sobre modelos de realidade

Danilo Bueno
4 min readSep 1, 2017

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“A vida é para nós o que concebemos dela. Para o rústico cujo campo lhe é tudo, esse campo é um império. Para o César cujo império lhe ainda é pouco, esse império é um campo. O pobre possui um império; o grande possui um campo. Na verdade, não possuímos mais que as nossas próprias sensações; nelas, pois, que não no que elas vêem, temos que fundamentar a realidade da nossa vida.” – Fernando Pessoa

este texto surgiu como que do nada, literalmente em uma conversa de café, talvez tal qual surgiam as idéias dos iluministas franceses nos cafés parisienses no século 18.

muitas de nossas convicções, de nossos valores e de nossas verdades, se não todas, dão-se por razão de um dos três pontos abaixo:

  1. interpretação de nossas experiências – como nos sentimos e reagimos diante de um fato;
  2. o que os outros nos dizem – como encaramos e recebemos o que é dito a nós;
  3. o que dizemos a nós mesmos – como pensamos e processamos os dois pontos anteriores.

não é surpresa que tanto tem se falado ultimamente em inteligência emocional, em resiliência, em expansão de consciência, em autoconhecimento, entretanto, veja que curioso, este é o meu modelo de realidade, e talvez dê-se pelo fato de que está relacionado a coisas que tenho lido, que tenho estudado, e não que seja um tema extremamente popular. pode ser até mesmo culpa dos tais algoritmos seletivos, tão em voga hoje (!?). quer dizer, não que este seja um tema tão falado, mas pra mim, baseado no que busco e vejo na internet, é algo constante.

arte: sociedade brasileira de inteligência emocional

o castanhari explicou muito bem (pra variar), isso e também o conceito de bolha social, no vídeo deste link.

o fato, é que estes modelos de realidade, são construídos com base nos três pontos acima, e são armazenados e acontecem em nosso inconsciente. estar cada vez mais presente ao que se esta vivenciando e como aquilo esta sendo absorvido e processado, ainda será um diferencial em minha opinião, até que a interface cérebro-máquina esteja altamente massificada e popularizada.

como encaramos as dificuldades, surpresas, decepções, desafios ao longo do dia, são resultados de nossos modelos de realidade e também resultantes deles estão nossos pré-julgamentos, nossos preconceitos e também nossas contradições.

um ponto é que muitas vezes encaramos nossos próprios modelos de realidade como verdades absolutas e então surgem os extremismos, a intolerância e os radicalismos.

vivemos de intenções e quando agimos, achamos mais do que nunca que temos credenciais para criticar e julgar. e aí, tudo o que se prega, perde sentido.

vivemos um tempo onde a opinião não pode ser emitida, por mais ferramentas que tenhamos e a emitimos, é um contra senso.

vivemos um tempo onde o racismo, a opinião, a divergência, as diferenças, e a incompreensão são muito mal divididos por uma linha tênue.

vivemos um tempo de minorias e causas.

vivemos um tempo de burrice coletiva e inteligência individual, onde o que eu penso sempre é certo, mas o que todos pensam é errado. (olha que louco!)

vivemos um tempo de absurdos.

vivemos um tempo de conservadorismo, onde a demanda é exatamente pela modernidade.
vivemos um tempo de caos, onde a demanda é exatamente pela ordem.
vivemos um tempo de críticas, onde a demanda é exatamente pela compreensão.

idéias contrárias não são aceitas.
discussões são infrutíferas.
todos somos os donos da razão.
opiniões não são bem vistas.

e que ironia a nossa em afirmarmos e dizermos tudo ao contrário?

não é surpresa alguma os noticiários que vemos dia após dia.
não é surpresa alguma cada vez mais pessoas doentes, surtando, se estressando, entrando em colapso, em depressão.

vivemos cada vez mais, modelos de realidades irreais.

ou será, que a quantidade absurda de distrações, de informações, de estímulos, nos torna cada vez menos presentes para o nosso presente, e consequentemente, nos coloca em estado alienado, dentro de uma bolha o qual encaramos como a única realidade possível?

o fato é que não existe uma realidade única. a realidade de alguém no brasil, definitivamente não é a mesma realidade de alguém nos estados unidos, por n fatores.

a realidade de alguém de classe média, definitivamente não é a mesma de alguém de classe baixa.

a realidade de uma mulher, definitivamente não é a mesma de um homem.

já parou pra pensar sobre isso?

não é apenas sobre racismo, sobre intolerância e sobre radicalismo.

é sobre seu modelo de realidade, sobre a bolha onde se meteu.

fazer as coisas do mesmo jeito, só irá nos levar para o mesmo lugar.

quem me dera ao menos uma vez
provar que quem tem mais do que precisa ter
quase sempre se convence que não tem o bastante
fala demais por não ter nada a dizer - índios (legião urbana)

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