente, além da visão de ganho de poder por parte dos Daimyos. Para eles, o comércio era uma oportunidade do acumulo de capital e consequentemente uma oportunidade do aumento de poder. Assim sendo, concessões comerciais foram garantidas aos europeus — portugueses e holandeses — a estabelecerem comércio com o Japão

Um novo período de força política deu-se no início do século XVI, encabeçados por três grandes unificadores: Oda Nobunaga, Toyotomi Hideyoshi e Tokugawa Ieyasu. Através de uma administração inteligente e de uma diplomacia voltada a alianças militares, tais figuras colocaram o Japão em uma nova Era.

Eles reconheceram a necessidade do poder central ante o poder descentralizado dos Daimyos, como uma estratégia política mais eficiente e de mais fácil controle, além do estabelecimento de ordem pública.

Oda Nobunaga estabeleceu seu poder com extrema astúcia. Antes um Daimyio, tornara-se um Xogum e acumulara poder suficiente para engajar uma estratégia de centralização de poder em suas mãos. Apesar de brutal, ele estabeleceu poder territorial acumulando vassalos e lutando contra Daimyos, através de seus exércitos gigantescos e técnicas de cerco. Durante a Batalha de Nagashino em 1575, suas tropas foram as primeiras a utilizar armas de fogo em grande escala, fruto de importações lusitanas.

Nobunaga sabia que para manter um poder centralizado forte, já que boa parte do Japão estava sob seu domínio, ele deveria repensar a forma de administração pública da época. Assim, estabeleceu um governo inovador, dando início a reformas como padronização de pesos e medidas, políticas tributárias e facilitação para o comércio.

Nobunaga via que para modernizar o seu país — cujo setor produtivo era voltado a uma cultura essencialmente agrícola- transformando-o numa sociedade industrial de manufatura e de serviços, a solução prevista fora a criação de cidades em torno de castelos. Essas propiciaram o desenvolvimento de várias regiões e economias locais, a construção de estradas que facilitavam a circulação de mercadorias assim como a movimentação de tropas.

Se Nobunaga fora reconhecido como o primeiro grande unificador, seu general e sucessor Toyotomi Hideyoshi, pode ser caracterizado como um diplomata que via nas alianças militares uma oportunidade de consolidação do poder, mantendo a grande maioria dos lordes feudais sob seu domínio. Entretanto, apenas o seu sucessor, seu poderoso aliado Ieyasi Tokugawa conseguiu estabelecer a sua família como a verdadeira herdeira de todo o Japão, até 1868, sonho que Hideyoshi não conseguira

Dos três unificadores, principalmente Nobugana e Hideyoshi, a estabilidade de seus governos, através do poder de coerção de exércitos formados e bem estruturados, e a capacidade de captação de impostos, afim de manter tanto o exército como a Economia do país girando, provaram-se fundamentais como heranças de estabilidade e paz futuras, repassada diretamente ao Xogunato Tokugawa, que durou quase três séculos.

O período do Xogunato Tokegawa fora um dos momentos da História japonesa pelo qual a estabilidade social e a paz perduraram por quase 250 anos, as custas de medidas extremamente nacionalistas.

Nesse período, houve a implementação de uma política externa denominada sakoku (país acorrentado), no início do século XVII, onde nenhum estrangeiro podia entrar e tão pouco um japonês poderia sair do país, sob a ameaça de pena de morte, além da extrema limitação de relações comerciais com o mundo externo. A política de isolacionismo também colocava em cheque a presença de estrangeiros. A perseguição de religiões externas, como o Cristianismo que havia sido implementado durante a era de ouro dos Daimyos no período Muromachi, era frequente. Embora tanto se fala sobre tal política, algumas questões devem ser relembradas.

Diferentemente do senso comum, havia comércio com o mundo externo, embora esse era extremamente limitado a ser realizado apenas em regiões e com entidades comerciais aprovadas pelo Xogunato, como Nagasaki e Edo. e com parceiros comerciais tais como a Cia. Holandesa das Índias Orientais.

Uma relação com os EUA e sua política isolacionista dos séculos XVIII e XIX é bastante interessante ao compararmos a política externa do sakoku. O discurso de Farewell de George Washington deixava claro que os EUA não deveriam se intrometer em assuntos europeus, estando as prioridades voltadas ao desenvolvimento da nação. As grandes diferenças entre os países, evidentemente, se analisarmos o período de 1603 do surgimento do Xogunato Tokugawa e 1776 da proclamação da independência norte americana, estão relacionadas as relações comerciais, o desenvolvimento econômico, propensão a inovações tecnológicas, a facilitação do livre comércio e maior abertura para empreendedorismo.

