Artigo: 1. Paradigmas da Gestão da Inovação e suas idiossincrasias — Uma revisão da literatura

Daniel Lugondi
12 min readJul 8, 2019

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A inovação é um tema que está em voga ao longo de muitas décadas, sabe-se que ela é fundamental para a organização obter vantagem competitiva, e sua gestão possui um papel definitivo na busca pela diferenciação. O presente estudo, a partir de uma revisão bibliográfica, propõe um panorama sobre os paradigmas de gestão, assim como suas idiossincrasias, no intuito de estabelecer uma ordem em torno do assunto, uma vez que, invariavelmente o mercado avança na utilização do léxico abordado por cada teoria, mas ainda com pouca substância quanto a sua aplicação efetiva no seu devido contexto. Desta forma, conclui-se que a disseminação dos estudos que permeiam a gestão da inovação podem colaborar para uma comunidade acadêmica de forma mais ativa e ainda gerar uma aplicação mais efetiva dos modelos teóricos no mercado.

Artigo originalmente apresentado no XII Workshop de Pós Guaduação e Pesquisa do Centro Paula Souza. Escrito em parceria com Dr. Carlos Hideo Arima.

Introdução

Os estudos que envolvem a gestão da inovação se apoiam em diversas teorias e modelos que ora são observados no contexto das empresas, ora são negligenciados ou mesmo sinalizados de forma errônea, naturalmente, por existirem diversas abordagens e pontos de vista sobre o assunto. A necessidade de se falar sobre inovação para aqueles que querem alterar o status quo, acabou por preconizar o uso de conceito e palavras, que compõem o léxico comum de determinada área de estudo, ou da própria atuação profissional de outrem, de forma descabida ou mesmo deslocalizada, a fim de se estabelecer um discurso com valor, contudo, sem profundidade.

Neste sentido, alguns autores manifestaram certo incômodo em torno do uso indevido de uma determinada teoria, fora do contexto em que se destina, pois, geralmente oferecem resultados desastrosos e, portanto, ocasiona uma má reputação à teoria da gestão da inovação como um todo. Mais evidências disso são as últimas publicações de Christensen et al (2015), Chesbrough (2012) e West et al (2014), para reafirmar o uso específico de suas teorias devido sua excepcional difusão sobre o mau uso de inovações disruptivas e teorias de inovação aberta, respectivamente.

Segundo Christensen et al (2015), os refinamentos essenciais que toda teoria carrega com o passar dos anos foi, ao que parece, ofuscada pela popularidade da formulação inicial. O problema estabelecido aqui é que as mudanças nos padrões de competitividade implicam em novas abordagens, ou seja, novos tipos de inovação requerem abordagens diferentes. Portanto, o aprofundamento dos estudos em gestão da inovação assim como suas aplicações, mensuração de resultados, bem como a análise dos contextos nos quais são aplicados, se mostra assaz relevante, e é neste cenário que o estudo a seguir se propõe. Ao permear alguns dos principais e mais difundidos paradigmas de gestão da inovação assim como suas idiossincrasias, procura-se estabelecer um panorama a cerca desta área de estudos assim como a possibilidade, de que sua organização, venha a proporcionar um melhor entendimento sobre seus conceitos a partir de uma revisão da literatura.

Referencial Teórico

Para que possa se estabelecer um melhor discernimento sobre a aplicação da gestão da inovação é preciso antes determinar a inovação em função do atributo ou critério em que se está analisando a mesma. Se a perspectiva é ter um olhar da inovação enquanto processo, precisa-se considerar seus rendimentos.

