O Pacto

Contemporaneum
19 min readFeb 14, 2015

Molotov-Ribbentrop

Alemanha ,URSS e o pacto mais controverso da História

Por Roberto Carnier — Parte de tese de pós graduação em Relações Internacionais do autor

Música para leitura

Compreender o cenário geopolítico europeu às vésperas da Segunda Guerra Mundial é de essencial importância para que possamos explorar como ocorreu o Pacto Molotov-Ribbentrop

Pouco antes da Segunda Guerra Mundial, Stalin tentava uma aliança com as potências ocidentais, como forma de proteger a União Soviética da Alemanha nazista. Sem êxito, o líder comunista inverteu a lógica e, com o mesmo objetivo, aproximou-se de Hitler, iniciativa que culminou com o pacto de não-agressão entre os dois países, assinado em agosto de 1939. “A aliança, inimaginável até então, permitiu a invasão da Polônia, precipitando a guerra na Europa”. (KERSAUDY, 2006, p.26).

De acordo com Costa e Mello, “A Polônia, que havia apoiado a anexação da Tchecoslováquia pelos alemães, seria a próxima vítima do expansionismo nazista” (2001, p.343).

Do lado alemão, o país germânico temia enfrentar uma guerra em dois fronts, procurou então evitar um imediato confronto com a União Soviética (COSTA E MELLO, 2001).

Do Lado soviético, a desconfiança de Stalin nas intenções dos países aliados de estarem propiciando planos contra a União Soviética, fez com que Stalin, após verificar que “na invasão da Tchecoslováquia, França e União Soviética faziam parte de um acordo estabelecendo que, se a Tchecoslováquia fosse agredida, a França defenderia primeiro e só depois os soviéticos auxiliariam. Quando a França traiu a aliança com a Tchecoslováquia, os soviéticos desconfiaram que a França e Grã-Bretanha pretendiam livrar-se da agressão alemã, incentivando-a a expandisse para o leste.” (COSTA E MELLO, p.343, 2001).

Para as democracias ocidentais, “o apaziguamento era a política oficial e a ratificação das desigualdades de Versalhes faziam parte da sabedoria convencional” (KISSINGER, 1994, p.306).

O cenário europeu do entre guerras: democracias e governos autoritários

A configuração geográfica do período do entre guerras europeu, até 1939, era bastante diferente da configuração geográfica anterior ao da primeira guerra mundial. Para termos uma ideia, de acordo com Mingst (2009, p.32), “O final da Primeira Guerra Mundial testemunhou mudanças críticas nas relações internacionais. Em primeiro lugar, três impérios europeus estavam enfraquecidos e por fim, entraram em derrocada perto da Primeira Guerra Mundial.”

A autora aponta que o Império russo cairá com a revolução bolchevique, estando “o czar deposto e, a certa altura, substituído não apenas por um novo líder (Lenin) mas por uma nova ideologia que teria profundas implicações para o restante do século XX”. O antigo Império Austro-Húngaro “também esfacelou-se e foi substituído por Áustria, Hungria, Tchecoslováquia, parte da Iugoslávia e parte da Romênia. O Império Otomano também foi reconfigurado.” (MINGST,2009, p.32).

De acordo com Hobsbawm (2007, p.39) após o tratado de Versalhes “o mapa da Europa tinha de ser redividido e retraçado. (…). Na Europa, o princípio básico de reordenação do mapa era criar Estados-nação étnico-linguísticos, segundo a crença de que as nações tinham o “direito de autodeterminação”.

Assim sendo, Michael Mann em seu livro Fascistas, expõem o cenário da europeu do entre guerras como dividida em “Duas Europas”: uma democrática e outra autoritária.

De acordo com o Mann (2007, p.61), o mapa político da Europa no entre guerras, revela dois subcontinentes, “duas Europas”, uma liberal democrática, a outra autoritária.” Para o autor “a democracia liberal compreendia um bloco único de 11 países em todo o noroeste: Finlândia, Suécia, Noruega, Dinamarca, Islândia, Irlanda, Grã-Bretanha, Holanda, Bélgica, Suíça e França. (2007, p.61).

