Entrevista DOP: Yolanda Rebelo

Dança Oriental Portugal
11 min readMar 16, 2024

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Yolanda Rebelo é bailarina e professora de Dança Oriental nacional com cerca de 20 anos de carreira. Nesta entrevista, falou-nos do surgimento da sua paixão pela Dança, das recentes mudanças na sua carreira, novidades sobre o evento “O Ventre em Nós” e “Authentika”, da participação do videoclip ‘Seja Agora’ dos Deolinda, a sua opinião sobre a Dança Oriental nacional, entre outros temas.

1. Como surgiu a tua paixão pela Dança e em particular pela Dança Oriental?

Pela Dança não me lembro, foi desde criança, mas para mim nunca foi só a Dança, era também a música, o acting, o canto…lembro-me de ter 5 anos e chorar para os meus pais, zangada, porque não tinha nascido na América. Eu queria ir para a Broadway!…

Pela Oriental foi em 1998, num workshop que fiz com a Myriam Szabo. Soube desde essa altura que iria ser uma dinamizadora de grupos de mulheres através da Dança Oriental. Estava com uma anorexia e a Dança Oriental salvou-me porque me deu o amor por mim que eu não sentia na altura.

2. Quais são as tuas maiores influências artísticas?

- As outras Danças todas que não são a Dança Oriental, pois é através disso que torno a minha Dança Oriental original;

- A História da Dança Oriental, que tem uma riqueza enorme de conteúdo para o meu trabalho;

- Os meus mestres das várias danças que aprendi, pois se os escolhi é porque já me inspiravam antes;

- Os meus colegas de trabalho: bailarinos, músicos, actores, performers;

- Os meus alunos que me dão imensas ideias;

- A minha experiência de vida, os meus desgostos e as minhas alegrias.

3. És uma bailarina multifacetada que dança Tango Argentino e Dança Oriental e que também se dedica à Fusão das duas. Podes contar-nos quais as principais semelhanças e diferenças entre estas expressões artísticas?

Eu não me dedico à fusão das duas danças. Em 20 anos, dancei Dança Oriental ao som de Tangos contemporâneos cerca de 2 vezes e uma vez ao som de uma Milonga, mas também o fiz com música latina, cabo verdiana, grega, etc, o que está longe de ser uma fusão. Ao nível constante faço é fusão da Dança Oriental com o Flamenco desde 2003. A única fusão de Tango que faço é dançar Dança Oriental em eventos de Tango, mas isso não é uma fusão das duas danças.

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4. Recentemente deixaste de dar aulas de grupo para te dedicares às aulas privadas e também à produção de eventos. Porque é que tiveste a necessidade de fazer esta mudança na tua carreira?

Nunca tive dinheiro para ter o meu próprio estúdio de dança e por isso para desenvolver o meu Projecto Escola YolandaDance tive de fazer parcerias com vários espaços, ceder a regras com que não concordava e pagar rendas que às vezes custavam lágrimas de sangue. Também não tinha tempo para produzir espectáculos e dançar tanto quanto queria, por causa da gestão da escola. Tive excelentes anos em que me diverti imenso e pensava “Nem acredito que me pagam para fazer isto! Sou mesmo feliz!”, mas as coisas mudaram e a minha paixão passou a ser um emprego só para pagar as contas e eu uma escrava do trabalho! Cansei-me porque estava a perder o prazer de dançar, ou seja, a razão da minha existência.

Assim sendo, mudei a minha vida. Agora só faço o que me apetece e como me apetece e me faz sentido. Adoro dançar, ensinar e coreografar. Estas 3 actividades têm de estar equilibradas com os meus valores artísticos. Como artista tenho de comer, mas não posso vender a alma ao diabo pelo dinheiro, senão morro.

Quero produzir os meus espectáculos e vejo isso como o meu futuro quando me reformar como bailarina, pois tenho uma criatividade enorme e sei que é um recurso de ideias inesgotável. Nesse sentido vejo-me no futuro não só como coreógrafa, mas como formadora de bailarinas. Actualmente já faço várias mentorias personalizadas para bailarinas e professoras de Dança Oriental e paralelamente também desenvolvo o ensino da Dança Oriental para mulheres que se querem trabalhar a si mesmas como pessoas e trabalhar a sua auto-estima, dando os primeiros passos nesta dança sem a pressão de terem que subir ao palco em poucos meses. Faço um ensino personalizado com objectivos diferentes de acordo com as pessoas.

