AUTORA: ERIKA DYCK, PH.D (1)
TRADUÇÃO E REVISÃO: BERNARDO JOSÉ E DANIELA MONTEIRO
(2)
Redwing Keyssar: Enfermeira, Parteira para Moribundos, Cerimonialista
--
Há uma razão para chama-la de Mãe Terra. A natureza nos ensina. Ela nutre.
Protege. Tudo o que nasce, vem deste planeta e de nossa própria encarnação física
na Terra. E, em troca, devemos honrar e respeitar a Terra, como fazemos com nossas
mães. A vida de Redwing Keyssar é um testamento desses princípios, e sua jornada é
a insígnia dessa relação.
As conexões de Redwing com plantas medicinais psicodélicas se estendem por
várias décadas, desde explorações juvenis, por meio de atividades acadêmicas, até a trajetória de uma vida de dedicação no cuidado de pacientes crônico-evolutivos. Os medicamentos vegetais foram professores cruciais em sua vida. Redwing extraiu
experiências, ensinamentos e influências de diferentes fazeres
ritualísticos/cerimoniais ao se conectar com a Terra, incluindo as tradições indígenas
norte-americanas, budistas e pagãs/celtas. Para Redwing, a maioria de seus professores espirituais e curandeiras, eram mulheres. Aprender com mulheres e
plantas medicinais a manteve conectada à Mãe Terra.
Exploração Juvenil
Em sua adolescência na década de 1960, crescendo em Nova Jersey - EUA,
Redwing aprendeu sobre psicodélicos simplesmente por viver em uma cultura que
fazia experiências com substâncias que alteram a consciência de maneiras "mais
públicas". Os psicodélicos estavam nas notícias. Timothy Leary, Ram Dass, o Grateful
Dead, Janis Joplin - todos estavam tomando ácido e "dropando em suas trips". As
notícias no jornal de sua cidade local declaravam que 99% de sua escola havia experimentado maconha. (Os pais de todos pensavam que seus filhos, é claro, estavam no 1% que não!) Era a época de Woodstock e o "Verão do Amor".
(1)
Link (versão original): https://chacruna.net/redwing-keyssar-nurse-midwife-to-the-dying-ceremonialist/
(2) Bióloga e Psicoterapeuta - Pós-graduada em Psicologia Transpessoal
Buscando Conhecimento e Conexão
Embora as drogas recreativas fossem onipresentes em seus círculos sociais,
ela sempre teve a sensação de que esses “remédios” deveriam ser usados para
aprender mais sobre a psique e a condição humana. Suas experiências, ela explicou,
não eram sobre como escapar, ou tomar uma substância simplesmente para fins
recreativos. Ela sempre quis aprender mais sobre sua conexão com os outros, com o
universo e com a criatividade. A mescalina, do cacto peiote, por exemplo, pode ser
um professor temperamental - permitindo enfrentar aberturas mentais difíceis e
também estimulantes. Foi sua primeira “professora” no reino psicodélico. A
interpretação de Huxley de abrir as "portas da percepção" fez sentido para Redwing,
em uma idade precoce, permitindo-lhe passar por essas portas, criar obras de arte relacionadas às suas experiências e, finalmente, fazer mudanças drásticas no
caminho de sua vida.
Desilusão Acadêmica
Pensar fora da caixa veio naturalmente para esta curandeira iniciante.
Destinada à faculdade de medicina na década de 1970, Redwing matriculou-se na
Brown University. Cercada por professores do sexo masculino no auge do movimento feminista, no entanto, a universidade foi um campo de batalha para
interpretar diferentes tipos de evidências. A evidência personificada, ou conhecimento experimental, alimentou o ativismo pela saúde da mulher na época,
levando a publicações marcantes, como Our Bodies Ourselves (escrita pelo Boston
Women’s Health Collective), que desafiava a ideia de que médicos (ou políticos) do
sexo masculino pudessem realmente compreender as experiências das mulheres ou
tomar decisões sobre seus direitos e corpos reprodutivos.
Esse sentimento não se aplica apenas aos direitos reprodutivos e às questões
de saúde das mulheres. Redwing tentou essa lógica em uma aula de filosofia, onde
usou suas experiências com a mescalina como tema de um ensaio, relacionando as
teorias de Martin Buber sobre o "Eu e Tu", a seus próprios entendimentos espirituais
pessoais. Seu professor não ficou convencido, o que lhe deixou impressionada,
acerca da rapidez com que suas experiências podiam ser invalidadas na academia.
Aprendendo além da Academia
Deixando para trás seus sonhos da faculdade de medicina, Redwing
abandonou a universidade e os confins da Costa Leste, mas continuou aprendendo
com diversos professores sobre as relações entre os seres humanos e a Terra.
