Emoji e o "Blackface" Digital

David Nemer
3 min readFeb 10, 2020

Os emojis fazem parte do Unicode, um vasto e importante padrão usado em quase todos os sistemas de computação. Unicode é o que garante que um “a” na minha tela se pareça com um “a” na sua, e que ⭐️ permaneça uma estrela em todos os lugares. Os emojis na verdade antecedem os smartphones modernos, pois emergiram do caótico ecossistema de telefones do Japão. Mas foi somente em 2010, com o apoio da Apple e do Google, que o Unicode padronizou o emoji.

O Unicode é um consórcio cujos membros são personalidades atuantes no mundo tecnológico, assim como as gigantes do Vale do Silício como Apple, Facebook, Google e Huawei. Não é de se surpreender que os emojis disponíveis na coleção fossem um reflexo da falta de diversidade e representatividade na composição do conselho. Porém, desde de 2012, quando as críticas se intensificaram em relação aos emojis serem "brancos" e voltados para costumes e culturas do Norte Global, o Unicode vem expandindo a diversidade na sua coleção.

No início de 2015, o Unicode disponibilizou diferentes tons de pele para que o usuário pudesse escolher nos emojis humanos. E embora essa mudança tenha superficialmente solucionado a questão de raça, ela possibilitou um outro problema: o blackface digital. O blackface digital é o ato de produzir, postar ou circular emojis, gifs, memes e outras imagens de negros para expressar várias reações emocionais on-line- é a prática de não-negros que reivindicam anonimamente uma identidade negra por meios tecnológicos.

Usar um emoji muito mais escuro que o seu próprio tom de pele indica uma falta de autoconsciência. Essa ação, de experimentar uma raça diferente por diversão em suas interações digitais, é reservada para aqueles que já caminham pela sociedade com uma certa quantidade de privilégios. Embora isso não signifique que a pessoa seja necessariamente racista, isso indica uma falta de consciência do que pode representar para as pessoas dessa raça que recebem a mensagem do outro lado da tela. Ao experimentar a pele negra quando é divertido, seguro e conveniente, a pessoa não-negra banaliza as experiências e a luta histórica de pessoas negras. Por exemplo, um adolescente branco ao entrar em uma loja de artigos de luxo com certeza não teria vontade de se passar por um negro naquele momento. Ao contrário de pessoas brancas, os negros não podem escolher quando é conveniente invocar sua negritude.

Quando entramos no mundo digital, é fácil sentir que podemos deixar nossas identidades da vida real para trás. Mas a dinâmica de poder que existe na vida real não desaparece apenas porque estamos escondidos atrás de uma tela. Nossos espaços digitais são tão impactados pela raça quanto os físicos. Portanto, seja racialmente honesto. Represente-se como você é. Como pessoas brancas, reconhecer o privilégio racial pode ser desconfortável. Mas esse entendimento é o primeiro passo — o primeiro passo para resistir a séculos de violência racial sistêmica, o primeiro passo para combater a supremacia branca e o primeiro passo para construir comunidades atenciosas e interseccionais- que levem em consideração questões de raça, gênero, e classe.

É preciso que sejamos honestos sobre a cor da nossa pele enquanto ouvimos as necessidades das pessoas negras, para que soluções tecnológicas não ofereçam mais um canal para se reforçar o racismo.

David Nemer é professor de Estudos de Mídia na Universidade da Virgínia, EUA, e autor do livro "Favela Digital: O outro lado da tecnologia".

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David Nemer

Associate Professor of Media Studies and Anthropology at the University of Virginia. Author of Favela Digital http://dnemer.com