Como bailarina, tenho cada vez mais requisitos. Se não me faz feliz determinado trabalho, não volto a repeti-lo! Há uma grande dose de loucura na artista que sou e uma grande necessidade de me sentir livre. Se eu estiver feliz, consigo transmitir essa felicidade aos outros através do meu trabalho e ser um catalisador da sua evolução. Se eu estiver infeliz, não sirvo para nada. Há que mudar, sempre em busca do um melhor bem-estar!

5. Quais são os teus objectivos e projectos enquanto produtora?

Os objectivos são os mesmos do Projecto Escola YolandaDance e dos meus Espectáculos: o Desenvolvimento Pessoal através da Dança Oriental e do Tango Argentino. Por enquanto há dois já divulgados que é “O Ventre em Nós” e o “Authentika” e o resto irei revelando aos poucos no momento certo.

6. Para além de professora, há 20 anos que trabalhas como bailarina em diversos eventos por todo o país. Que tipo de clientes te contactam e em que tipo de eventos a Dança Oriental costuma marcar presença?

Bom, em 20 anos já passei por muita coisas e muitas fases. Há os eventos de dança em que vou gratuitamente, que dão prestígio e não dão dinheiro (não faço muitos porque não pago para dançar), depois danço em casamentos, batizados, festas de empresas, aniversários, etc, já quase não danço em bares (só alguns em especial de pessoas que quem gosto), trabalho há mais de 10 anos nas Feiras Históricas, e em todos os eventos que buscam uma bailarina versátil e cheia de pormenores como eu, que apresenta coisas originais. Os clientes que me procuram sabem que vou apresentar algo diferenciado, ou seja, se querem barato e fácil, não é comigo que falam. Os espectáculos que me dão mais gozo são os musicais e já tive a oportunidade de dançar e de coreografar para alguns e os espectáculos de palco que produzi como o “FlamencOriental” em parceria com a Marta Chasqueira, que correu os palcos de Norte a Sul de Portugal e que conseguimos vender a alguns Casinos e Autarquias.

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7. Danças em muitas feiras medievais por todo o país. Como é recebida a Dança Oriental nestes contextos?

Depende da qualidade da bailarina e da quantidade de carne que tem à mostra. Se apresentas um trabalho sério, de qualidade, respeitam-te. Se as entidades que nos contratam optam pelo barato em quantidade e pouca técnica, a Dança Oriental é mal vista, mas não é tão mau como uma bailarina demasiado descascada.

Os trabalhos nas Feiras Medievais estão cada vez mais banalizados, colocam as bailarinas a dançar com grupos de música folk, sem ensaios prévios. As entidades querem pagar menos e a qualidade das bailarinas desce. Também estou a retirar-me aos poucos de certos formatos em que já trabalhei para cada vez mais apresentar os meus espectáculos previamente armados. Até agora têm tido uma recepção muito boa porque eu distingo entre um neo-tradicional à época e a fantasia. Dá trabalho, mas marca a diferença pela qualidade.

8. Quais as diferenças e os maiores desafios entre dançar em bares árabes e feiras medievais de dançar nestes contextos?

São coisas completamente diferentes. Nos bares não sei que não conheço muitos. Nos poucos que já dancei foi sempre ter de improvisar algo interessante num micro espaço em cima das pessoas.

Nas Feiras o desafio é outro. O trabalho nas Feiras assemelha-se a uma maratona (dançar num Festival seria um “sprint”, por exemplo). Tens de ter endurance para dançar muitas vezes ao longo de um dia inteiro, durante vários dias, sempre de improviso, em chão de rua, em andamento, para um público que não controlas e não sabes como se vai comportar e, às vezes, com música que não conheces! E durante todo esse tempo estás a ser fotografada e filmada e vais parar ao Instagram de uma data de gente ao mesmo tempo! E podes ter uma colega ao teu lado que pouco ou nada sabe, copia tudo o que tu fazes e ganha o mesmo que tu! É dose!

