Entre Idas e Vindas, de José Eduardo Belmonte

Padrão básico de um experimento que poderia ter dado certo

Dandara Aryadne
4 min readAug 2, 2016

Com um trabalho mais que excepcional dentro do cinema brasileiro, era de se esperar mais de José Eduardo Belmonte. Sua aposta em filmes que acentuam a natureza humana e até seus mais recentes trabalhos como Billi Pig (2012) e Alemão (2014), que mesmo não entrando para uma margem mais pessoal de direção como em A Concepção (2005), funcionam com o propósito de dar ao público uma experiência mais, digamos, blockbuster brasileira; o “filme para o povo”, como muitos dizem.

Com Entre Idas e Vindas (2016) — título que lembra Indas e Vindas Do Amor (Valentine's Day, 2010), de Gary Marshall — o diretor trabalha uma montagem bem prática (e pré-pronta) das clássicas comédias românticas ao estilo road movie. Munido de um elenco feminino poderoso, que conta com veteranas do cinema nacional e internacional, o filme, infelizmente, comete o erro de se prender demais na história romântica de Amanda (Ingrid Guimarães) e Afonso (Fábio Assunção), expressando o quanto ignorou o restante do elenco, muito mal utilizado ao longo da projeção.

Não que o “gramado do vizinho” seja sempre mais verde, claro. Mas é a mesma história que encontramos inúmeras vezes em comédias românticas como O Amor Pede Passagem (Management, 2008), Curtindo a Liberdade (Chasing Liberty, 2004) e, voltando ao trabalho de Gary Marshall, Noiva em Fuga (Runaway Bride, 1999). Sim, trata-se daquela tradicional fórmula através da qual duas pessoas estranhas, com questões amorosas mal resolvidas, se encontram abruptamente e se apaixonam. Isso tudo vem disfarçado de road movie, com personagens aleatórios que, ao invés de servirem como elementos-chave para a trama, nada acrescentam a tudo que vemos.

Como dito acima, era de se esperar mais de um diretor que está pronto para entregar um material mais profundo do que a receita aquecida de uma comédia romântica à qual já assistimos em alguma sessão da tarde aleatória. Quando vemos Alice Braga (atriz que está entregando um excelente material com Rainha do Sul, do canal pago Space), até esperamos que a ideia de explorar nuances de cada personagem adulto seja utilizada. Mas sua personagem é logo posta para escanteio como forma de destacar o “casal principal” do filme.

Assim, as vidas das demais pessoas que conhecemos fica na balança, divididas entre o “não é importante” e o “perdemos alguma coisa aqui”. O título original do filme seria Meu Mundo Quebrado, vale dizer, que por conta do marketing e visando estimular a venda de ingressos, foi alterado para sua versão de lançamento. O que me faz pensar que, caso tivesse ficado com o rótulo original, o projeto teria em seu título uma ótima definição para sua incapacidade de ser completo como experiência cinematográfica.

Aqui, coadjuvantes desaparecem de forma inesperada, seja em termos de interpretação quanto de montagem. Mesmo sendo o elenco da vez recorrente no trabalho do diretor — como Rosanne Mulholland, vista em A Concepção, e Caroline Abras, de Se nada mais der certo (2008) — , em nada puderam contribuir para o desenvolvimento desses personagens. Ingrid Guimarães, por sua vez, parece entrar numa onda de filmes nos quais seu talento não é favorecido. Desde Loucas para Casar (2014), onde está a espiritualidade da atriz para a comédia e também para o drama? Se perdeu em meio ao desespero para vender ingressos. Alice Braga, acredito eu, está aqui para cumprir sua cota mensal ou anual de filmes brasileiros e para surgir como um grande nome da produção.

Os momentos de união entre as personagens são, dessa forma, as melhores cenas. Se este fosse um filme que falasse sobre o elo feminino e sua força, talvez aí pudesse ser uma das melhores estreias nacionais deste ano. Mas ao enfiar todas essas questões num enlatado par romântico, misturando-as a alguma superficialidade e a piadas de intuito pessoal, Entre Idas e Vindas não passa de um esforço que fica apenas na exagerada esperança de funcionar. A química entre as personagens femininas é, sem dúvida, muito melhor, muito mais complementar e satisfatória do que o próprio casal que passamos a conhecer ao longo do filme, composto por Amanda e Afonso.

Já a fotografia do projeto foi uma surpresa, devo admitir. A distinção elegante do embrulho, comandada por André Lavenere, ficou melhor do que qualquer outra comédia romântica brasileira que assistimos nos últimos dois anos, ainda mais se pensarmos na técnica de filmagem utilizada em cenas externas. O que realmente não ajuda é o roteiro de Cláudia Jouvin e do próprio Belmonte, que, como eu disse, não aproveita em nada a qualidade do elenco.

Dessa forma, Entre Idas e Vindas funciona como o padrão básico de um experimento que poderia ter dado certo; uma comédia romântica que fica na zona de conforto e que celebra apenas alguns bons momentos. Pode até ser um sucesso de bilheteria, claro. Mas no instante em que o público sair do cinema ou desligar a televisão, será esquecido.

A

escreve para o Cinema ATM, portal no qual a crítica acima foi originalmente publicada.

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Dandara Aryadne

Crítica de cinema, escritora sem destino, trabalhando com tecnologia e artista frustrada