“Os países do noroeste compartilhavam muita coisa além do Estado-nação liberal democrático, e sua coesão geográfica permitia o fluxo de mensagens ideológicas comuns. (MANN, 2007, p.62).

Ao retratar os países autoritários, Mann (2007, p.62) coloca que “a família orgânico-autoritária também formava um único bloco geográfico, constituído, entretanto de duas zonas históricas e socioculturais bastante distintas”. Mann enfatiza em seu livro os autoritarismos e fascismos nas regiões de países como Itália, Alemanha, Áustria, Romênia, Hungria e Espanha. (MANN, p.5,2007). O mapa 1 abaixo retrata tal realidade

Mapa 1 — As duas europas do entre guerras 1919–1939

Costa e Mello afirmam que:

Tal ascensão autoritária em tais nações deu-se pelo fato de que “as nações que entraram tardiamente na fase industrial e na corrida colonial-imperialista do final do século XIX mostraram-se mais propensas à instauração de regimes fascistas. Nestas, o Estado totalitário serviu para acelerar o processo de monopolização interna do capitalismo e estimular ao mais alto grau o expansionismo, características básicas da política econômica imperialista. Para tanto, a ideologia fascista forneceu as diretrizes políticas fundamentais de organização de um Estado radicalmente intervencionista, buscando, em curto espaço de tempo, implementar as transformações que, em países como Grã-Bretanha, França e Estados Unidos, já se processavam havia tempos (2001, p.316).

Os fatores externos devem ser levados em conta para a elevação do partido nazista ao poder, assim como o fascismo italiano. De acordo com Costa e Mello (2001, p.316)

As crises econômicas particulares que atravessavam os países em momentos de crises, o ressentimento gerado pelos tratados do pós-guerra, a radicalização dos movimentos operários e camponeses, o temor da burguesia europeia diante do exemplo da Revolução Russa de 1917, a desunião dos partidos não fascistas são aspectos que contribuíram diretamente para possibilitar a Ascenção do fascismo.

O Terceiro Reich comandado por Adolf Hitler nasceu desse cenário. De acordo com Holmes (2009, p. 56)

Desesperado por procurar um desculpa pela derrota alemã na guerra e sua falta de sucesso em sua carreira profissional, Hitler adotara uma sinceridade franca quanto ao credo de que o povo alemão foram vítimas de uma punhaladas nas costas de socialistas e judeus”. A sua retórica de um ressurgimento de nacionalismo alemão e um Estado militarizado favoreceu o apoio dos partidos conservadores, entretanto, assim como Holmes destaca “O comando militar alemão jurara devoção e aliança a Hitler pois ele prometera o ressurgimento militar, entretanto os militares encontraram-se incapazes de controlar suas ambições militares.

Hitler acreditava que a Alemanha deveria ressurgir como uma nova potência e retomar o espaço vital, ou seja, seus territórios perdidos. De acordo com o próprio em sua obra Minha Luta, em trecho traduzido aqui por James Murphy, ele coloca a questão do espaço vital, ou lebensraum, como:

O Estado é uma comunidade de seres vivos que possuem parentescos físicos e de naturezas espirituais, organizados com a proposta de assegurar a conservação de seus própria espécie e ajudar a cumprir tais finalidades pela qual a providência assim assignou a particular raça ou categoria” (HITLER a, p.126).

Em segundo livro oficial não publicado, mas cujos textos ficaram guardados, reconhecido comoZweites Buch, Hitler enfatiza tal ação do espaço vital de forma menos subjetiva, como “A política externa é a arte de salvaguardar momentaneamente, um espaço vital necessário, em quantidade e qualidade, para um povo” (HITLER b, 1928, p.15). Além disso, no mesmo livro, enfatiza que “Jamais sacrificaremos o sangue de nosso povo para abranger pequenas retificações de divisas geográficas, apenas os territórios que garantirão a expansão e a sustentação de nosso povo. Tal objetivo nos visa o leste” (HITLER b, 1928, p.197).