Aprender a como apreciar os medicamentos vegetais, despertou a curiosidade
de Redwing a estudar com a Terra.
Foi enquanto vivia na zona rural do norte da Califórnia que ela experienciou os ensinamentos da cerimônia do peiote nativo americano, bem como, as propriedades
curativas de outras plantas psicodélicas. Esses ensinamentos desempenharam um papel extremamente importante na formação de suas atitudes em relação à vida e à
morte, bem como na compreensão de sua própria capacidade de ouvir sua intuição, estar presente e entender o que significa "manter um espaço sagrado".
Redwing Keyssar: Professora e Cerimonialista
Ela sente que sua experiência em liderar cerimônias de várias naturezas nos
últimos 40 anos formou seu desejo e capacidade de ser uma professora no campo de cuidados paliativos, bem como em áreas criativas, como liderar workshops de
“Medicina Poética”. Começando com as cerimônias de peiote, Redwing aprendeu a apreciar as lições tiradas dessas plantas, em termos de acessar suas próprias
habilidades para curar e ser curada, e para "canalizar" informações de "reinos", além do nosso mundo tridimensional típico. Estava claro para ela que a intenção e o ritual
eram partes essenciais para criar comunidades de cura e compreender a conexão de
todos os seres.
Cerimônia
A cerimônia com o peiote, não se resume a seu consumo, mas envolve
respeito, ritualística e deferência. Antes de tomar peiote - ou qualquer outro
psicodélico - é preciso se preparar. A preparação pode envolver jejum e meditação, plantar sementes de intenção, mas necessariamente requer que se prepare
emocionalmente, fisicamente e espiritualmente para as aulas, que então devem ser integradas à vida diária. As plantas professoras podem revelar percepções
importantes, mas o consumidor precisa estar pronto para aceitar e integrar os ensinamentos. Do contrário, por que pedir/orar por um tipo de cura?
Acima de tudo, o aspecto cerimonial das plantas psicodélicas tem muito a nos
ensinar sobre todos os rituais de vida e morte. Redwing explica que as plantas
psicodélicas são uma ferramenta espiritual e emocional que pode ser útil para se
estabelecer e aprender a confiar em nossos corpos e mentes. Esta lição é essencial
para que possamos usar o conhecimento experiencial como curadores e cuidadores, especialmente com aqueles no final da vida.
É importante notar aqui que, embora as ritualísticas cerimoniais básicas com
plantas psicodélicas tenham sido ensinadas a muitos brancos e transmitidas a outros,
ainda há muitas controvérsias sobre os não-indígenas que usam esses ensinamentos
em contextos outros. Na comunidade espiritual de Redwing, esta controvérsia é reconhecida e tem oração. As cerimônias também evoluíram nos últimos 40 anos
para se tornarem um tipo diferente de ritual, baseado nas tradições e ancestrais de
todos os participantes.
Ela sente que esta evolução honra as raízes indígenas de tantas tradições de
cura com plantas medicinais, enquanto, ao mesmo tempo, permite a transmissão de tradições de cura para culturas e comunidades que precisam de ensinamentos
espirituais e de cuidados que ressoam com as nossas experiências de viver no mundo
em pleno século XXI, a Era de Aquário - onde ainda esperamos que o Amor guie as
estrelas.
Uma Tragédia Estimula a Cura
Em 1988, Redwing enfrentou uma tragédia que esclareceu sua jornada nas
artes da cura. Uma querida amiga sofreu uma série de ferimentos brutais em um
acidente de motocicleta que a deixou incapacitada e presa a aparelhos de suporte
vital em uma unidade de terapia intensiva. Sob o emaranhado de cabos, o barulho das máquinas que apitavam e sob as luzes fluorescentes do quarto de hospital, a
amiga de Redwing estava morrendo.
Ao longo de suas visitas diárias, os pensamentos de Redwing derivaram para
as memórias de sua própria avó, uma forte judia que era enfermeira e parteira na
virada do século XX na Rússia. Redwing sentiu que "ouviu" a voz de sua avó,
deixando-a saber que seu destino, sua razão de estar na Terra neste momento, era
ser uma parteira para os moribundos. Naquele momento Redwing comprometeu-se
a retomar os ensinamentos da faculdade de medicina, a fim de se tornar enfermeira
e cuidar de pessoas neste período de suas vidas.
