Tokens: uma palavra, muitos conceitos e algumas categorias

courtnay guimaraes
9 min readAug 14, 2018

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Se estávamos acostumados a chamar de token aqueles chaveiros de segurança, com senhas aleatórias, distribuídos por empresas e bancos, o mundo cripto deu um novo significado à palavra. Token agora pode se referir a moedas, pode viabilizar contratos, pode ser um “combustível” para rodar protocolos de DATPs, pode ser um ativo de uma empresa, um objeto colecionável. E as possibilidades certamente ainda não se esgotaram.

Considerando o cenário que temos hoje, decidi elaborar uma classificação de tokens para facilitar o entendimento. Fiz uma divisão em quatro categorias, sendo que cada uma considera um aspecto: Técnico, Econômico, Funcional e Regulatório.

Aspectos técnicos

Esta divisão considera a forma como o token foi criado. Há dois grupos:

Coins — As criptomoedas são um tipo de token 100% criado a partir de mineração. É o token dos blockchains tradicionais. O maior exemplo é o bitcoin. Têm uma função muito parecida com o dinheiro e serve para pagamento de serviços e produtos.

Tokens — Foi o nome convencionado para os tokens emitidos, que surgem sem a necessidade de mineração. E são tipicamento oferecidos em ICOs. No mundo cripto, quando alguém fala em token hoje, se refere 99% a esse tipo. Os tokens emitidos são derivados do ETH, da plataforma Ethereum. A maior contribuição do mundo Ethereum para este tipo de token foi o padrão ERC20 (ERC quer dizer Ethereum Request for Comments, e 20 é o número de identificação único da oferta). Antes desse protocolo, não havia um padrão para a criação de contratos inteligentes na emissão de tokens, o queo gerava muitos problemas de compatibilidade. O ERC20 facilitou (e muito) a emissão de novos tokens. A maior consequência disso? A enxurrada de ICOs realizados a partir de então. Aqui, vale uma observação sobre os próprios ETHs: ainda que eles tenham sido emitidos em um primeiro momento, passaram a ser minerados depois. Porém, enquanto o token do Bitcoin é uma moeda virtual, que pode pagar o cafezinho da esquina, o token do Ethereum é um token de protocolo, cuja função existencial é rodar o código, como veremos daqui a pouco.

Dentro dos aspectos técnicos, há outra característica importante para os tokens, que é a fungibilidade. Um bem fungível é algo que pode ser replicado sem perder o valor. É o caso de uma cédula de dinheiro. Existem várias notas de R$ 100 e todas têm o mesmo valor. Ou seja, o dinheiro é um bem fungível. Já um carro é um bem único, portanto não fungível. Um Fiat 147 não é igual a outro Fiat 147, por isso os carros têm o número do chassi e o Renavam, o registro nacional do veículo. São as informações que ajudam a diferenciá-los.

Trazendo essa característica para o mundo cripto, é o padrão ERC20 torna os tokens um bem fungível, uma vez que todos são emitidos a partir de um mesmo modelo de contrato inteligente. Já o bitcoin é um bem não fungível, porque cada bitcoin minerado é único. Outro token não fungível são os CryptoKitties, aquelas figurinhas digitais colecionáveis de gatinhos, sobre as quais já falamos em outros artigos. Por serem únicas, já estimulam um comércio paralelo de cards. E pasme… já chegaram a pagar US$ 140 mil por um card.

Se eu consigo fazer isso com o CryptoKitties, eu consigo fazer com que qualquer ativo digital seja único, como uma foto, um vídeo ou uma música. Essa é a função desse tipo de token. Este atributo dos tokens enche os olhos do mercado financeiro, ávido por emitir ações de empresas usando estes dispositivos. Mas as discussões para colocar isso em prática estão apenas no começo.

Aspectos Funcionais

Fazendo um recorte do universo cripto pela funcionalidade dos tokens, há três grupos:

Consumer — é o token que serve para pagar pelo uso da “rede”. Só para isso. É o caso do ETH, que paga a rede do Ethereum. Ele foi feito para isso. No entanto, há efeitos colaterais inesperados desta utilização, entre eles, a especulação. Como esses tokens podem ser listados e vendidos nas exchanges, eles saem do controle do seu criador, já que podem passar de mão em mão.

Funding — o modelo de token comprado em um ICO. A maior parte dos compradores pode achar que está comprando uma participação no empreendimento anunciado, mas na verdade, está fazendo uma doação, uma espécie de crowdfunding. Podemos subdividir esse grupo em dois modelos:

1. Donation — É o modelo principal usado nas campanhas para levantar recursos para empresas do mundo cripto. Quem faz a compra, está fazendo uma doação, sem direito a nenhuma participação na empresa. Basta ler no white paper para saber que quem compra o token tem direito somente ao token. E por que as pessoas acham que estão comprando participação? Na maior parte das vezes, porque foram iludidas. Há muitos compradores que apenas especulam, sonhando em ter o token a 1 centavo e depois vender por US$ 1.600,00, que foi o que aconteceu com o ETH. O único problema é que nem todas as iniciativas têm sucesso. A chance de tudo virar pó existe e não deve ser menosprezada.

