Nina Who?

Dani Vieira
4 min readFeb 19, 2018

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Meu primeiro contato com a Nina deve ter acontecido entre o final de 2015 e início de 2016. Uma agitação surgiu na timeline do meu Facebook. As pessoas comemoravam calorosamente o lançamento de um documentário. Nina who? Eu nunca tinha ouvido falar nela, acredito que se eu conhecesse alguma música dela, nem saberia de quem é. Fiz uma pesquisa rápida na época, só pra entender tamanha efervescência.

Meses se passaram e de alguma forma esbarrei com o som da Nina de novo. Agora, ela era a “Nina do documentário”. Eu sabia que ela era famosa e importante, mas, no fundo, ainda era a “Nina Who?” pra mim. Fiquei apaixonada por uma música dela, Ain’t got no, I got life o nome. Normal, eu me apaixono por músicas o tempo todo. Na verdade, eu fico viciada nelas, não é nem paixão o nome. Vício é uma palavra mais adequada. Mas, enfim, de brinde me afeiçoei também a Here comes the sun. Meu Deus, que linda! Pensei isso na época e penso hoje. Volta e meia a cantarolo e nem sei o porquê. As pessoas ouvem e indagam “Beatles?”, pauso a música que ecoa na minha mente, digo “Não. Nina. Nina Simone.” e volto a dançar com a música que se exibe só pra mim, em minha mente. As pessoas continuam “Sim, mas é do Beatles.” Paro a dança, a música continua e eu respondo “Mas eu gosto da versão dela”. O diálogo se finda e eu posso continuar a cantar e dançar.

Hoje eu escolhi algo aleatório pra assistir. Havia ficado curiosa com o documentário na época em que ouvi falar, mas, recentemente, ouvi as músicas da Nina e tudo parecia se encaixar. Que som incrível! Só, no silêncio e escuridão que só a madrugada reserva, pude me sentir tocada por aquela voz. Que voz! A energia que ela transmite parece percorrer todo o corpo e tocar o coração de forma que não sei explicar. Muitas vezes não faço ideia do que ela tá falando, mas sei o que sinto e isso é incrível. Nina! Só Nina agora.

O documentário me deixou com uma profunda inquietação. Pude dar um breve mergulho na história dessa nova/velha conhecida e e eu não sei se estava preparada para tudo isso. Nina era uma alma indomável, cruelmente presa em si. As pessoas pareciam se aproximar em troca de algo ou na intenção de tê-la, como se ela fosse um objeto. Você consegue sentir a tristeza disso? Talvez a minha antiga indagação, reflexo da minha falta de conhecimento, fosse algo mais real na vida dela do que podemos imaginar. Nina quem? A cantora? A pianista? A artista? E a pessoa?

Antes eu imaginava que ela tinha sido dessas mulheres que exalam poder, sabe?! De chegar e falar o que pensa, de mostrar confiança e ser sexy, algo parecido com os mitos Viola Davis e Beyoncé. Me deparei com um ser humano. Um ser humano cheio de histórias, dores, muitas dores, problemas reais, sentimentos que transbordam no olhar que hora parecia distante, hora triste ou perdido. Percebi que, inconscientemente, eu havia criado uma imagem comercial da mulher forte. Não conheço a história da Beyoncé ou da Viola. Embora eu penso não comprar a imagem que me é vendida, eu a absorvo. A história da Nina me deu um tapa na cara e me fez enxergar que ela era, de fato, uma mulher forte, poderosa mesmo, sabe? Que ela falava o que pensava. Não da forma que imaginei. E, pelo que pude perceber, poucos ali entendiam isso também. Ela era tudo isso por ser ela e, paradoxalmente, era taxada pelo mesmo motivo. Ela era forte por ter de lutar consigo e com o mundo. Como qualquer pessoa, é verdade. Mas ela não tinha estrutura para aguentar sozinha toda essa força da natureza. Em seu lugar, quem teria, não é mesmo? Ela lutou, resistiu!

Me compadeci das declarações dela não por ela ser uma artista incrível. Mas por ser alguém que não queria ter medo. Ela queria ser livre e tinha consciência desse desejo. E essa consciência do querer, embora seja combustão para mudanças, é o caminho para o sentimento de prisão.

Ao terminar o filme, eu me vi perdida em pensamentos e sentimentos. Me questionei se valeria a pena ouvir a música dela. Agora, o encanto me parecia um choro, um grito de socorro, o resultado das dores e demônios dela. Me senti culpada por ter gostado das músicas, do som e da voz. Minutos depois, enquanto escrevia essa linhas, na tentativa de organizar toda essa bagunça que ficou, procurei pelas suas músicas. Esqueci dessa conclusão que eu tinha chegado e desse sentimento de culpa. Toda a magia voltou a acontecer e dessa vez foi mais forte. Agora eu tinha uma mera noção de quem era ela. Percebi que a música dela pode ser sim, tudo o que eu havia concluído no final do filme. Mas também percebi que as músicas foram o seu refúgio. O seu grito mais forte e ensurdecedor. Um grito não de socorro, isso me pareceu que ela demonstrava de outras formas, mas um grito de quem era ela, do que ela estava sentindo e o que passava naquela mente. Um grito de crenças, esperanças e desejos. Ela gritava pra quem quisesse ouvir mas, acredito que, o seu destinatário era ela mesma.

Escrito em: Janeiro, 2017.

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Dani Vieira

Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência. Ou não.