Primeirão.
Poucas coisas na vida são mais importantes pra mim do que usar algo antes de todo mundo. O Uber Pool tinha acabado de sair e eu queria usar logo. Saí do restaurante decidido. Vou experimentar esse novo recurso. Economia compartilhada é o futuro. Vou economizar 2 reais e ainda vou conhecer outras pessoas. Esperto. Como eu sou o primeiro dos meus amigos a usar, eu percebi que demora um pouco mais pro carro chegar. Muito mais, na verdade. Tempo suficiente pra pensar na vida. Tempo suficiente pra ver o restaurante fechar e te deixar sozinho do lado de fora, no escuro. Tempo o bastante pra ser assaltado. Mas eu saberia disso antes que o resto do mundo. Esperto.
10 minutos pro carro chegar. A rua vai esvaziando. Eu nunca fui assaltado antes, mas já comecei a ficar mais atento. Estou tranquilo. Eu não sou uma pessoa assaltável.
9 minutos. Eu posso cancelar a corrida e pedir um carro novo em um lugar mais movimentado. Mas pra cancelar a corrida eu teria que pagar 7 reais. Isso não vai acontecer. Hora de colocar em prática toda a sabedoria das ruas adquirida ao longo da minha vida. Tentei ficar na posição mais ameaçadora possível. Acendi um cigarro, franzi a minha cara e alarguei os ombros. Quero ver quem me encara. Estou pronto.
8 minutos. Me sinto cada vez mais sozinho. Passo a desconfiar de que posso não ser tão intimidador quanto eu pensava. Eu nunca fui o mais durão da escola. Essa estampa de desenho animado, na minha camiseta também não vai ajudar.
Um mendigo veio em minha direção, já olhei e assumi que não era um perigo. Ele vem e me pede pra comprar uma marmita, mas eu não tinha dinheiro. Eu pedi desculpas e ele pareceu estranhamente surpreso. Não é possível que eu fui o único a falar não pra ele.
Ele foi embora e apareceu outro sujeito. Ele passou por mim, me olhou e parou 10 metros depois. Ficou me olhando. Que filho da puta esquisito. 5 minutos.
Como eu posso intimidá-lo pra evitar o assalto? Eu posso fingir que sou policial. Ótima ideia. Com essa barba eu teria que ser um policial civil. Mas eu não estou de camisa polo. Droga. Fingir que você é um policial é crime também, né? Eu posso fingir que sou louco. Baguncei o meu cabelo e comecei a balbuciar umas palavras sem nexo. Nêspera. Matilda. Arroba!
4 minutos. Eu tenho que surpreender esse cara. Por que ele parou do meu lado? Ele fica me olhando. O que eu posso fazer? Se eu sair daqui eu posso perder meu Uber e ter que pagar 7 reais. Se eu ficar eu posso perder meu celular. Vale o risco. Vou ficar. Começo a me alongar na rua. Amarro meu tênis e aperto o cinto. Estou preparado para uma possível briga. Ou fuga.
6 minutos. Porra, Uber. Não me deixa na mão, cara. Ele está se aproximando pra mim. Tenho que agir agora. Eu vou atacar esse filho da puta. Não. Atacar acho que não. Tive uma ideia melhor. Eu vou assaltar ele.
Por que ninguém nunca pensou nisso antes? Assaltar o assaltante. O fator surpresa é muito importante. Eu nunca assaltei ninguém. Não deve ser tão difícil. 4 minutos.
Vou ter que agir rápido. É só chegar lá com confiança e usar as palavras certas. Fui andando em direção a ele. Contato visual feito. OK. Agora vai ter que rolar. Não posso ser um covarde.
Tenho que parecer seguro. Segurança é o segredo. Tomara que eu não comece a gaguejar.
Respiro fundo e grito:
-Ei, você!
Ele me olha nos olhos. O que eu falo agora? Isso é um assalto? Passa a porra do celular? Acho que bandidos não falam assim. Eu queria já ter sido assaltado antes pra poder ser falar de maneira mais realista. E se ele disser não? Eu não posso ser rejeitado agora:
-Que horas são?
Ele pausou, estendeu o braço e disse:
-Cara, fica na boa, tô só esperando o meu Uber.
-Eu também to esperando meu Uber.
-Pool?
-Sim.
-Palio HTC?
-Sim.
-É a primeira vez que você usa?
-Sim.
-Então, eu vou na frente.