De acordo com Kershaw (2010, p.188) “A guerra contra a Rússia, através da aniquilação do “bolchevismo judeu”, traria ao mesmo tempo a salvação da Alemanha ao lhe proporcionar um novo “espaço vital”. Apesar de ser bastante simplista, como reitera o autor, tal afirmação é “A inovação dos princípios mais brutais do imperialismo, racismo e antissemitismo do fim do século XIX, transpostos para a Europa oriental do século XX, era uma infusão inebriante para os que estavam dispostos a consumi-la”.

Ao chegar ao poder, Hitler dera início à sua política de expansão, no período reconhecido como as agressões da década de 30. Para reiterar tal ponto, de acordo com Costa e Mello (2001, p.339):

A Alemanha desencadeou uma sequência de agressões e anexações. Em 1936 houve a ocupação de tropas da Renânia, região desmilitarizada que fazia com a França. Em 1938, a Alemanha realiza a anexação forçada da Áustria, conhecida como Anschluss, justificada por Hitler como a união da raça pura, já que o povo austríaco era considerado de raça ariana.

Em 1938 ocorre a crise dos Sudetos. A partir daqui tanto a Grã-Bretanha e a França opuseram-se a essa pretensão, defendendo a integridade do território tcheco. Diante de tal impasse, Benito Mussolini propôs a realização da conferência de Munique, ocorrida em 30 de setembro daquele ano. (COSTA e MELLO, 2001, p.339)

Dela participaram Hitler, Mussolini, Chamberlain, primeiro ministro britânico; e Daladier, chefe do governo francês, os quais, para evitar a guerra, decidiram entregar os Sudetos aos alemães, desde que o restante da Tchecoslováquia continuasse independente. Os representantes tchecos, principais interessados na questão, aguardaram do lado de fora da reunião, não podendo participar das soluções. (COSTA e MELLO, 2001, p.339)

Entretanto de nada adiantara, em março de 1939, Hitler efetuou o desmembramento da Tchecoslováquia, cabendo parte do seu território à Polônia e a Hungria, enquanto as regiões da Boêmia e da Morávia, tornaram-se protetorado do Reich. O líder alemão conquistou assim posição estratégica para uma futura invasão da Rússia. (COSTA e MELLO, 2001, p.340). Até 1939 a Alemanha havia conquistado boa parte de seus territórios perdidos no pré guerra, assim como segue o Mapa 2 abaixo.

Mapa 2 — Expansão geográfica alemã de 1933 a 1943.

A União Soviética não ficara de fora diante de tantos ataques e revezes diplomáticos como foram citados. Após a morte de Lenin em 1924 a consolidação de Stalin no poder, a União Soviética tomou rumos bastante diferentes. De acordo com Holmes (2009, p.66), “Em 1929 Stalin havia feito de si o indiscutível mestre da União Soviética e líder do movimento comunista mundial.” O autor reitera que “Stalin era obcecado em assegurar a sobrevivência da União Soviética em um mundo hostil. Ele via em si como o governante de um país fraco e atrasado que deveria se transformar em uma velocidade arriscada, a partir de uma sociedade camponesa para uma industrial. (HOLMES, 2009, p.67).

De acordo com Costa e Mello (2001, p. 305)

A ascensão de Stálin assinalou o início de uma nova política econômica, baseada no abandono da Nova Política Econômica de Lenin e na adoção dos planos quinquenais.” Tal plano previa “O incentivo à indústria pesada e à coletivização da agricultura, através da qual a propriedade privada da terra foi substituída por cooperativas, os kolkhozes, e por granjas estatais, os sovkhozes.