Às vezes, trata-se de possibilidades completamente novas por meio da exploração de avanços radicais na tecnologia, como a manipulação de mosquitos afim de conter o surto de dengue no Brasil ou novos medicamentos para o combate a doenças outrora sem tratamento. A partir dessa mesma perspectiva, igualmente importante, é a habilidade de identificar quando e onde novos mercados podem ser criados e aumentados. Um bom exemplo neste caso envolve a utilização de smartphones assim como o consumo de música que revolucionou o mercado, entretanto, a mesma proposição de tablet da Apple Inc. que vendeu milhões na primeira semana em 2010 foi um fracasso de vendas pela Microsoft em 2001. Afinal, somente a tecnologia disponível não produz valor e desejo para os potenciais consumidores. Sendo assim, não se trata apenas abrir novos mercados, pode-se também oferecer novas formas de servir mercados já maduros e estabelecidos. Companhias aéreas de baixo custo ainda tem em seu cerne o transporte, mas a chamada “base da pirâmide” ainda pode ser amplamente explorada. E não se trata apenas de produtos, grande parte das marcas reconhecidas hoje no mercado possuem como sua principal força de vendas a internet, como o EBay, o Google, Skype e Amazon. (TIDD & BESSANT, 2015).

Neste contexto, cada mudança oferecida pela inovação pode assumir diversas formas. Segundo Tidd et al (2015) pode-se caracterizar a inovação em 4 dimensões (figura 1) conforme as áreas de atuação da inovação.

FIGURA 1: Os 4Ps do espaço inovativo

Fonte: adaptado de Tidd & Bessant (2015)

Neste modelo observa-se o foco em Produto (mudanças no que — produtos/serviços — uma empresa oferece); Processo (mudanças na forma como produtos/serviços são criados e entregues); Posição (mudanças no contexto em que produtos/serviços são introduzidos) e finalmente; Paradigma (mudanças nos modelos mentais subjacentes que orientam o que a empresa faz), formulando-se assim os 4Ps da Inovação. Na figura 1, ainda observa-se o espaço de inovação e a relação desses “4Ps” sendo que uma aplicação para serviços, diferentemente de uma aplicação a produtos, possui uma linha muito tênue com o próprio processo em si.

Se para Tidd e Bessant, verifica-se uma organização da inovação em relação ao meio no qual ela se estabelece; uma visão complementar bastante rica para o entendimento de sua dinâmica evolutiva pode ser percebida a partir do conceito de funil de inovação, proposto por Wheelwright e Clark (1992), onde temos um processo sobre a seleção sucessiva de ideias e iniciativas enquanto as mesmas são amadurecidas sob as perspectivas de atratividade e viabilidade (figura 2). Modelo que inclusive, foi aprimorado por Chesbrough a partir do conceito de Inovação Aberta. Para ele, a chave do sucesso é o controle sobre todo o processo de inovação, desde a concepção da ideia, passando pelo desenvolvimento até a comercialização. Isso significa que as empresas escondiam as informações sobre novos produtos e processos porque acreditavam que se elas inventaram, ninguém melhor que elas para comercializarem.

FIGURA 2: Funil da Inovação

Fonte: adaptado de Wheelwright e Clark (1992)

Essa forma de conduzir a inovação, conhecida como Inovação Fechada (figura 3), foi muito utilizada no século XX, porém acabava atrasando o desenvolvimento da tecnologia e limitava os processos de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) das empresas, sendo assim, com a globalização e o desenvolvimento da tecnologia, onde as empresas desenvolveram uma comunicação maior, o modelo de Inovação Fechada limita o processo inovador em torno do conhecimento, da formação de redes de operações entre empresas e também a competitividade entre empresas da mesma rede. Esse modelo tradicional de inovar, fechado e com foco interno, está esgotado (CHESBROUGH, 2003;2006).

FIGURA 3: Inovação Fechada

Fonte: adaptado de Chesbrough (2003)

