Hortas urbanas geram emprego e renda em bairros de Salvador

Curso A Tarde
5 min readDec 23, 2015

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Leo Marques

Na avenida Edgar Santos, a Horta Narandiba vende cerca de 500 molhos de hortaliças por dia. (Foto: Leo Marques)

“Se você não vai a roça, a roça vem até você”. Assim está escrito na placa que recepciona os clientes da mercearia Horta Narandiba, localizada na avenida Edgar Santos, em Salvador. Seu carro chefe são as hortaliças produzidas ali mesmo em um terreno de 400m² e em mais 4 mil m² do outro lado da rua. Por dia, são comercializados cerca de 500 molhos frescos para os moradores do bairro.

Assim como a Horta Narandiba, a capital baiana possui 48 estabelecimentos agrícolas privados ou comunitários que servem para autoconsumo e comercialização em quitandas e mercadinhos, de acordo com levantamento feito pela Vigilância em Saúde Ambiental (Visamb) da Prefeitura de Salvador.

A prática é tecnicamente conhecida como agricultura urbana e periurbana. Relatos históricos apontam para a existência de sistemas agrícolas semelhantes em várias partes do mundo desde as civilizações Javanesas, Incas, Maias e Astecas, há milhares de anos — cujo exemplo mais conhecido se transformou nas ruínas de Machu Picchu, no Peru.

Em Machu Picchu, no Peru, os Incas desenvolviam agricultura em grande terraços próximos às casas e praças. (Foto: reprodução/ Shutterstock)

Em 1996, um relatório publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) calculou que pelo menos 800 milhões de pessoas em todo o mundo praticam agricultura urbana. Segundo o órgão, o desenvolvimento dessa prática se intensificou ao longo do século XX por causa do rápido processo de crescimento das grandes cidades. A ONU também aponta que essa atividade é fundamental na absorção de mão-de-obra local, porque gera novas fontes de renda, além de contribuir na melhoria da saúde humana e na manutenção da biodiversidade.

Iniciada há 15 anos, a Horta Narandiba, emprega cinco funcionários responsáveis pelo plantio e comercialização das hortaliças, entre as quais estão o coentro, alface, cebolinha, hortelã e couve-flor. Yovan Carvalho, 56, proprietário do local, conta que tudo começou como uma curiosidade dele que é natural de Andaraí, região da Chapada no interior do estado, e tem família com experiência em agropecuária. “Fazemos questão de oferecer produto de qualidade, fresco, sem agrotóxicos, e com preço mais baixo que nos grandes mercados”, afirma o comerciante.

Pela manhã, quando a reportagem visitou o local, o fluxo de clientes é intenso. “Moro um pouquinho longe, mas sempre que posso passo aqui para comprar”, contou a consultora de vendas, Nicássia Santana, 38, enquanto esperava na fila para ser atendida. “Sempre sai mais barato do que seu eu fosse num mercado grande, e além do mais é tudo fresquinho”, concluiu, já com as compras em mãos.

Moradores optam por produtos “frescos e baratos” da Horta Narandiba ao invés dos supermercados. (Foto: Leo Marques)

Nos primeiros anos de atividade, a Horta Narandiba chegou a ser denunciada por suposta falta de higiene no cultivo dos alimentos. A Vigilância Sanitária e Ambiental do município foi acionada, colheu amostras de hortaliças e da água utilizada para irrigação. De acordo com o proprietário da horta, após análises ficou comprovado a qualidade sanitária regular do local.

“Todas as hortas estão catalogadas, com os seus proprietários registrados e cujos produtos são monitorados em relação à presença de agroquímico, presença de micro-organismos e tipo de água de irrigação”, explica Lídice Paraguassú, bióloga da Visamb. “Os agricultores que apresentem alguma enfermidade em decorrência da atividade (Esquistossomose, por exemplo) são acompanhados por nós, pelo Centro de Controle de Zoonoses e pela Vigilância Epidemiológica, sendo tratados de maneira adequada pelos serviços de saúde de referência”, concluiu.

Visto como instrumento de política pública, a agricultura urbana e periurbana também é alvo de projetos de incentivo e capacitação em vários estados. Em nível federal, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome iniciou, em 2012, programa de segurança alimentar voltado à atividade. Na Bahia, até 2008, houve iniciativas semelhantes. Atualmente, no entanto, de acordo com o assessor especial da Secretaria da Agricultura, Irrigação e Reforma Agrária do Estado (Seagri) Armando Monteiro, não há nenhum projeto em andamento.

“É uma lacuna a ser preenchida. Independente do porte do município, mas sobretudo naqueles mais populosos, a agricultura urbana é viável e necessária. Até porque é um incremento na economia”, defende Monteiro. 

Instituições internacionais como a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e Instituto de Promoção do Desenvolvimento Sustentável (IPES) atuam em várias partes do mundo, inclusive no Brasil, com o objetivo de integrar a agricultura urbana com o planejamento das cidades e fortalecer a segurança alimentar das populações migrantes dos centros urbanos.

Um mapeamento de hortas urbanas e comunitárias feito em 2008 pelo IPES em parceria com o governo estadual identificou 18 iniciativas em Salvador e Região Metropolitana. Destas, a reportagem só conseguiu contato com uma, a Associação Cidade da Criança em Simões Filho, a 26km da capital. No local, são produzidas alfaces hidropônicos para consumo interno e comercialização do excedente.

A Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf), empresa do governo federal que atua na geração e transmissão de energia em alta tensão, durante muitos anos investiu na implantação de hortas comunitárias para geração de trabalho e renda em comunidades periféricas de Salvador. Moradores de bairros como Saramandaia, Pernambués, São Rafael, Jardim Esperança e Nova Brasília foram capacitados para atuarem no cultivo de hortaliças em áreas próximas à linhas de transmissão que não oferecem risco. Segundo a assessoria da Chesf, algumas parcerias foram encerradas, embora muitos moradores continuem com o plantio nas hortas e, às sextas-feiras, exponham seus produtos em uma mini feira realizada na sede da empresa em Salvador.

Diante da falta de iniciativas governamentais com agricultura urbana na cidade, o comerciante Wilson Lima, 55, decidiu formular um projeto para apresentar à secretaria de Cidade Sustentável. “A ideia é fazer algo no âmbito social e ambiental, pegar áreas degradadas da prefeitura e transformar em produtivas”, explica Lima. Ele propõe, inicialmente, que a prefeitura ceda terrenos baldios na avenida Paulo VI, na Pituba, para implantação de horta comunitária.

“Ali tem muitos aposentados sem fazer nada, deprimidos, sentados no sofá vendo coisas ruins na TV. Então, nada melhor do que cuidar da terra, é uma ocupação, uma terapia”, argumentou.

Há dois meses, Wilson decidiu criar uma página no Facebook chamada “Hortas Urbanas Salvador” para divulgar o projeto que também já foi apresentado a algumas empresas em busca de financiamento. O objetivo do comerciante é que as pessoas se alimentem do que produzirem na horta e que o excedente seja doado para creches e asilos. Em contato com A TARDE, a secretaria de Cidade Sustentável informou que analisa essa e outras propostas a serem implementadas na capital.

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Curso A Tarde

Reportagens produzidas por trainees do Curso A Tarde de Jornalismo.