Para Costa e Mello (2001, p.306)

Na década de 1930, enquanto o mundo capitalista atravessava uma grande crise econômica, a União Soviética, isolada dele, lançava as bases para a construção do “socialismo num só país”. O desenvolvimento econômico conquistado com os planos quinquenais dotava o país de uma infraestrutura que teria um papel decisivo na vitória da União Soviética sobre a Alemanha, cujos germes nazifascistas já se formavam

Enquanto tais cenários ocorriam com a Alemanha nazista e a União Soviética com as iniciativas stalinistas, as democracias praticavam a política de Apaziguamento. De acordo com Kelly (2013, p.236) “um apaziguador acredita que ele não é poderoso o suficiente para derrotar um tirano. Portanto faz concessões a fim de evitar a guerra. Suas concessões o enfraquecem e suas concessões fazem o tirano mais forte.”. O autor reitera tal prática realizada na década de 30 como “A ideia de confrontar a Alemanha novamente para conter Hitler foi abandonada pelos primeiros ministros britânicos conservadores Stanley Baldwin e seu sucessor, o também conservador Neville Chamberlain”. (KELLY, 2013, p.236).

Kelly reitera que (2013, p.237) “a predisposição apaziguadora estava enraizada na política britânica, que não ofereceu nenhuma resistência às quebras sistemáticas praticadas por Hitler das condições do Tratado de Versalhes assinado ao final da 1ª Guerra Mundial — incluindo a remilitarização da Renânia — ou quanto às suas leis contra os judeus”. Além disso “No tratado de Munique, Hitler ficou perplexo com sua fácil vitória, vendo a Tchecoslováquia sendo entregue de mão beijada por seus amigos”.

De acordo com Costa e Mello (2001, p.337) “Nessa época, o mundo contava com a Liga das Nações, órgão internacional que tinha por objetivo manter a paz e a ordem entre os diversos países. (…).”. Os autores reiteram ainda que “Quando algum país menos importante era agredido, as decisões da Liga das Nações eram quase sempre brandas em relação aos agressores, pois França e Grã-Bretanha temiam criar conflitos com as potências expansionistas”. A figura 2 abaixo, através de charge de Belmonte, retrata bem a realidade de Munique e o posicionamento das nações antes as ambições de Hitler.

Figura 2 — Chamberlain e Hitler: Política de apaziguamento e a questão da Tchecoslováquia

De acordo com Record (2005, p.5)

O apaziguamento anglo-francês direcionado pela fraqueza militar apercebida e o medo da guerra, não fizeram nada a não ser estimular o apetite insaciável de Hitler quanto a expansões territoriais (e o seu desprezo pelas lideranças inglesas e francesas), enquanto ao mesmo tempo minando a segurança das democracias”

Para Record (2005, p.12), o maior erro acometido pelas lideranças democráticas fora “A interpretação equivocada das intenções expansionistas de Hitler”.

Diante de tais cenários, logo em 1939, as preparações para uma futura guerra estavam prestes a ocorrer e para tanto, dois países antagônicos quanto as suas ideologias surpreenderiam o mundo através de um pacto de não agressão: A Alemanha nazista e a União Soviética.

A aproximação nazi-soviética

De acordo com Kissinger (1994, p.333), “Em termos de conduta das relações internacionais, Stalin era um realista supremo — paciente, perspicaz, e implacável”. De acordo com o autor, para Stalin “Nada justificava lutar batalhas sem esperanças e causas duvidosas. Filosoficamente, o conflito ideológico com a Alemanha nazista era parte de um conflito geral entre os capitalistas que, até onde Stalin estava preocupado, envolvia a França e a Grã Bretanha.” (KISSINGER, 1994, p.334).

Do início da década de 30, Stalin havia iniciado o que Kissinger (1994, p. 335) coloca como “A mais extrema possibilidade de uma coalização contra a retórica anti-bolshevista de Hitler”.