Parteira para Moribundos
Nos últimos 30 anos, Redwing trabalhou com cuidados paliativos como
enfermeira, parteira para moribundos, professora e autora. Sua carreira é anterior à
introdução das unidades de cuidados paliativos em hospitais, quando estes cuidados
ao morrer, frequentemente ocorriam sem a consideração de todos os níveis de sofrimento físico, mental e espiritual - em unidades de oncologia, pois os pacientes enfrentavam diagnósticos terminais sem muita discussão ou em UTIs onde o“suporte de vida” invasivo não era questionado. Foi só no início da década de 1980
que os Hospices
(3) passaram a ser uma oferta do Medicare nos Estados Unidos, e
levou muito mais anos para que as pessoas incorporassem a filosofia mais ampla de
cuidados paliativos em hospices e ambientes hospitalares. Ela observa que ainda
estamos trabalhando nessa integração em 2020.
Independentemente de onde as pessoas morrem, afirma Redwing, ainda
vivemos em uma cultura com fobia de morte. Preferimos esconder isso. Ainda
evitamos falar sobre morrer com os vivos. Mas, suas experiências e percepções ao
lado da cama de centenas de pacientes são lembretes pungentes de que a morte faz
parte da vida e pode ser uma bela transição. Ela narra isso em seu livro, Last Acts of
Kindness, Lessons for the Living from the Bedsides of the Dying
(4)
(Últimos atos de
bondade, Lições para viver ao lado da cama dos moribundos), 2011.
(3) Hospices, Hospedarias, ou ainda, a Casa para as Pessoas que Morrem, é um conceito que nasce na Idade Média, ao se
espalharem pelos Caminhos de Peregrinagem. O movimento hospice moderno, surge de forma estruturada então no pós-guerra - 1948, 1950 e da priorização específica por cuidados que até então, deixaram agudas as questões do sistema
de saúde inglês da época - reabilitação, aumento do número de idosos, mudanças demográficas, aumento de doenças
crônico-degenerativas, assim como, por outro lado, um aumento do número de especialidades médicas. A definição de
Hospice supera o conceito vinculado a um espaço físico apropriado aos cuidados paliativos, estando mais relacionado a um
conceito filosófico, reconhecendo o cuidar respeitoso, a conciliação dos diversos profissionais que dele fazem parte, em
suas práticas e relações interpessoais ali construídas, trazendo para a centralidade dessa fase do processo o conceito da
Boa Morte. Em um Hospice, os pacientes participam ativamente das escolhas sobre como viverão e experimentarão a
experiência do Morrer, de forma consciente, tendo suas escolhas privilegiadas. (MONTEIRO, 2020 - O lar para as pessoas
que morrem - o movimento hospice modernos sob a perspectiva transpessoal).
(4) https://redwingkeyssar.com/book/
A Jornada do Câncer de Redwing
Redwing continuou a buscar inspiração e novas percepções de suas próprias
experiências corporais. Em 2013, ela se deparou com o próprio diagnóstico de câncer, experiência que lhe agregou conhecimentos no que se refere a empatizar e
orientar as pessoas no processo de enfrentamento de uma doença grave, desde o dia
do diagnóstico.
Durante suas próprias sessões de quimioterapia, Redwing pesquisou quais
“fitoterápicos” estavam na origem de seus tratamentos. Taxol, uma quimioterapia
comum, vem de uma bela árvore de Teixo verde e roxo. A carboplatina, um dosagentes quimioterápicos à base de platina, vem originalmente da molécula de Platina
- uma bela rocha negra e brilhante. De natureza psicodélica? Não. Mas as origens de
plantas medicinais de poder? Sim!
Ela montou fotos dessas plantas e pedras e arranjou um altar de cura, cada
vez que ela entrou no centro de tratamento para realizar suas sessões. Este ritual é
apenas uma maneira pela qual a compreensão da medicina vegetal e da oração se
tornou uma ferramenta útil e prática em sua vida.
Extremamente grata pelos poderes curativos da quimioterapia e dos
medicamentos ocidentais, Redwing também continua a recorrer aos ensinamentos
dos medicamentos vegetais para ajudar na sua cura.
Medicamentos de plantas psicodélicas obviamente fazem parte dos “cuidados
paliativos”, diz Redwing. Aqueles que sofrem de doenças graves frequentemente lidam com questões de sofrimento emocional, psicológico, espiritual e existencial,
que a medicina ocidental não possui ferramentas e meios para tratar. O futuro promissor da legalização de psicodélicos para quem sofre de doenças graves, faz
parte da evolução da consciência desta Era de Aquário.
Redwing nos alerta para usarmos esses medicamentos com sabedoria, com
intencionalidade, de preferência com profissionais experientes ou indivíduos que saibam como criar cerimônias significativas/simbólicas. Expandir nossos "reinos" de
consciência e abrir nossas próprias “portas da percepção” pode ser uma das maneiras pelas quais poderemos realmente curar a nós mesmos, nossos entes
queridos e nossa querida Mãe Terra.