OPEN SOURCE [na sala dos ‘profes’]:

Cynthia Hansen
OPEN SOURCE [na sala dos profes]
8 min readApr 13, 2019

Ensinando para uma aprendizagem de qualidade na Universidade (BIGGS; TANG, 2011) #03

O terceiro capítulo do livro dos nossos colegas Biggs e Tang tem dois focos: de um lado, a motivação dos alunos como aspecto fundamental para uma abordagem profunda ao aprendizado e, do outro, o clima de aprendizagem, dependente grandemente da prática reflexiva do professor, sendo, ambas, questões fundamentais para um ensino eficaz. Neste texto eu vou tratar da questão da motivação dos alunos. Tratarei do clima de aprendizagem na sequência ;)

O ensino eficaz requer que eliminemos os aspectos do nosso ensino que encorajam abordagens superficiais à aprendizagem; e que preparemos o cenário adequadamente para que os alunos usem mais facilmente abordagens profundas de aprendizado. Isso envolve fazer com que os alunos percebam que o engajamento apropriado nas tarefas é uma ideia boa e estimulante (também conhecida como “motivação”) e que estabeleçamos um tipo de clima que otimize as interações apropriadas com nossos alunos (tradução livre de BIGGS; TANG, 2011).

A oportunidade de estudar este capítulo, na época em que estava fazendo o curso de pedagogia do Ensino Superior com o pessoal da Universidade de Tampere (Finlândia), em 2017, mexeu muito comigo… Quantas coisas nós fazemos sem nem imaginar o efeito que têm sobre nossos alunos!!! Quando são coisas boas, tudo bem, muito legal. Mas e as coisas ruins que fazemos sem querer, sem notar? Elas podem ter efeitos devastadores na autoestima tão fragilizada dessa garotada que enche as nossas salas.

Adendo importante: não estou defendendo a preservação dos ‘floquinhos de neve’, longe disso! O que eu acho é que podemos contribuir de maneira muito construtiva para que nossos alunos desenvolvam uma postura mais saudável diante da vida. Entretanto, mesmo sem querer e sem saber, podemos estar fazendo justamente o contrário :/ Eis mais uma razão para eu gostar tanto desta obra e querer divulgar o que eu aprendi! Então vamos ao que interessa:

Segundo os autores, dois fatores fazem com que os alunos (ou qualquer pessoa) queiram aprender alguma coisa:

1 Tem que ser importante; deve ter algum valor para o aluno.

2 O aluno precisa esperar sucesso ao realizar a tarefa de aprendizado.

Ninguém quer fazer algo que considere inútil. Tampouco quer fazer alguma coisa, por mais valorizada que seja, se acredita que não terá chance de sucesso. Em ambos os casos, fazer a tarefa será visto como uma perda de tempo.

A motivação tem dois significados: refere-se ao início do aprendizado e à manutenção do engajamento durante o aprendizado. Para iniciar o aprendizado, os alunos precisam ver a relação custo-benefício: que engajar-se na aprendizagem tem um valor evidente e é provável que o engajamento torne real esse valor. Um trabalho pode ser visto como importante de várias maneiras, cada uma produzindo uma categoria familiar de motivação:

• o que o resultado produz (motivação extrínseca);

  • o que outras pessoas valorizam (motivação social);
  • a oportunidade de realçar o ego (motivação pelo sucesso);

• o processo de fazê-lo (motivação intrínseca).

Os professores podem usar esses valores para obter resultados positivos. O reforço extrínseco na forma de recompensas e punições precisa ser usado com cuidado, a punição pode ser bastante contraproducente. Da mesma forma, a competição pode ativar alguns alunos, mas serão poucos. Os professores podem agir como modelos entusiastas — e se eles querem motivar seus alunos intrinsecamente, eles devem ensinar construtivamente.

A chave para a motivação, portanto, é garantir que as atividades acadêmicas sejam significativas e valiosas. Os autores destacam que este valor é muito claro na aprendizagem baseada em problemas, na qual os problemas da vida real se tornam o contexto no qual os alunos aprendem conteúdo acadêmico e habilidades profissionais. Tenho feito algumas experiências neste sentido e considero os resultados promissores. Se você tiver interesse em saber um pouco mais, leia este texto aqui.

Discutida a questão da motivação, entra em cena agora o fator que eu considero o mais delicado, a expectativa de sucesso ou fracasso.

Uma história de envolvimento bem-sucedido com um conteúdo que é pessoalmente significativo permite que o aluno construa a base de conhecimento necessária para o aprendizado profundo e, motivacionalmente, desenvolva as expectativas que dão confiança no sucesso futuro. Essas expectativas criam sentimentos que os psicólogos chamam de “auto-eficácia”, ou mais simplesmente, de “propriedade”: “Eu posso fazer isso; esse é o meu negócio”.

Eu não sei quanto a vocês, mas muitas vezes me deparei com alunos que já partiam do princípio de que não eram capazes, de que aquilo ali que estavam fazendo (estar na faculdade) não era, de fato, para eles. Isso significa que estes pobrezinhos já chegaram para nós com uma percepção negativa incrível a respeito de si mesmos, pois foram por muitas vezes ‘desapropriados’ de expectativas de sucesso futuro.