De acordo com Kersaudy (2006, p.42) “As intenções de Hitler quanto ao “espaço vital” a leste tiveram de ser levadas a sério: a exacerbação da propaganda anticomunista dos nazistas, assim como a conclusão do pacto germano-polonês do começo de 1934, mostrava claramente que o Führer estava disposto a concretizar suas ideias.” O autor reitera que “a ideia de uma cruzada antissoviética por Hitler tratava-se de uma possibilidade real de acordo com Stalin”

Stalin, entretanto, sabia jogar diplomaticamente. De acordo com Kissinger (1994, p.335) “Stalin sabia colocar a sus orientações em jogo, no 17º Congresso do Partido em janeiro de 1934 dissera que “não é uma questão de fascismo, mesmo por que ele está presente na Itália, a URSS não deixou de estabelecer as melhores relações com tais países… A nossa orientação no passado é a mesma do presente, voltada à União Soviética, e a União Soviética apenas. Caso os interesses da URSS demandem a reaproximação com um país ou outro caso não esteja interessado em perturbar a paz, adotaremos esse curso sem qualquer hesitação.”

Para Kissinger (1994, p.335), “Stalin jogava o jogo realista. Enquanto as democracias, rejeitando tal visão, tinham a preconcepção de que as boas relações entre as nações partiam do princípio da segurança coletiva e que a hostilidade ideológica impedia qualquer possibilidade de cooperações práticas entre fascistas e comunistas”. Assim sendo, Stalin, relutantemente deu início a uma política para contê-la, após Hitler iniciar seus discursos anti-bolshevistas.

A União Soviética, sob a regência do Ministro de Relações Exteriores, Maxim Litvinov, conseguira colocar a União Soviética na Liga das nações. (KISSINGER, 1994). Tal estratégia, aponta o autor “Colocava Stalin a partir dos princípios da retórica da segurança coletiva, tal qual partia da estratégia de conter o que Hitler colocara em Mein Kampf quanto a União Soviética como seu principal alvo. A estratégia de Stalin era extrair o máximo de assistência do mundo capitalista e não fazer paz com ele”. (KISSINGER, 1994, p.336).

No entanto, no final da década de 30, a desconfiança de Stalin quanto a supostas intenções contrárias ao anti-bolshevismo de Hitler ficaram evidentes através da política de apaziguamento e uma suposta reaproximação das potências ocidentais à Alemanha nazista, principalmente no Acordo de Munique. De acordo com Mello e Costa (2001, p.343)

A União Soviética possuía motivos para acreditar que França e Grã-Bretanha pretendiam jogar o 3º Reich contra si, pois, na invasão da Tchecoslováquia, França e União Soviética faziam parte de um acordo estabelecendo que, se a Tchecoslováquia fosse agredida, a França defenderia primeiro e só depois os soviéticos auxiliariam. Quando a França traiu a aliança com a Tchecoslováquia, os soviéticos desconfiaram que França e Grã-Bretanha pretendiam livrar-se da agressão alemã incentivando-a a expandir-se para o Leste.

De acordo com Kersaudy (2006, p. 44), Para Stalin, o episódio de Munique teve um significando ainda mais nefasto:

“A União Soviética fora excluída das negociações e, acima de tudo, Stalin temia que, na ocasião, Chamberlain e Dalaider tivessem incitado o Führer a orientar as suas ambições para o leste. De acordo com o autor “No mesmo dia em que as proposições de pacto de assistência foram transmitidas aos franceses e britânicos, o embaixador soviético em Berlim, Merekalov, anunciou às autoridades alemães tinha o desejo de instaurar “relações normais” com a Alemanha, “as quais podiam melhorar ainda mais” (KERSAUDY, 2006, p. 45).

Chamberlain havia selado um acordo com Hitler em que tanto a Grã-Bretanha quanto a Alemanha não entrariam em conflito. (Kersaudy, 2006).

Tal ocasião do Tratado de Munique fez com que Stalin adotasse uma estratégia diplomática totalmente diferente, de acordo com Kissinger “A partir de agora, Stalin abrira um bazar para apostas para um pacto soviético, pelo qual as democracias não tinham chances caso Hitler fizesse uma oferta muito maior. (KISSINGER, 1994, p.337).