9. Em 2013 foste uma das bailarinas que participou no videoclip “Seja Agora” da famosa banda nacional Deolinda. Como surgiu este convite e como foi esta experiência?

Foi um convite da Piny e estou-lhe imensamente grata pela oportunidade! Nessa altura eu trabalhava na Jazzy e estava conhecer o mundo das danças urbanas. Era tudo novo! Adorei a experiência da gravação do videoclip e de conhecer a Ana Bacalhau e os Deolinda. O resultado do trabalho foi brilhante. Ainda hoje a música “Seja Agora” mexe comigo. Tenho muito orgulho de ter feito parte desse projecto, mas não dancei Dança Oriental, dancei Flamenco.

10. A terceira edição do evento ‘O Ventre em Nós’, que organizas com a tua companheira e amiga Sara Naadirah, irá decorrer no dia 15 de Fevereiro de 2020. Podes desvendar um pouco sobre o que vai acontecer no mesmo?

O Ventre em Nós é a partilha da nossa Dança Oriental, de como nós chegámos ao sítio onde estamos hoje enquanto bailarinas e artistas. Em todas as edições isso mantém-se e vai variando o tema do Workshop. No espectáculo fazemos algo meio louco, dançamos e falamos com o público, respondemos a perguntas, contamos a nossa história, é um espectáculo-aula-tertúlia. Não é uma imitação de um modelo, foi algo que me surgiu depois de um evento que organizei com a Iris em 2015, em que trouxemos a Paula Lena a Portugal e no qual a Sara era convidada. No final do espectáculo, a Paula Lena decidiu falar com o público e abrir perguntas. O elenco sentou no chão e saiu dali uma tertúlia. Meses depois saiu do meu cérebro “O Ventre em Nós”. Falei com a Sara e ela identificou-se imediatamente com o projecto. A Sara e eu funcionamos lindamente, somos completamente diferentes na Dança, mas pensamos da mesma maneira. Ao nível artístico sinto-me muito completa com a presença dela porque nos complementamos. Fica um Todo que é mais que a soma das partes. Adoro trabalhar com ela!

“O Ventre em Nós” é a passagem do nosso testemunho sem poses de diva. Ensinamos tudo o que pudermos ao público que nos vem ver. É a nossa dádiva. Ficam a conhecer os porquês do nosso trabalho e não só o produto final. É uma coisa espectacular! Tentamos envolver sempre novas pessoas no evento, mas é algo bastante intimista, quer no espectáculo, quer nas aulas.

11. Em 2019, fundaste um novo projecto, o Authentika. Podes falar-nos um pouco sobre este novo evento nacional de Dança Oriental?

É o degrau acima de “O Ventre em Nós”. Neste caso, o objectivo é trabalhar o sentido de comunidade de Dança Oriental em Portugal. Neste evento é tão importante o folclore, como o clássico, como a fusão. São importantes as bailarinas de Norte a Sul de Portugal, todos os estilos e todos os níveis. O objectivo é a união, por isso escolho convidar a minha professora Paula Lena que tem um trabalho transversal a vários estilos e pode ajudar ao desenvolvimento de vários tipos de bailarinas. Na próxima edição, em 2021 já terei mais professoras nacionais e umas alterações no formato. E o Authentika também tem como objectivo o trabalho artístico na Dança Oriental com narrativa, por oposição a um espectáculo de Festival. Nada contra os espectáculos nos Festivais porque eu também participo neles, mas o Authentika oferece uma alternativa diferente que complementa o que já existe no panorama nacional.

12. Qual a tua visão sobre a Dança Oriental portuguesa actualmente?

Há coisas boas e más. A padronização, o vedetismo das rainhas sem trono, a obsessão pelos concursos é uma coisa má. A evolução da técnica proporcionada pela organização dos mesmos eventos que promovem as coisas más, é uma coisa boa! Não é só em Portugal, é algo geral em todo o mundo. Há cada vez mais pessoas a dar aulas, mas a comunidade dançante não está a crescer em Portugal. Porque será?

