Internet: O Manicômio Planetário

Somos todos loucos internados em um manicômio chamado internet, onde não há debate e cada um atira o seu discurso sem se misturar com os demais.

Danilo Novais
4 min readNov 21, 2013

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Toda vez que há o lançamento da coisa-mais-esperada-do-ano, a web rompe num debate sem fim de opiniões extremamente polarizadas. Não é mais permitido gostar pouco, ser indiferente ou simplesmente gostar, é preciso amar ou odiar e opinar a respeito. E viva à democratização da internet, uhul. Mas o que causa náuseas são os comentários radicalistas, propagadores do ódio gratuito ou do amor cego, e geralmente muito pobres, sem uma prévia análise ou tentativa de entendimento sobre o assunto em pauta. Além, é claro, da produção massiva de conteúdo inútil.

A verdade é que esse feeling enérgico que atinge boa parte das pessoas conectadas é resultado de uma era definida pelo excesso de informação. A internet hoje ecoa num barulho universal. Gatinhos fofos, memes repetitivos, hoaxes, títulos sensacionalistas e notícias insignificantes que fazem parte de um amontoado gigante de fatos dispensáveis ou debates desnecessários, cujo único objetivo é sucumbir nossa capacidade de pensar.

Estamos ficando mais rasos e a culpa é da internet?

Segundo o jornalista Nicholas Carr, estamos cada vez mais rasos e a culpa é da internet. Mestre em Literatura pela Universidade de Harvard, Carr tem uma visão niilista sobre o meio digital. Em seu livro A Geração Superficial ele levanta uma questão pertinente ao que estamos discutindo aqui: o que a internet está fazendo com os nossos cérebros? A resposta é devastadora, apesar de familiar. Tudo hoje ficou muito fácil, a um clique de distância, o que vem provocando o desfoque geral e a incapacidade de prestar atenção em um único tópico. Ele pontua que “a nossa mente está caótica, poluída e impaciente”, destacando a importância da calma e o retorno da atenção para reter melhor o que consumimos por aí.

Numa tentativa de sintetizar o momento atual da sociedade carregada de extremismos, o filósofo francês Gilles Lipovetsky criou o termo Hipermodernidade. O prefixo “hiper” é uma referência direta à intensificação de valores, sejam eles bons ou ruins. Acultura do excesso (tudo é urgente e em grande quantidade) é a que melhor caracteriza os tempos hipermodernos. Isso explica o comportamento desmedido, enfático, sem reflexão ou absorção do nosso âmbito atual.

De encontro à visão de Lipovetsky, os estudos de Alain Finkielkraut sobre os estragos da modernidade e a fragilização do meio social também apontam essa desregulação exponencial do coletivo. O ensaísta também francês considera a internet um manicômio planetário, onde não há debate, cada um atira o seu discurso sem se misturar com os demais. De um jeito mais pessimista e cético, ele acha que o engajamento vampiriza.

Brad Frost, um cara multitarefas e sem o título de filósofo, mas não menos importante, deu uma palestra exemplar sobre o futuro do conteúdo e o ruído produzido na internet, a qual se encontra logo abaixo e é muito digna de seus 20 — e curtos — minutinhos. Frost nos lança números chocantes para nos situar do contexto em que vivemos. Por exemplo, 90% de todos os dados já produzidos no mundo foram criados nos últimos 2 anos. Até parece mentira.

A vida além do hospício

Hoje qualquer fato pode ser o próximo #trendingtopic, mas geralmente são as ideias descartáveis — mais do que as boas — que chamam mais atenção. Todos podem dizer alguma coisa, o que soa legal a princípio, só que isso gera um zumbido enorme de pensamentos ou significados imutáveis das coisas. Todos os dias, histórias realmente proveitosas ficam sepultadas sob milhares de besteiras. O que vale neste mundo selvagem é comentar o próximo big evento, estar in, dar a notícia a todo custo, ainda que ela seja carregada de exageros, inverdades ou banalidades. Precisamos mesmo saber se a irmã do Neymar, de óculos, sorriu?

Pensando nisso, será que está na hora de darmos início ao movimento de inflexão deste manicômio? Será que não chegou o tempo de deixarmos a era do conteúdo flow — aquele rápido e instantâneo — e caminhar rumo à era do stock — aquele benéfico, proficiente e atemporal? São perguntas que surgem desta urgente necessidade de frear, de diminuir os passos para aproveitar melhor a jornada da vida, de conversar sobre assuntos substanciais.

Existe vida além do hospício. A valorização do falatório escraviza. Isto não significa que nós estaremos fora dessa sociedade digital e ultramoderninha.

Todos podemos ter uma opinião, afinal, somos seres complexos formados por gostos variados, mas isso não consiste na multiplicação de relatos triviais. Não precisamos desse dualismo: amar ou odiar. E não precisamos, definitivamente, acompanhar e comentar todas as estreias, lançamentos, acontecimentos, sejam eles corriqueiros ou extraordinários. Pra quê carregar mais este fardo? É a nossa saúde que está em jogo, tanto mental quanto física. Não suportamos por muito tempo esse ritmo acelerado. É exaustivo demais.

Nem precisamos dos dados assustadores de Brad Frost para percebermos que há muita falação pra pouca reflexão. Mas e agora: como quebrar este ciclo de consumo acelerado de informação? É possível desenvolvermos a contemplação em detrimento do imediatismo? Como sanar esta loucura e escapar da necessidade de sempre saber tudo?

As perguntas estão aí, agora cabe a nós escolhermos o caminho para as respostas ou para a repetição do status quo.

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Danilo Novais

Content Strategist, Research & Insights. Faminto por novas ideias e boas conversas. Estou na newsletter (E)MANA: https://www.getrevue.co/profile/emana_orgulho