Às vésperas de 1939, a Polônia era o próximo alvo de Hitler. Ele já havia deixado claro em seu livro não publicado, Zweites Buch, o que pensava sobre o fato da Prússia Ocidental não estar ligada ao 3º Reich “A Prússia Ocidental está escravizada sob o julgo Polonês” (HITLER b, 1928, p.90).

De acordo com Kissinger “Após Munique, a Polônia era certa de se tornar o próximo alvo da Alemanha. Já que Stalin não gostaria de enfrentar o exército alemão em suas fronteiras soviéticas existentes e tão pouco Hitler, uma quarta partição da Polônia seria a única alternativa”. (KISSINGER, 1994, p.338).

Um consenso na época de uma possível aproximação entre a Alemanha e a União Soviética já era explícita na própria imprensa europeia, o que atualmente tido no senso comum de que o Pacto Nazi-Soviético fora uma surpresa a todos apenas quando fora assinado. Tal afirmação é apresentada por Kissinger de que

Em 27 de janeiro de 1939, o jornal londrino News Chronicle, publicara o seguinte: “No presente momento, o governo soviético evidentemente não possui intenções de ajudar a Grã Bretanha e a França, caso a última entre em conflito com a Alemanha e a Itália…. Do ponto de vista do governo soviético, não há grande diferença entre as posições dos governos britânicos e franceses de um lado e os governos alemães e italianos de outro, o que justificaria sérios sacrifícios no que tange a defesa da democracia Ocidental”. (1937, apud, News Chronicle).

Para tanto, após o Tratado de Munique, de acordo com Kissinger “Stalin havia decidido quebrar a sua estratégia de segurança coletiva em definitivo, assegurando neutralidade soviética quanto ao conflito entre países capitalistas” (KISSINGER, p.339).

De acordo com Kersaudy (2006, p.41), entre 1938 e 1939 deu-se uma série de ações diplomáticas.

Em fevereiro de 1939, os agentes de Stalin o informaram sobre as primeiras diretrizes do Führer para uma campanha contra a Polônia. Em 17 de abril, o ministro de relações externas, Litvinov, propôs a Inglaterra e à França um pacto de assistência mútua. Mas, no mesmo dia, encarregou o embaixador soviético em Berlim, Merekalov, de fazer saber às autoridades alemãs que a URSS desejava melhorar suas relações com o país, “sem que as divergências ideológicas constituam um obstáculo

Kersaudy (2006, p.41) coloca que “em 23 de Agosto de 1939, Hitler fixou a data de ataque contra a Polônia no início de julho de 1939. Mas a Inglaterra deu sua garantia ao governo polonês, e não convinha arriscar uma guerra em duas frentes; dessa vez, nos contatos germano-soviéticos Hitler é que foi solicitante, dispondo-se a dividir os despojos da Polônia”.

Kersaudy ainda afirma que (2006. P41), “Stalin recebera, no início de agosto, uma informação capital: a data da invasão da Polônia fora fixada para o dia 26 daquele mês. Compreendeu então a pressa de Hitler em concluir um acordo para neutralizar a URSS.”

De acordo com Roberts (1992, p.58) “A Alemanha nazista iniciou a sua jornada por um pacto com a URSS na primavera de 1939 e de princípio buscava atingir duas metas: a prevenção de uma aliança anglo-francesa-soviética e a neutralidade em um evento quanto a um conflito germano-polonês”.

Para Kersaudy (2006, p.45)

Com as primeiras ameaças alemãs contra a Polônia, os acontecimentos tomaram rumos inesperados: tendo abandonado a Áustria e a Tchecoslováquia à sua própria sorte, as democracias agora de declaravam dispostas a lutar pela Polônia, mesmo tendo firmado um pacto com Hitler, em 1934, e ajudado a Alemanha a despedaçar a Tchecoslováquia quatro anos depois”.

O autor reitera ainda que (KERSAUDY, 2006, p. 46) “Para Stalin, foi uma decisão sumamente irracional, mas que lhe abriu perspectivas interessantíssimas: os alemães, tanto quanto os franco-britânicos, precisavam da ajuda das autoridades soviéticas e, Stalin ficaria na posição de árbitro.”