Desta forma, um novo modelo foi estabelecido onde as ideias podem e devem fluir além dos limites da empresa, ampliando seus horizontes e fornecendo caminhos para novos mercados. A chamada Inovação Aberta (figura 4), passou a figurar como um das novas abordagens para que empresas, outrora restritas a seus próprios modelos de pesquisa e desenvolvimento, pudessem evoluir mais significativamente suas ofertas de valor no mercado. Esse modelo prevê parcerias com instituições de ensino, assim como organizações que fomentam o desenvolvimento de inovações tecnológicas. Para atender as organizações que optam por essa parceria, já existem políticas de normatização e regulamentação para proteger a propriedade intelectual, pois a parceria feita para o desenvolvimento de novos produtos, serviços, tecnologia e processos, passa a ser em conjunto com outras instituições. Por outro lado, Siqueira (2007), afirma que a questão da propriedade intelectual pode configurar-se como uma restrição para a completa adoção da inovação aberta no Brasil, pois não há, no país, a tradição de registrar a patente, porém nos últimos anos, houveram o surgimento de iniciativas propícias para este formato no país, a exemplo da Embrapii, em 2013, que tem por missão apoiar instituições de pesquisa tecnológica, em selecionadas áreas de competência, para que executem projetos de desenvolvimento de pesquisa tecnológica para inovação, em cooperação com empresas do setor industrial; que estão mudando este cenário.

FIGURA 4: Inovação Aberta

Fonte: adaptado de Chesbrough (2003)

Um outro modelo pode ser estabelecido a partir da sua iniciativa, risco e execução, estabelecendo assim um espectro entre mais fácil e mais difícil. Neste caso, podemos ter o modelo S (Simples), o modelo R (Repetível) e por fim, o modelo C (Customizado) conforme a figura 5. O modelo S reconhece que até mesmo as máquinas de desempenho mais eficientes ficam aquém da perfeição, portanto, a estratégia central deste modelo é tentar comprimir a inovação na folga. Já o modelo R tenta fazer a inovação tão repetível e previsível quanto possível, à semelhança do ciclo contínuo, se tornando mais complexo que o modelo anterior já que aqui é necessário uma série de iniciativas de inovação similares. Por fim, iniciativas grandes demais para se enquadrarem no modelo S, ou diferentes demais dos esforços de repetição do modelo R, exigem um modelo customizado, o modelo C. Neste, as incompatibilidades fundamentais entre inovação e operações contínuas são sérias, e só podem ser abordadas pela distinção entre atividades necessárias a inovação das operações de rotina (GOVINDARAJAN, 2014).

FIGURA 5: Espectro da Inovação

Fonte: adaptado de Govindarajan (2014)

Ao se analisar apenas os aspectos tecnológicos e as características do negócio, podemos estabelecer 3 grupos diferentes de inovações: as radicais, as semi-radicais e as incrementais. Na figura 6, exemplifica-se como Radical só aquela que ocorre quando há a introdução de uma nova tecnologia, simultâneamente, com a implantação de um novo modelo de negócio. Já as Semi-Radicais são maiores do que as de cunho Incremental, pois tem o intuito de modificar de forma significativa o modelo de negócio ou a tecnologia utilizada pela organização (DAVILA, EPSTEIN & SHELTON, 2007).

FIGURA 6: Matriz da Inovação

Fonte: adaptado de Davila, Epstein & Shelton (2007)

Outra forma de visualizar o espectro da inovação mais profundamente se encontra no Radar da Inovação, um framework que surgiu no intuito de estabelecer todas as dimensões pelas as quais as organizações poderiam visualizar oportunidades de inovação. Mais do que um mapa, esta ferramenta é composta por 4 dimensões chave que funcionam como âncoras:

  1. As ofertas que a organização criará;
  2. Os clientes que elas atendem;
  3. O processo que se constitui;
  4. Os pontos de presença que são usados para que essas ofertas alcancem o mercado.

Entre cada uma dessas âncoras verifica-se outras oito dimensões secundárias, conforme figura 7, que podem servir como caminhos a serem perseguidos para se estabelecer uma estratégia de inovação (SAWHNEY, WOLCOTT & ARRONIZ, 2006).

