O escritor depressivo
Acordou e lembrou-se que na noite anterior sentia euforia por contemplar as próprias imaginações.
Ficou olhando para o escuro do quarto.
A janela denunciava que já havia amanhecido.
Mas o desejo do escritor era de que ainda fosse noite.
Não, o desejo do escritor era o de voltar à noite anterior.
Com muito esforço levantou-se da cama.
Aquele vazio queimava por dentro.
Expandia de tal forma que sentia-se imobilizado.
Parou e perguntou: Eu vou morrer?
Caminhou até a cozinha.
Serviu-se de café.
Mergulhou tão profundamente na própria dor que quando levou o café até a boca, já estava frio.
Contou 30 minutos no relógio.
Não fez efeito.
Mais 1 hora passou.
Não sentiu diferença alguma.
Uma hora e meia e nada.
Nada.
Voltou ao quarto e abriu a janela.
Viu o sol, o céu azulado e uma brisa de verão que contagiariam qualquer indivíduo, menos ele.
O escritor sentiu a mesma indiferença que qualquer dia nublado e chuvoso poderia causar.
Nublado e chuvoso, é assim que eu me sinto — pensou.
Ainda de pijamas, sentou-se e arrumou a mesa para começar a escrever.
Qual vai ser o assunto de hoje? — perguntou.
Conectou-se consigo e percebeu a dor crescente. Pulsava dentro do seu peito.
Parecia que a dor iria se transformar a qualquer momento em desespero.
Ficou tão perplexo com o tamanho da dor que esqueceu o motivo de estar ali sentado.
E ficou a olhar para lugar nenhum.
Dentro de sua cabeça era como se tivesse passado o dia olhando para algum lugar.
Quando percebeu, havia entardecido e já estava prestes a anoitecer.
Como o dia passou tão rápido? E o que eu fiz esse tempo todo? — perguntou-se inconformado.
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Levantou, caminhou até o quintal, e ficou a observar o resquício de por-do-sol que ainda havia.
Contemplou o sol se pondo e a noite surgindo. Constatou que o que ele contemplava era idêntico ao que ele sentia.
O sol dentro dele se pôs e deu lugar a uma sombria escuridão que assusta não pelas ameaças possíveis, mas pelo vazio dominante.
O vazio me assusta — disse em voz baixa enquanto sentia um nó no coração.
Recolheu alguma força dentro de si para tomar banho e voltar para o quarto — lugar que tinha permanecido o dia todo.
Antes de deitar o escritor sentou no mesmo lugar em que costumava redigir seus textos e pensou: Como escritor depressivo escreve?
Como é possível escrever sobre o nada?
Se eu fosse pintor, meus quadros teriam o vazio retratado pela tinta branca?
Se eu fosse cantor, meu canto seria o silêncio de quem não sente coisa alguma?
Se eu fosse filósofo, minhas perguntas dariam lugar a uma observação não verbalizada?
Decidiu que iria anotar seus pensamentos e sentimentos, ainda que julgasse-os medíocres e desinteressantes.
Antes uma obra medíocre, que obra nenhuma.
Um escritor que não escreve não é.
E não ser é não existir.
Não existir é algo inconcebível para qualquer um que escreva.
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