O estudo das raízes da Dança Oriental não está na moda, mas estão na moda os concursos de Dança Oriental e a colecção de troféus. Paremos um pouco para analisar isto: a energia feminina não tem nada a ver com a competição! Porque precisa, uma jovem bonita e que gosta de dançar, de ganhar um troféu e se provar melhor que as outras? Porque o faz constantemente? Porque precisa da fama e de ser conhecida, se não vive economicamente da dança? Que buraco tem dentro dela que tenta preencher com algo externo como um troféu? Vários? Porquê tanta necessidade de validação exterior?

A Dança Oriental acompanha o narcisismo que as redes sociais promovem, é fruto e consequência desta evolução tecnológica que vivemos e para a qual não fomos preparados. Temos de aprender a viver com isto e perceber que haverá sempre a hipótese de escolha e de procura do equilíbrio.

Não sou contra os concursos, sou contra a obsessão por eles e à falta de alternativas para que a dança se desenvolva.

13. O que achas que se pode fazer para a Dança Oriental se desenvolver mais em Portugal?

Criar alternativas à competição, mais partilha, mais amor, criar novos públicos, criar mais consciência do poder terapêutico desta dança na auto estima de quem a pratica, seja mulheres, seja homens com uma energia feminina muito forte. Mais comunidade e mais dança improvisada a solo e não só coreografias de grupo em palco em modo sarau. Mais oportunidades sociais para as pessoas dançarem sem terem de competir e obedecer a padrões da moda que servem apenas os interesses económicos de alguns.

14. Que dicas dás às bailarinas que estão a surgir e que querem seguir a Dança Oriental de forma profissional?

Primeiro há que definir o conceito de bailarina profissional e qual o objectivo de cada pessoa. Uma bailarina profissional como eu a tempo inteiro? Uma bailarina que tem um emprego durante o dia e depois dá aulas e faz espectáculos? Uma bailarina que faz vários tipos de danças sem ser especialista de nenhum? Uma bailarina que se dedica a 100% à Dança Oriental, mas não tem independência financeira com o seu trabalho? São todos casos diferentes e todos podem ter um nível de grande qualidade, mas os objectivos de cada caso serão sempre diferentes e para cada um deles há uma fórmula diferente. Por isso, primeiro de tudo, a bailarina tem de saber o que quer! A partir daí, traça-se o plano.

15. Se te pedisse para nomeares um livro, uma peça de dança e uma música que aches que toda a gente precise de ler, ver e ouvir, quais seriam? E porque é que os escolherias?

Não escolheria nada porque não tenho a pretensão de achar que todos têm de ler, ver e ouvir o que eu gosto, mas posso referir obras que me tocaram.

O livro pode ser “Fernão Capelo Gaivota” de Richard Bach, porque nele me revi como uma gaivota que está sempre a querer aperfeiçoar o seu voo enquanto as outras só se preocupavam em comer peixe.

A peça de dança pode ser aquele “Enta Omri” que a Paula Lena dançou na abertura da primeira edição do Authentika, na Casa do Alentejo em Lisboa, a 22 de Fevereiro de 2019. Infelizmente, não temos nenhum registo em vídeo dessa dança. Quem viu, viu, quem não viu, já não vai ver!

Recentemente vi um filme que me tocou muito “A vida secreta das abelhas” que nos mostra que o Amor é o único e verdadeiro alimento da alma. Concordo em absoluto.

16. O que é que ainda gostavas de alcançar na tua carreira?

Apenas a capacidade de fazer a manutenção da lucidez e da saúde, num entusiasmo constante, na criatividade que já me é própria, materializada em projectos com dignidade, até ao fim dos meus dias.

E a espargata à Van Damme! Estou perto, mas ainda não estou lá!

Entrevista de Rita Pereira publicada originalmente em Janeiro de 2020, no site Fantastic — Mais do que Televisão.

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Fazemos entrevistas a bailarinos de Dança Oriental nacionais com o objectivo de criar arquivo para esta dança. Criado pela (também bailarina) Rita Pereira.