Os erros da minha primeira Páscoa Ortodoxa: observações de uma estranha — num ninho de ovos pintados à mão

Cristina Hélcias
4 min readMay 3, 2016

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Ovos de galinha: de coelho não

Cristãos Ortodoxos seguem, para a Páscoa, o calendário Juliano, enquanto Católicos, o Gregoriano. De acordo com um e com outro, as datas se movem dependendo da lua. Por alguma razão que o Google explica, esse movimento não coincide entre as duas folhinhas, fazendo com que Católicos e Ortodoxos celebrem o mesmo acontecimento em datas diferentes e que a minha pessoa presencie duas Páscoas, em um mesmo ano.

Vamos a ela!

No lobby do hotel, elas* (* senhoras instaladas sob encomeda, para encher os olhos dos estrangeiros) passaram a semana pintando ovos de galinha. Um trabalho delicado e minucioso: pegam os ovos, fazem um furinho para esvaziar o conteúdo e com uma varetinha fina, vão pintando diferentes padrões. Tudo lindo e colorido. A tinta, dizem, é corante natural, fazendo com que as cores e motivos variem entre regiões. Os ovos são decorativos e usados como presente de Páscoa. Mas, de onde veio esse costume, só fui descobrir algumas luas depois.

O feriado de Páscoa é tão longo quanto o nosso, com a diferença de que, oficialmente, como no resto da Europa — pelo menos na Suíça e na França -, o dia em que tudo fecha é a segunda, após o domingo, e não a sexta, como fazemos em casa.

Aprendemos que, à meia noite do domingo — do sábado para o domingo -, todos atendem a uma grande missa. Todos. Inclusive os não praticantes, os céticos, os motoqueiros com as suas motos e os cachorros com os seus humanos. Já explico.

Queríamos muito ver: pelo evento em si; pela chance de visitar uma das tantas Igrejas Ortodoxas, com seu estilo bizantino que enche os olhos de quem curte arte sacra.

Falaram para chegarmos cedo; disseram que o feriado era tão comemorado quanto Natal. Entendemos e obedecemos: planejamos sair cedo para jantar e segui o protocolo, escolhendo “trajes” formais, de missa Natalina.

Primeiro erro da noite: todos os restaurantes estavam fechados. A cidade tinha se tornado fantasma. Voltamos para o hotel onde, o máximo que conseguimos, foi comer hambuguer no bar, fazendo tempo para a tal da missa começar.

Segundo erro da noite: o meu traje “de Natal”, com direito a vestido, meião e salto. Estava frio e a porta da Igreja, lotada de gente. Estacionamos o carro onde — para não sair do enredo da Páscoa — Judas perdeu as botas e fui andando de salto e com frio, por muitos bons quarteirões.

Terceiro erro da noite: todo mundo carregava uma vela na mão. Menos eu. Desejei imensamente comprar de uma senhorinha com lenço amarrado na cabeça, fazendo as vezes de ambulante, mas não consigo entender números em romeno — nem nenhuma outra coisa — e sem vela fiquei.

Quarto erro da noite: presumimos que “chegar cedo” significava “encontre uma cantinho para se sentar”. Engano. Ao passarmos pela multidão e entrarmos na Igreja — muito bonita, com seus mosaicos que em nada decepcionaram! -, descobrimos que… não havia bancos; percebemos o altar montado na escadaria, fora da Igreja e entendemos que: zero bancos + altar do lado de fora = a missa em pé, no relento, o que explicava a falta de vontade da multidão em entrar na Igreja e, também, os grupos de motoqueiros e pessoas com cachorros que se acumulavam do lado de fora, todo mundo com a tal vela na mão. Menos eu.

Não, não tinha como ficar. Apreciamos os mosaicos o quanto deu. Nos misturamos naquela intimidade ritualística que não é a nossa, por quanto conseguimos e voltamos para o carro, muitos quarteirões abaixo. Foi quando o relógio virou o sábado em domingo e sons de sinos tilintaram pela cidade, enchendo o ar com aquela melodia imponente que só sino de igreja tem. Erramos; perdemos…

Mas, consegui algumas explicações. Tudo graças à Alina, a moça sorridente do café da manhã que, em francês ou inglês, conta o que nao entenderíamos em romeno.

Alina me diz que os ovos começaram cozidos e coloridos de vermelho, depois, foram ganhando outras cores — os pintados são ovos duros, feitos para comer — até começarem a ser estampados por artesãs talentosas — esses desenhadinhos, ninguém come -. Em casa, durante as refeições, cada um pega o seu ovo, fala para o amigo ao lado: “Ele ressucitou!”, e bate a ponta do ovo na ponta do ovo do amigo que responde algo como: “Sim, Ele vive!”, quebrando o outro lado do ovo, ainda intacto.

Ela explicou que eles começaram vermelhos por acreditarem que Maria Madalena levou uma cesta de ovos ao pé da cruz e que, ao ficarem por lá, terminaram manchados pelo sangue de Jesus.

Alina me contou, ainda, que aqui eles não trocam ovos de chocolate. Costume de americanos, segundo ela. A Páscoa é uma celebração religiosa e nada tem a ver com coelhos. Justo.

Perguntei, também, qual o significado das minhas desejadas velinhas. De acordo com ela, o Patriarca da Igreja Ortodoxa acende uma tocha na Basílica do Santo Sepulcro, em Jerusalém, e distribui esse mesmo fogo (tipo a tocha olímpica) para todos os presentes e representantes das Igrejas Ortodoxas espalhadas pelo mundo, que voltam com ele para casa. Aí, quando vamos à missa, acendemos a nossa velinha pessoal e levamos com a gente a chama entendida como sagrada

Achei bonito! Apesar dos erros… Na próxima, vou jantar em casa, calçar um tênis, vestir um bom casaco e levar a Vitória na moto do Chris, enquanto carrego a minha vela na mão.

No mais, ainda é tempo: boa Páscoa para você também; com ovos de coelho ou de galinha, elas sempre celebram os recomeços. Celebrei o meu. Amém!

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Cristina Hélcias

Relatos de uma vida pelo mundo e pitacos de uma personal stylist .