Ascensão cultural na selva

Danilo Araujo
3 min readMar 13, 2018

--

Festa ‘’Mamba Negra’’ Cine Marrocos, 2014.

Já fazem alguns anos que a cidade de São Paulo está vivendo um momento de efervescência cultural jamais vista. Movimentos culturais de rua, coletivos independentes, ocupações artísticas, músicos, artistas visuais, etc. Eles estão em constante surgimento por aqui, assim como sempre estiveram. Porém, dessa vez assumindo uma forma mais plural.

Documentário Reclaiming the Jungle

O documentário ‘’Reclaiming the Jungle’’ acima, foi lançado em 2015 com diversos produtores de festas independentes da noite em São Paulo, como Paulo Tessuto da Carlos Capslock, Mauro Farina da Free Beats, o alemão Thomash Haferlach da Voodoohop, dentre outros, falando sobre o atual cenário urbano em sampa. O alemão Thomash Haferlach foi o impulsionador desses movimentos de festa de rua, levando seu conceito para outros artistas que passaram a contribuir com o cenário, cada um a sua maneira.

Já fazem dez anos em média que São Paulo está passando por esse período, e ninguém esperava a proporção que ia tomar hoje. Fruto de um cenário sociopolítico escasso, o protagonismo cultural que tomou conta de São Paulo foi fruto do reconhecimento do espaço urbano como público. Todos têm direito à cidade, ao lazer, à arte.

O imenso vazio que tomava conta da cidade era sintomático para as pessoas que se sentiam excluídas de seu próprio lugar, destituídas de livre acesso ao seu próprio território. A mutação pela qual passou o espaço geográfico cultural em São Paulo, foi determinante para a liberdade de expressão nas ruas e o direito de ir e vir.

Porém, infelizmente com o crescimento de tais movimentos, os conflitos com o poder público e privado têm se tornado cada vez maiores. Conforme as gestões políticas mudam, as demandas da cidade também mudam. São Paulo é uma cidade de metamorfoses cíclicas.

Os coletivos culturais do último ano pra cá, têm sentido na pele essas drásticas mudanças de gestão política. A burocracia de um processo de alvará, o descaso com as festas de rua, a falta de reconhecimento desses movimentos em ascensão como propagadores de cultura, são fatores que dificultam a continuidade das festas.

Está chegando a um ponto em que cada coletivo está indo para o seu lado, focando em suas demandas individuais, pois é um movimento extremamente complexo e ainda mal visto. Os gastos com as festas são muito grandes, e a prefeitura não dá nem um suporte básico (como verba para banheiros químicos por exemplo), mesmo com um alvará.

Foi o evento acima que me levou a escrever esse artigo. Ele foi uma iniciativa de alguns representantes de coletivos de música eletrônica (Mamba Negra, Namíbia, Carlos Capslock, etc.), com a participação de André Sturm (Secretário Municipal de Cultura) e Mirik Milan (Prefeito da Noite de Amsterdã), em parceria com o consulado alemão no ano de 2018.

A primeira impressão foi de que seria um evento extremamente produtivo, afinal, o objetivo era dar início a uma série de debates sobre as atuais dificuldades pelas quais os coletivos têm passado atualmente. Porém, houve alguns atritos.

Representantes de alguns movimentos culturais (como do hip-hop), cobraram do Secretário André Sturm verba congelada pela Secretaria de Cultura prometida pela gestão passada do prefeito Haddad, e então os ânimos se afloraram um pouco.

Pequenos atritos de representantes de uma vertente com outra, como se os organizadores estivessem ali para dar voz unicamente aos coletivos de música eletrônica que estão em ascensão, o que não era o caso. Aquele encontro visava a tentativa de unir forças com os outros coletivos que sofrem com as mesmas dificuldades, para que seja possível buscar alternativas concretas e viáveis de garantir seus respectivos espaços. E claro, continuar dando voz à cidade.

A iniciativa foi excelente, e foi possível compreender os sentimentos e as reações ali em expoente. O enfurecimento e o cansaço de pessoas que estão contribuindo para um movimento de extrema importância para a cidade, eram ali predominantes. Nunca é fácil trabalhar com arte nesse mundo de falsas verdades. Principalmente a arte do cenário alternativo. Mas estamos todos aí.

Existe uma certa inspiração no movimento da Tropicália que passou por coisa pior, em um período ditatorial, de cerceamento de direitos civis. Hoje, posso dizer que vejo uma extensão da Tropicália em tempos de globalização artística e cultural.

Não há horizontes positivos para a continuação dessa onda de ocupação do espaço público, mas, os movimentos ainda resistem e tentam caminhar como podem.

Sigamos.

--

--

Danilo Araujo

renegar. resplandecer. instagram: @weirdflex_92 @blindsorcerer_art