Feirinha propõe conceitos de economia solidária em Uberlândia

Daniel Gonzaga da Silva
5 min readAug 2, 2017

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Com produção coletiva e orgânica, agricultores atraem clientes pela inovação e preços acessíveis

Por Clarice Bertoni, Daniel Gonzaga e Gabriela Luz

Feirinha solidária no Centro de Convivência da UFU

Desde 2015, acontece aos sábados a Feirinha Solidária na UFU, no Centro de Convivência do Campus Santa Mônica, em Uberlândia. Cerca de cem famílias de agricultores reúnem seus produtos e vendem à população. O projeto é do Centro de Incubação e Empreendimentos Populares Solidários (CIEPS), que, com bolsa do CNPQ, se propôs inicialmente a gerar iniciativas comunitárias de produção agroecológica. Antes de começarem a Feirinha, os trabalhadores passaram por um ano de treinamento em transição agroecológica. Atualmente, é realizada por 20 famílias de três coletivos: a Associação dos Mandaleiros de Uberlândia, a Copesafra e a Acampra.

A ideia parte de conceitos da economia solidária, que se propõe a gerar lucros de forma sustentável, levando em conta as pessoas, seus contextos sociais e a união. Dessa forma, busca-se quebrar o padrão do conceito clássico de empreendedorismo, valorizando a coletividade e os fatores produtivos. Os donos da força de trabalho, portanto, também seriam os donos dos bens de capital. Patrão e empregado são o mesmo sujeito, num exercício de sustentabilidade.

A iniciativa valoriza os trabalhadores do campo e os aproxima dos da cidade, pois eles são colocados em contato direto. O produtor rural participa do processo do início, com o plantio, até o fim, nas vendas. A produtora Ilda Maria conta ter uma “amizade forte” com os consumidores. “A gente já teve vários depoimentos disso. De gente que confia na gente, né. E isso é muito gratificante. Você vê aquilo lá e pensa ‘nossa, sou eu que estou fazendo isso tudo?’”, explica.

Para contar melhor a história desse projeto, trazemos uma entrevista com Cristiane Betanho, professora doutora da Faculdade de Gestão e Negócios (FAGEN) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e coordenadora do CIEPS, que gere o projeto desde o início.

Ilda Maria, uma das feirantes

Como o projeto da Feirinha Orgânica teve origem dentro do Centro de Incubação de Empreendimentos Populares Solidários?

convencional. Aliás, é uma aberração. Porque se a gente diz que o sistema convencional é ruim e degrada o meio ambiente, como querer uma alternativa que seja igual? Não tem lógica. É obvio que a agroecologia não dá a mesma produtividade, porque ela não vai produzir um item em larga escala. Você não vai ter uma sala inteira de alface. Mas dentro dela você vai ter alface, rúcula, brócolis, pimentão, cheiro verde. Ou seja, plantas diversas nesse mesmo ambiente. No entanto, o agricultor sozinho não abastece nenhum mercado: não consegue entregar alface toda semana pra um grupo de consumidores, porque vai ter poucos pés de alface. Mas, se ele se junta com seus iguais, e se cada um produziu 20 pés de alface, e é um grupo de 50 pessoas, a gente já tem alface pra caramba pra distribuir.

E quais foram as consequências práticas que esses cursos tiveram para os agricultores durante as vendas dos seus produtos?

CB: Se você olhar o preço dos produtos orgânicos no supermercado, vai constatar que os da Feirinha são mais baratos. Isso só ocorre porque a gente não tem atravessador, que é o comerciante. Ao mesmo tempo, é possível cobrar um preço justo do cliente retendo um valor condizente com o trabalho. Isso é muito importante, porque não adianta só vender mais barato para o cliente se não se remunera o trabalho [do produtor]. O trabalho do homem do campo é muito pesado, por isso a ideia de trabalhar essa sócio-referenciação, ou referenciação social, para que as pessoas se conheçam e entendam as necessidades umas das outras. E, a partir da visão mais crítica da sociedade e da economia, entender que é o trabalho social que forja riquezas.

Como o consumidor reage a essa nova forma de produção?

CB: Da melhor maneira possível. A gente promove esse contato direto entre esses dois polos. Ano passado, nós realizamos o “Você no Campo”. Nós saímos daqui com um ônibus cheio de consumidores para ir pra uma horta, para conhecer o espaço. O consumidor conhece a horta e as pessoas envolvidas. É resgatar uma coisa que era muito importante na sociedade e que foi totalmente esquecida, que é essa história da relação de confiança, as relações de “fio de bigode”: eu confio em você e aprendo a te respeitar como você me respeita, e nós somos parceiros, não somos fornecedor e consumidor. Realmente, se forjam relações de parceria.

Cristiane Betanho [CB]: A Feirinha é o resultado de dois projetos desenvolvidos pelo CIEPS. Um projeto é o de transição agroecológica. Nós ganhamos, em 2013, um edital do CNPQ para produzir núcleos de estudos em agroecologia e produção orgânica. Com o dinheiro, começamos esse processo de transição agroecológica dentro da Universidade e foi um negócio muito legal. Durante dois anos e meio de trabalho, colocamos em formação mais de cem famílias de agricultores que foram participar dos cursos. Então, o projeto entrou numa segunda fase, que é o acompanhamento dessas unidades, em que montamos um grupo de assessoria técnica que ia até essas unidades para apoiar os agricultores nesse processo. Foram formados mutirões para fazer plantio e transformar as áreas. Quando terminou o primeiro ano, os agricultores foram certificados e a gente montou a Feirinha.

Essa transição agroecológica altera os níveis de produtividade dos agricultores?

CB: Normalmente se fala que a agroecologia reduz a produtividade, pois a questão agroecológica é diferenciada. É um erro achar que é necessário ter o mesmo volume de produção do sistema

É importante perceber que existem projetos na UFU que se propõem a repensar as relações entre a economia e a comunidade, colocando em prática a ideia de sustentabilidade e empreendedorismo de modo sóbrio e eficiente. Esse tipo de iniciativa reforça a importância dos projetos de extensão para que a universidade, como patrimônio público, esteja de portas abertas e a serviço da população.

Quando falamos desse tipo de ação dos estudantes e da comunidade acadêmica, esperamos que surjam mais projetos que dialoguem com a comunidade externa e que a Universidade possa se pensar como uma ferramenta de mudança social, não apenas um lugar para onde pessoas selecionadas vão estudar.

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