Sabe quando um colega comenta com você que tal aluno é caso perdido e, quando você o encontra em uma disciplina, já vai tratando ele assim, como caso perdido mesmo, sem nem dar chance? Pois é, experimente fazer o contrário. Você provavelmente vai se surpreender!

Uma leitura FUNDAMENTAL para refletir sobre esta questão tão crucial para a auto-estima de qualquer ser humano é um livro cujo subtítulo faz com que a obra pareça livrinho de auto-ajuda (não se engane!): Mindset: a nova psicologia do sucesso. Por que eu acho ele tão importante? Olha só:

Carol S. Dweck, professora de psicologia na Universidade Stanford e especialista internacional em sucesso e motivação, desenvolveu, ao longo de décadas de pesquisa, um conceito fundamental: a atitude mental com que encaramos a vida, que ela chama de “mindset”, é crucial para o sucesso. Dweck revela de forma brilhante como o sucesso pode ser alcançado pela maneira como lidamos com nossos objetivos. O mindset não é um mero traço de personalidade, é a explicação de por que somos otimistas ou pessimistas, bem-sucedidos ou não. Ele define nossa relação com o trabalho e com as pessoas e a maneira como educamos nossos filhos. É um fator decisivo para que todo o nosso potencial seja explorado.

Aqui tem um resuminho:

Mindset pode ser traduzido como mentalidade e o fato é que muitos alunos já chegam para nós com uma mentalidade fixa de fracassados e, acredite, nós temos condições de ajudar a reverter este quadro (ou podemos reforçar essa crença, vai depender de nosso comportamento)!

Mas este livro não é importante para mim só por conta disso. Eu também pude refletir muito sobre mim mesma e perceber, na minha história, muitos acontecimentos que ME faziam acreditar que algumas coisas não eram passíveis de serem controladas por mim.

Leitura perturbadora e libertadora. Sermos pessoas melhores nos faz ser não só professores melhores, mas colegas melhores, companheiros melhores, amigos melhores, então recomendo a leitura para todos que querem se desenvolver como seres humanos.

Ok, voltemos para Biggs e Tang e você vai entender porque eu TINHA que te falar sobre o livro da Carol Dweck ;)

As expectativas de sucesso são instiladas com base no sucesso anterior, mas apenas se as condições que se acredita levarem ao sucesso permanecerem inalteradas. Se um aluno acredita que um determinado sucesso se deve a fatores que podem mudar e que são incontroláveis, como a sorte ou a dependência de um determinado professor, a crença no sucesso futuro diminui.

Uma das questões mais impactantes aqui é o feedback do professor, pois ele tem efeitos poderosos nas expectativas de sucesso dos alunos. O feedback sobre o progresso também estimula as crenças no sucesso futuro, o que é mais fácil se você desenvolve avaliações referenciadas por critérios: “Isso é o que você fez, os critérios X ou Y mostram o que você poderia ter feito para ter atingido um resultado melhor”.

Instilar expectativas de fracasso é fácil de fazer. Esta é uma situação clássica da postura de culpar-o-aluno: atribuindo o fracasso à falta de capacidade ou a algum outro traço que se encontra fixo nele. Um ato valioso de auto-reflexão como professor é monitorar o que você diz, como você diz e quais comentários você escreve nas tarefas dos alunos. O que as entrelinhas de seus comentários dizem sobre o sucesso ou fracasso futuro?

Afinal, feedback não é mera opinião, né, gente? Feedback precisa ser baseado em critérios. Não é uma questão de ‘Fulano é melhor que você’, mas de quanto cada um, independentemente do desempenho alheio, conseguiu atender os critérios estabelecidos.

Biggs e Tang dão alguns exemplos do que não fazer se quisermos motivar nossos alunos, garantindo um ensino eficaz:

Analisando o raciocínio dos autores, a “motivação” pode ser trabalhada de duas maneiras:

A primeira é evitar fazer coisas que desvalorizem as tarefas acadêmicas, incentivando o cinismo e a ansiedade debilitante ou enviando mensagens aos alunos de que eles não têm chance de sucesso.

A segunda é ensinar de tal forma que os alunos construam uma boa base de conhecimento, alcancem sucesso em problemas que são significativos e construam um sentimento de “propriedade” de sua aprendizagem; a motivação segue a boa aprendizagem como a noite segue o dia.

E aí, que estratégias você tem usado para motivar seus alunos? Em que pontos você poderia melhorar a sua atuação?

Escreve pra mim: komonolearning@gmail.com! Eu vou adorar poder conversar com você aqui nesta #SaladosProfes ;)

Ah! Se você gostou da minha ideia de falar sobre estes assuntos e ficou com vontade de acompanhar minha coluna, clica aqui, responde o form e eu vou te avisando na medida em que publicar novos textos ;)

P.S.: OpenSource, nome que dei para a minha coluna sobre docência aqui no Medium, quer dizer código aberto, pois a ideia é que colegas possam usar os erros e acertos que virem por aqui para refletir sobre suas próprias práticas, além de compartilhar suas histórias também, se tiverem vontade. Lá escrevo também sobre outras questões relacionadas à docência no Ensino Superior.

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Cynthia Hansen
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Publicitária, professora, apaixonada por aprendizagem, eterna aprendiz, co-idealizadora do Heimo Learning Lab e ligada em 220V! about.me/cynthia.hansen