Kersaudy (2006, p.46) ainda explica que “Moscou já não se sentia vinculada à aliança franco soviética e negociaria com quem oferecesse mais”. “A missão militar inglesa chegou à União Soviética no mais lento dos barcos, os membros da delegação franco-britânica não tinham sequer mandatos para comprometer seus respectivos países.

Dmitri Volkogonov, autor da Biografia Stalin retrata muito bem a ocasião das tentativas diplomáticas da França e Grã Bretanha com a União Soviética. De acordo com Volkogonov (2004, p.363) “Nos primeiros dias de agosto de 1939, a equipe de Beria preparou dossiês extensos sobre os membros das missões militares ingleses e francesa.” (…) “De acordo com Stalin, ao saber sobre as informações do comitê, relativamente pessoas de pouca expressão, comentou com Molotov que “Eles não estão sendo sérios. Essa gente (comitê) não tem autoridade de decisão. Londres e Paris estão de novo jogando pôquer, mas gostaríamos de saber se eles são capazes de levar adianta manobras europeias” (VOLKOGONOV, p. 364, 2004).

Para Kersaudy (2006, p.46) “as sondagens efetuadas em Berlim convenceram Stalin de que a Alemanha podia lhe oferecer mais do que as democracias: a parte oriental da Polônia e os países bálticos; a garantia de não compartilhar imediatamente a sorte da Polônia e a perspectiva de ver o poderio da Wehrmacht desviar-se para o Oeste.

Estava assim dada o início das conversações de um possível pacto entre a União Soviética de Stalin e o Terceiro Reich de Adolf Hitler.

A assinatura do pacto de não agressão

De acordo com Kissinger (1994, p.351) “O Pacto Nazi-Soviético fora uma repetição da partilha da Polônia realizada entre Frederico o Grande, Catarina a Grande e a Imperatriz Maria Teresa em 1772. Diferente desses três monarcas, entretanto, Hitler e Stalin eram adversários ideológicos”.

A ideia principal de Stalin era, assim como reiterado por Walt, “Uma possibilidade de ganhar tempo e territórios ao aliar-se a Alemanha (WALT, 1984).

De acordo com Overy (2008, p. 20) “Stalin e Hitler tinham um desejo em comum em não entrar em conflito com o outro: Hitler precisava da neutralidade soviética para ter certeza em isolar a Polônia, sua próxima vítima. Stalin queria uma garantia de que a União Soviética não seria dragada em uma guerra europeia”.

O livro de Dmitri Volkogonov, ex coronel –general do exército soviético, teve total acesso ao arquivos do Partido Comunista da URSS e remontou claramente como foram dadas as negociações nazi-soviéticas e os seus preparos. De acordo com Volkogonov (2004, p. 366) ao referir-se a decisão de Stalin a optar por um acordo com a Alemanha, coloca que “Pragmático como era, abandou os princípios políticos e, uma vez seguro de que as conversações anglo-franco-soviéticas não dariam em nada, recorreu à opção alemã assiduamente oferecida por Berlim. Seu raciocínio foi o de que não havia outra escolha”.

Stalin procurou entender tudo sobre o fascismo,

Depois de debater com o Politburo as providências para ativar o contato com Berlin, e que instruções deveriam seguir para o enviado soviético lá, determinou que Dvinsky, assistente de Poskrebyshev, descobrisse toda a literatura disponível sobre Hitler, fascismo e suas origens sociais”. “Passou um bom tempo com Mein Kampf de Hitler, sublinhando as passagens em que o autor escreveu sobre a impulsão eterna da Alemanha para o sul, seu novo interesse no leste e na colonização de novas terras. (VOLKOGONOV, 2004, p. 366).