FIGURA 7: Radar da Inovação

Fonte: Adaptado de Sawhney, Wolcott & Arroniz (2006)

Outros três modelos, de forma complementar, podem ser adicionados aos paradigmas já mencionados podendo ser descritos pela sua caracterização assim como pelas suas fases. Para Quadros (2008), existem três dimensões que envolvem primordialmente processos, recursos e organização pela ótica da governança, onde suas fases incluem o mapeamento e prospecção, ideação, seleção estratégica das oportunidades, assim como a mobilização de fontes internas e externas, e por fim, a implementação e a avaliação. Para Adams et al. (2006) existem 7 categorias de processos que envolvem a gestão das ideias, do conhecimento, uma estratégia de inovação bem definida, cultura bem estabelecida, estrutura organizacional, gestão do portfólio, gestão de projetos e comercialização. Eles defendem a necessidade de monitorar a inovação sob a ótica da gestão de processos, e não somente com métricas voltadas para seus resultados finais. Por fim, Hansen e Birkinshaw (2007), propõem um modelo para a cadeia de valor da inovação utilizando-se de três fases, a primeira onde se tem a geração, conversão e difusão de ideias; a segunda a partir de seis tarefas que estabelecem a colaboração interna, externa e entre unidades; e por último a seleção e desenvolvimento de ideias assim como sua difusão posterior, onde, para se identificar possíveis gargalos na complexa gestão da inovação, é primordial que se estabeleça uma estratégia de monitoramento do desempenho em toda a cadeia de valor da inovação da organização.

Uma vez estabelecido alguns dos prováveis campos de atuação e o que é relevante tanto na aplicação, na forma e nos agentes que compõem a inovação é importante salientar que a inovação não é sobre novas coisas, mas sobre novos valores. A inovação é relevante somente se esta cria valores para as pessoas, o que por conseguinte, gerará valor para a organização como um todo. Os consumidores são os únicos que decidem o valor de uma inovação pelo voto de suas carteiras, não importa o quanto a empresa acredite o quanto ela é inovadora, o que importa é se os consumidores pagarão por ela — e por quanto tempo (SAWHNEY, WOLCOTT & ARRONIZ, 2006).

Método

Para o presente estudo foi utilizado o método de revisão da literatura de forma narrativa, também conhecido como revisão bibliográfica tradicional que se baseia em um processo de busca de resposta (as) a uma determinada pergunta. Ingram et al. (2006) lembram que a revisão da literatura não é um processo de sumarização. Ela envolve a organização e a discussão de um assunto de pesquisa.

Para Rother (2007), a revisão narrativa possibilita a aquisição e atualização de conhecimento sobre um determinado tema em curto período de tempo; no entanto, não possui metodologia que viabilize a reprodução dos dados e nem traz respostas quantitativas para determinados questionamentos.

Considerações Gerais

Com base nos modelos apresentados, observa-se uma vastidão de possibilidades para que empresas, independentemente do seu tamanho, possam absorver com certa facilidade um modelo de gestão, a fim de se estabelecer diretrizes que possam auxiliar as estratégias do negócio, quer seja a partir de um fragmento, como a simples gestão de ideias e do conhecimento; assim como a gestão global, onde vários aspectos são contemplados de uma única vez, tornando o esforço maior, mas também muito mais significativo.

Neste pequeno panorama, ainda pode-se observar uma evolução dos modelos a partir de novos contextos, vide a relação estabelecida entre o funil da inovação face ao modelo proposto por Chesbrough com a Open Innovation, onde algumas implicações podem estar relacionadas com a bolha da internet no final dos anos 90 e o surgimento das startups neste ínterim, por exemplo. Outro fator, ainda na última década, se deve a intensa mudança nos meios de comunicação com o aumento da banda e disponibilidade da web, o que de certa forma, privilegiou a disseminação espontânea de informação, o que, não necessariamente, se tornou fonte de conhecimento, principalmente no âmbito da inovação.

Portanto, ao se corroborar com os pontos levantados por Christensen et al (2015) e Chesbrough (2012), espera-se estabelecer, a partir do presente estudo, não então somente a concordância sobre o uso, por vezes errôneo, de suas teorias; mas principalmente fortalecer a disseminação dos estudos que permeiam a gestão da inovação no intuito de colaborar para uma comunidade acadêmica de forma mais ativa e, consequentemente, uma aplicação mais efetiva dos modelos teóricos no mercado.

Referências

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Daniel Lugondi

Innovation and Change Management Consultant. Founder, vocalist, and guitarplayer at @HammurabiBrasil