João Magalhães

Daniela Name
3 min readAug 19, 2019

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Uma homenagem ao artista e professor, que morreu no dia 15 de agosto

Pintura recente de João Magalhães

O velório de Joao Magalhaes na manhã do último sábado, dia 17 de agosto, estava cheio de alunos e ex-alunos, colegas e grandes admiradores (eu me incluo neste último grupo). Houve um desfiar de abraços, histórias e de inevitáveis lágrimas, menos de tristeza e mais de percepção das marcas que um mestre tão amoroso e transformador deixa em tanta gente que vive das artes visuais no Rio de Janeiro.

A manhã no Caju também teve cachaça 51 misturada com Coca-Cola, compartilhada em copos de plástico. Num dado momento, olhei pra garrafa de pinga e fiquei pensando no esporro gentil que ele nos daria por termos comprado aquela bebida, e não um bom vinho, quem sabe um gin tônica, mais compatíveis com
morto tão lorde. Ou será que ia se esculhambar de rir com aquela bagaça, a ponto de encher de água boa seus olhos, piscinas azuis?

Refletia sobre isso quando rolou um chega-pra-lá no padre, que insistia em encomendar a alma de um ateu convicto, e teve o discurso abreviado por Aretha Franklin cantando “Respect”, em alto e bom som.

O caixão saiu para o crematório debaixo de aplausos, longuíssimos, misturados à versão de Nina Simone para “Ne me quitte pas”.

Muitas vezes escutei, ao longo de tantos anos nas artes, que Fulano ou Beltrana trabalhavam menos e agora eram “só” professores. Talvez essa seja a maior ignorância repetida pelo meio: como assim, “só” professor, meu bem?

Série recente de pinturas, em que o artista radicalizou o uso do dourado. Foto: Patrizia D’Angello.

Este não era o caso de João, que, nos últimos seis meses, enlutado com a perda trágica de sua filha única, conseguiu ser ninja e buda conjugados e produziu pinturas muito fortes. Elas radicalizam a sua pesquisa do dourado como criador de um espaço virtual, cujo brilho é contraposto à viscosidade de grandes massas de tinta. Espírito animando e suspendendo, mas também contrariando o corpo.

João e sua filha Anna Gemma, falecida após um incêndio há seis meses

Embora não fosse o caso, ser professor foi a grande obra que João pretendeu erguer, reinventando-se tijolo por tijolo — ego, fala, postura, coração — para essa missão. É um trabalho que pouquíssimos realizaram ou realizam com a complexidade e a empatia deste homem.

Ser professor nunca é “só” (R-E-S-P-E-C-T aí ó). Ser professor, quando é tanto, como no caso do João, faz com que a gente repita pra esse ou essa cara: “Ne me quitte pas”. Mas faz ainda que a gente se pergunte: como assim, “Ne me quitte pas”?

Olhando para os rostos que se reuniram depois do funeral em uma mesa do La Fiorentina, lugar onde tantas vezes estivemos juntos, fiquei pensando que “Ne me quitte pas” não é um pedido a ser feito ao João. Simplesmente porque ele não vai nos abandonar.

Sua dignidade calorosa — e, sim, eventualmente rascante — deixou marcas tão profundas em quem conviveu com ele que não duvido nada que outros professores estejam sendo gerados nesse momento, com sementes plantadas pelo João. Continuar a pensar nas massas de cor, mas também nos sentidos éticos do que produzimos, é a maior homenagem que podemos fazer a esse grande homem.

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O AULÃO DE SÉTIMO DIA do João será quinta-feira, 22 de agosto, a partir das 19h, no Parque Lage.

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