Stalin entendera a estratégia de Hitler ao ler o que o ditador alemão colocara em seu livro:

E quando se fala em terras novas na Europa, só se pode pensar na Rússia e em suas áreas fronteiriças. … O objetivo futuro de nossa política externa não deve ter uma orientação para o Ocidente ou para o Oriente, mas uma política para leste no sentido da aquisição do território que necessitamos para nossa nação germânica”. Stalin viu, ao ler aquelas linhas, que nada deteria Hitler. (VOLKOGONOV, 2004, p.366).

Stalin ainda coloca em suas anotações que “Hitler não sabe o que promete, suas promessas não podem ser as de um parceiro confiável. Ele as quebra de acordo com seus interesses…” (VOLKOGONOV, 2004, p.367).

As conversas entre Alemanha e URSS dariam início em meados de agosto. Como indica Volkogonov “Em 17 de agosto, Molotov (Min de Relações Exteriores Soviético) recebera Schulenburg (Embaixador alemão em moscou), o qual declarou que as conversações deveriam começar com Ribbentrop (Min das Relações Exteriores alemão) naquela semana. (VOLKOGONOV, 2004, p. 368).

O autor reitera que “Um acordo de crédito e comércio havia sido assinado de forma rápida, uma exigência do próprio Molotov para que as conversas do pacto de não agressão fossem dadas de forma prévia. (VOLKOGONOV, 2004, p.368).

Molotov concordara com uma visita de 26–27 de agosto de Ribbentropp em Moscou. Para Hitler, tais datas eram extremamente tardias, já que as datas estavam planejadas para atacar a Polônia. Hitler perdera a paciência e enviou um telegrama a Stalin (VOLKOGONOV, 2004, p. 369)

A Carta reitera a urgência de se assinar o quanto antes o pacto e estabelecer uma data, senão para o dia 22 de agosto. (VOLKOGONOV, 2004, p. 369)

Stalin concordara com Molotov de receber o ministro Ribbentrop em moscou na data proposta, assim como coloca Volkogonov (2004, p. 370) a mensagem fora enfática e a data aprovada pelo ditador Soviético”.

De acordo com Volkogonov (2004, p. 370), Ribbentrop voou para Moscou em 23 de agosto e, no mesmo dia, o Pacto de Não-Agressão foi assinado. Sua duração estava prevista para dez anos.

De acordo com a Lithuanian Quarterly Journal of Arts and Sciences (1989), o mesmo previa clausulas como “não agressão entre as duas partes, não assistência militar em caso de agressão por uma terceira parte, troca de informações militares entre as duas partes, pacto com a validade de 10 anos”. As Vias foram assinadas em russo e alemão.

Feito o tratado, tanto a União Soviética e a Alemanha Nazista estavam agora seladas em um acordo de não agressão. Entretanto, protocolos secretos foram assinados visando a criação de esferas de influência. De acordo com Overy (2011, p.20) “Um protocolo secreto dividiu o leste europeu em esferas de influência: Finlândia, Estônia, Letônia, partes da Polônia e a Romênia sob a égide da União Soviética. Lituânia e uma parte da Polônia para a Alemanha.”

De acordo com a Lithuanian Quarterly Journal of Arts and Sciences (1989): “Foram estabelecidas esferas de influência entre União Soviética e Alemanha, estando a Finlândia, Estônia, Letônia e Lituânia a ser dividia pelas duas partes, incluindo a divisão da Polônia em duas regiões.

Assim sendo, realizado o pacto estava dado o início os preparativos da Segunda Guerra Mundial e a divisão das esferas de influência entre a União Soviética e a Alemanha. De acordo com Overy (2004, p. 21) “Hitler estava satisfeito com o pacto já que acreditava que a Grã-Bretanha e a França jamais ousariam em defender a Polônia sem a ajuda soviética. (…) Para Stalin o pacto era uma necessária peça de diplomacia realista; para Hitler era uma peça de um cálculo cínico.” A figura 3 a seguir demonstra como as esferas de influências da parte soviética e alemão ficaram desenhadas. Em 1º de setembro de 1939, Hitler invade a Polônia.

Figura 3 — Divisão de esferas de influência entre URSS e o 3º Reich de acordo com o pacto Molotov Ribbentrop

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