MOTEL DESTINO (2024): O Instinto e o Destino - A Dicotomia entre Vida e Morte no Cinema

Deborah Gonçalves
3 min readOct 9, 2024

--

Motel Destino (2024) — Karim Aïnouz

A cada lembrança revisitada desse filme, novas percepções e sensações emergem com clareza renovada, intensificando a compreensão da obra. A combinação entre fotografia e montagem é essencial na construção do clima do filme, transmitindo com precisão a angústia e a tensão que atravessam toda a narrativa. O uso de tons quentes, que beiram o perturbador, cria uma atmosfera frenética e visceral, pulsando junto à energia emocional dos personagens. Esse aspecto visual contrasta de forma eficaz com o cenário litorâneo, quase paradisíaco, gerando um belo contraponto entre o que é mostrado e o que se sente, tal qual a serenidade superficial e o contérrito emocional dos atos. A beleza da paisagem, envolta pelo calor do Ceará, mascara uma brutalidade latente, uma vez que o filme coloca seus personagens frente a frente com a dicotomia entre o desejo/anseio de viver e a certeza inevitável da morte. Explorando com crueza o que há de mais primitivo e visceral no ser. Uma ressalva espetacular para a escolha da filmagem em película super 16mm, pela Diretora de Fotografia francesa Hélène Louvart, que somado aos demais fatores corroboraram incrivelmente com toda essa atmosfera.

Cena do filme onde Heraldo, Dayana e Elias se divertem dançando ao som de “Pega o Guanabara e Vem”, 2024.

O filme investiga profundamente a condição humana, revelando um lado instintivo e animal que emerge em situações de prazer e dor, vida e morte. A presença constante de animais na narrativa reforça essa metáfora, sugerindo que, em determinados momentos, os personagens se assemelham às bestas selvagens, despidos de suas camadas sociais, agindo puramente pelo instinto. Esse comportamento primitivo é representado em ações físicas como o sexo e a violência, mas também através de símbolos, como o nome do motel “destino”, que aponta para a inevitável verdade: a morte é o destino final de todos.

Cenas do filme Motel Destino, 2024.

O diálogo entre Heraldo e o policial sintetiza de maneira brilhante essa reflexão existencial: “Eu nasci, desde então luto a cada dia para não morrer.”. Essa fala não apenas encapsula o dilema central do filme, mas também revela que, para muitos, a morte já se apresenta em vida, como uma sombra constante. Àqueles que, na luta diária pela sobrevivência, perdem pouco a pouco a esperança, experimentam uma forma de morte lenta e dolorosa, em que o calor da realidade não pode ser amenizado nem mesmo pelo gelo mais frio e cortante, de uma fábrica. Nos lembrando com crueza e sutileza, que o destino é inescapável, e que, muitas vezes, o ato de sobreviver já é uma forma de morrer um pouco a cada dia.

Cena do filme onde Elias causa transtornos após embebedar-se, 2024.

O filme constrói, assim, uma atmosfera densa e perturbadora, onde o visceral e o racional se encontram, o prazer e a dor se entrelaçam, e a vida e a morte se confrontam. Ao unir o impulso primitivo com uma reflexão profunda e emocional sobre a existência, a obra não se limita a uma experiência sensorial, mas provoca o espectador a questionar sua própria relação com a vida, o olhar para dentro, refletindo as próprias lutas internas à sobrevivência, e confrontando a inevitabilidade do destino. Mesmo após o fim dos créditos, o filme ressoa na mente como uma lembrança que se recusa a desaparecer, confrontando-nos com a certeza de que, para alguns, a morte é uma questão de destino enquanto para outros, uma batalha diária em busca de propósito.

Confira o Trailer:

Texto por: Deborah Gonçalves

NOTA: ★★★★☆

Letterboxd: dgoncalves_s

https://letterboxd.com/dgoncalves_s/

--

--

Deborah Gonçalves
Deborah Gonçalves

Written by Deborah Gonçalves

Bibliotecária apaixonada por Cinema, intermediando sempre que possível, o melhor dos dois mundos. - Linktree: https://linktr.ee/debsgncls

Responses (1)