Ironicamente, o Japão no final do século XIX, buscando uma política de isolacionismo comercial, teve que forçadamente abrir seus portos pelo país que dizia buscar apenas seus interesses internos, nesse caso, os EUA fizeram valer os seus interesses.

No início do século XIX, o Xogunato Tokugawa mantinha a sua política externa do Sakoku. Entretanto os EUA demandaram que o Japão abrisse os seus portos.

De acordo com Melo e Costa (2001), o isolamento japonês perdurou até 1853, ano em que a Esquadra Negra, comandada pelo Comodoro Perry, forçou a abertura dos portos ao comércio com os Estados Unidos.

A abertura fora realizada, sob o Tratado Kanagawa de 1854. Os estados Europeus conseguiram tratados similares. Tais acordos bilaterais de comércio, no entanto, não facilitaram a vida dos japoneses.

Muitos eram desvantajosos, garantindo muitas vezes maiores privilégios a mercadorias importadas antes as nacionais — semelhança com o que os ingleses fizeram com o Brasil em 1808 quando D. João VI abriu os portos nacionais. Além disso, a presença estrangeira gerava revolta por parte de microgrupos nacionalistas, o que com o tempo favoreceu a restauração da figura do Imperador e o reconhecimento do país a adoção de medidas modernizadoras.

A restauração do Imperador, através da figura de Tenno Mutsushito, o Imperador Meiji ( Iluminado) fez com que o Japão entrasse em uma nova Era, mas não como uma nação que fora invadida e influenciada pelas forças ocidentais, muito pelo contrário. Assim como coloca Hobsbawm, o Japão foi um dos que saíram vencedores no Neo-Colonialismo do século XIX.

De 1868 a 1912 o Japão que era uma nação feudal tornou-se uma das principais potências militares da Ásia. As diversas reformas aplicadas no país vão desde: a abolição do sistema feudal, estrutura educacional, sistema econômico e legal, implementação da Industrialização, alocação de um sistema prussiano militar e alistamento compulsório, criação de um parlamento, construção de ferrovias e renovação da marinha japonesa.

Com a criação de um Estado Moderno, evidentemente, vem a necessidade da busca de recursos externos.

A empreitada em expandir os recursos veio com o Imperialismo japonês, que se estendeu até 1941 com a deflagração do ataque de Pearl Harbor contra os EUA.

As Lições

As principais lições dos períodos retratados aqui da História do Japão demonstram como um país, que participara de tantas mudanças, conseguiu estabelecer um ritmo histórico fora do comum, onde o progresso e a consolidação cultural permanecem intactas até hoje.

A capacidade e inteligência dos Xoguns e Daimyos em manter o poder em suas mãos, utilizando-se da capacidade de coerção e do capital, foram fundamentais para períodos de estabilidade no país. A centralização do poder, ante a descentralização feudal, principalmente no período do Xogunato Tokugawa, demonstra claramente a teoria da habilidade de manutenção de Coerção e Capital. Estados que manejam bem esses dois fatores, tendem a ter uma maior capacidade de longevidade e estabilidade.

Pela delimitação pequena do território, os japoneses aprenderam, através de bons investimentos na educação, além da herança cultural de isolacionismo, a saberem utilizar o pouco disponível afim de produzir muito. Isso é presente até hoje e serve de lição para milhares de administradores, como a estratégia de produção enxuta.

Como aprendizado final, para países cujos recursos são escassos e para os países que possuem os mesmos em abundância, a boa administração, o uso correto de investimentos e uma boa educação, são fatores fundamentais para que um Estado consiga sobreviver em um mundo globalizado, onde a capacidade de coerção é cada vez mais questionada e o capital é um dos muitos outros fatores de sucesso de manutenção da estabilidade do poder. Está na hora de repensarmos em novos atores fundamentais para a estabilidade de nações. A história é uma boa fonte que permanece intacta, jamais podendo ser apagada.

Bibliografia

National Geographic. A Visual History of The World. 2002

Tashiro, Kazui. “Foreign Relations During the Edo Period: Sakoku Reexamined.” Journal of Japanese Studies. Vol. 8, No. 2, Summer 1982

Toby, Ronald. State and Diplomacy in Early Modern Japan. Princeton: Princeton University Press, 1984

MELLO, Leonel e COSTA Luís — História Moderna e Contemporânea. 2001, Editora Scipione.

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Um Blog sobre História e Geopolítica — A blog about History and Geopolitcs — Editor Roberto Carnier