2. Equity ou security tokens — São tokens criados a partir de ativos do mundo real com um único objetivo: especulação. O grande problema de quem participa desse mercado é que ele pode dar cadeia. Isso porque é regido pelas leis do mercado de capitais e, se o comprador fizer alguma transação fora do padrão, terá de acertar as contas com a Justiça. Quem vende um equity token para um norte-americano, ainda que a empresa esteja na Suíça ou na Ásia, pode ser preso quando entrar nos Estados Unidos eu por ter feito uma transação que lá é proibida.

Asset Baked Tokens — São os tokens de ativos reais, como ouro, diamante ou um apartamento. A diferença deles para security token é que o asset baked token é um token que aponta diretamente para um ativo, sem a necessidade de um contrato intermediário entre eles. Esta modalidade também é regulada e pode levar seus adeptos para a cadeia se a cartilha dos mercados não for seguida.

Aspectos econômicos

Considerando a questão econômica, podemos dividir os tokens em cinco grupos:

Utilitário — Um token pode ser considerado utilitário quando ele gera uma transação cujo objetivo principal é fazer alguma coisa, como pagar um trajeto de carro do Arcade City, o Uber versão cripto. Quem compra este tipo de token quer utilizar um serviço e não investir ou especular.

Investimento — São os tokens de empresas. Quem compra tem o objetivo de investir e não de utilizar um serviço. Para quem emite esse tipo de token, há um risco. Ainda que ao fazer um ICO uma empresa deixe claro que comprar o token não dá direito a nada e não é garantia de lucro, se o comprador disser que foi enganado e que teve uma promessa de retorno sobre o investimento, o token passa a ser considerado uma security — mesmo que essa não seja a intenção. Aí, o vendedor será processado por órgãos como a SEC (Securities and Exchange Commission). Quem contratou uma celebridade para vender o seu token está na mira da SEC, assim como quem colocou o logo de seu token em uma Lamborghini, no meio de Nova York.

Transporte de valor — É o “efeito diamante”. Este já tem sido um recurso usado por países que passam por dificuldades econômicas, como a Venezuela. Por serem pequenos, os tokens são facilmente transportados e podem carregar valores altíssimos, assim como os diamantes.

Especulação — Para os amantes do trade, que compram e vendem com frequência para obter lucro rápido, assim como no mercado financeiro tradicional. Afinal, fazer 5% de lucro em apenas uma tarde parece um negócio atraente.

Reserva — A diferença entre reserva e investimento é que quem investe quer aumentar o valor aplicado. Já na reserva, o “poupador” não se importa se seu patrimônio permanecer igual. O objetivo é somente não perder, mantendo o patrimônio protegido, como acontece com imóveis fora do mundo cripto. Quem compra uma casa nunca imagina que ela irá desaparecer e nunca perderá totalmente seu valor. Aqui entram os Asset Baked Tokens ou os very stable tokens, como o bitcoin. Ainda que seu valor varie muito de um dia para o outro, os puristas apostam que no longo prazo continuará sólido.

Aspecto Regulatório

Nesse grupo, há mais dúvidas do que certezas. Ainda não há uma regulamentação ou instituições para ditar regras para toda a cadeia de tokens. Na maior parte das vezes, há uma tentativa de adaptar a regulamentação do mundo físico para este novo mundo cripto. Mas essa tarefa não é nada fácil.

Há três personagens principais envolvidos aqui, os emissores, os comercializadores e os owners. Os emissores são os que mineram ou simplesmente emitem um token. Os comercializadores são as exchanges, que intermediam as operações de compra e venda e os owners, como o próprio nome diz, são os donos, as pessoas que têm tokens na carteira.

Hoje no Brasil é permitida a compra e a venda de BTC e ETH. Mas não se pode vender o Augur, porque é um token que foi emitido por ICO e não minerado. Mas se o ETH também foi emitido num primeiro momento, porque ele pode ser comercializado como um BTC? Uma pessoa que comprou uma ação da EOS deve declará-la como o quê? Uns dizem que por ser um artigo criptográfico, deve ser declarada como o bitcoin, que é interpretado como dinheiro vivo, mas a tributação para ações é diferente da tributação para dinheiro vivo. Essa é apenas algumas das muitas confusões regulatórias que envolvem este mundo.

Outra questão é a ausência de fronteiras. A movimentação de valores entre um país e outro é feita sem barreiras. Há três nós a serem desatados: o nó local, dentro de cada país; um nó global, que envolve regras que atendam transações internacionais; e um nó acordado, que envolve grupos de países com acordos comerciais e econômicos entre si, como é o caso do Mercosul e da Zona do Euro.

Imagine a seguinte situação: uma pessoa pode emitir um token aqui no Brasil para fazer um ICO de uma empresa chamada Moeda. O token foi emitido num banco suíço, foi comprado por chineses, e vai ser convertido em real para pagar a dona Maria, que planta abóbora e vende para as escolas de Ubá. Como regular toda essa movimentação? Os conceitos de criação, emissão e posse são absolutamente difusos quando se fala de token. Quem criou o BTC? Foi o minerador? Ou foi a pessoa que mandou fazer a transação? Foi a rede?

Junte-se a isso o fator insegurança. Como as operações não são rastreadas, abre-se espaço para fraudes nesse mercado. Uma pessoa pode ter um milhão de tokens na carteira e dizer que não é dela, que não foi ela que emitiu. Como saber se a máquina dela não foi usada como zumbi para emitir tokens para terceiros? Se de fato foi um golpe, os mesmos fraudadores que usaram essa máquina para emitir tokens podem pegar essa quantia, converter para Monero (uma moeda não rastreável) e mandar para qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo e ninguém vai saber onde o dinheiro foi parar.

Dois exemplos reais: a Venezuela emitiu 5 bilhões de sua criptomoeda chamada Petros. Quem comprou? Ninguém sabe. O Telegram, aquele aplicativo de mensagem que ganha fama repentina quando o WhatsApp é barrado pela Justiça, fez um ICO que arrecadou US$ 2 bilhões. Cadê os tokens do Telegram? Ninguém viu.

Essa falta de informação gera brechas para lavagem de dinheiro, tráfico de drogas e outros tipos de crime. Este é o nó criptográfico mais sério do mundo jurídico, pois atrapalha não só a regulamentação do mundo digital, mas a economia como um todo.

Enxergo este momento como uma transição da velha ordem para uma nova ordem. E todas as perguntas que estamos fazendo têm a ver com uma ciência chamada mechanism design. Regular ou desregular? Centralizar ou descentralizar? Os processos devem ser livres ou atrelados a um governo? Como balancear essas coisas todas no meio de tanta variável? Este é debate do momento.

Courtnay Guimarães Jr, pai, esposo, empreendedor, cientista e facilitador de aprendizado.

34 anos de experiência no mercado de ITC, com passagens por Oracle, SAP, HP, Vivo, Cargill e outras. Projetos e resultados em clientes como Itaú, Bradesco, Banco do Brasil, Banco Central, Ambev, BTG Pactual e outras.

No momento atua como investidor e empreendedor, sócio fundador da CGS Participações, atuando como executivo nas empresa investidas:

Cientista Chefe, CTO e sócio fundador da Idea Partners, braço de consultoria.

· Practices Head, nas linhas de:

o Transformação organizacional para perenidade (corporate venture building), focado em agilidade, governança, lean e arquitetura empresarial;

o Blockchain, analytics management, inteligência artificial e coisas na internet;

o Líder das verticais de serviços financeiros, banking e mercado de capitais.

Executivo interino das Investidas:

CTO/Founder da OR Hub, ChainTech para a área imobiliária;

CSO/Founder da MultiLedger, empresa de BaaS focada em DLTS;

CTO/Founder em uma asset de ativos crypto;

Advisor dos projetos:

FleuID, empresa de equity crowdfunding global;

Youtz, edTech Brasileira;

Fohat, Energy tech brasileira;

Rhizom, Chaintech de marketplaces brasileira;

GMT Token, empresa de mineração sediada na Estônia;

Moeda Seeds, chaintech brasileira (maior ICO do Brasil no momento);

Pesquisador:

Laboratorio de Sistemas Integrados, POLI/USP, Blockchain

ITS-GAESI/USP, blockchain

ITS-BBC/USP, blockchain

Comunidades:

Diretor de tecnologia e educação da Associação Brasileira de CryptoMoedas e Blockchain;

Lider do grupo de trabalho de taxonomia e arquiteturas da comissão ISO 307 (Blockchain), através da ABNT.

Economista, pôs graduado em marketing, especializações em banking, mercado de capitais e trading de alta frequência.

Professor de gestão de inovação e complexidade, apaixonado por inteligência artificial e cryptonetworks, já treinou mais de 2.000 pessoas nestas redes, nos últimos 2 anos, no Brasil e no mundo.

Palestrante e evangelista, está como pesquisador na USP.

p.s. Texto co-escrito e revisado por Atelier de Conteúdo.

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courtnay guimaraes

CTO & Digital Business Transformation Architect & Data Scientist, helping financial institutions to innovate using IT&C.