Twitter e política: é dada a largada da campanha presidencial oficial

Semana de 19 a 26 de agosto de 2022 com um breve prelúdio

Demodê UnB
7 min readAug 27, 2022

Por Isabela Rocha

É liberada pelo Supremo Tribunal Eleitoral, no dia 16 de agosto, a propaganda eleitoral, inclusive na internet. No Twitter, hashtags como #BolsonaroReeleitoEm2022, #OMitoVoltou, #LulaPresidente13 e #LulaEoPTAlegriaDeVolta já populavam os trending topics[1] (assuntos do momento) bem antes do STE permitir a propaganda eleitoral na internet. A dinâmica das redes não muda de maneira expressiva a partir do dia 16: as hashtags de campanha continuam surgindo, pelo menos, algumas vezes por dia entre os 50 maiores assuntos do momento no Brasil, algo que já acontecia pelo menos desde maio deste ano. Ou seja, oficial ou não, a campanha política já acontecia no Twitter, fosse ela encabeçada pelos comitês de publicidade dos candidatos ou por seus apoiadores.

Vale notar que os trending topics não se resumem à hashtags: no dia 16, ‘Juiz de Fora’ é o vigésimo assunto do momento no Brasil às 11 da manhã, subindo até a terceira colocação das 7 às 8 da noite. Isso pois Bolsonaro elegeu a cidade onde sofreu um atentado nas eleições de 2018 como ponto de partida de seu tour eleitoral pelas cidades brasileiras. A facada que recebeu é inegavelmente momento chave não apenas na campanha eleitoral de Bolsonaro, mas também nas eleições como um todo, pois é ali que o candidato foi martirizado, e sua construção imagética como Messias consolidada. No dia 18, outra cidade surge nos assuntos do momento: São José dos Campos, onde o atual presidente dirige uma motociata, tipo de manifestação que constitui a identidade de sua imagem política: masculinizada, ousada em desprezar as normas de segurança ao dirigir sem capacete protetor, buscando mostrar potência e poder através do ruído dos escapamentos. As motociatas reforçam: É ele quem decide quais leis seguirá, como as seguirá, e quais normas são de fato legítimas. Pois ele, sim, seria homem homem.

Ainda no dia 18, outra expressão vinculada a Bolsonaro surge nas redes: ‘TCHUCHUCA DO CENTRÃO’. Às 3 da tarde, a expressão é o segundo assunto do momento no Brasil, subindo à primeira colocação às 4 da tarde, referenciando episódio em que o presidente tenta apreender o celular do youtuber e tiktoker Wilker Leão[2] depois de ser chamado por ele de “covarde” e de “Tchuchuca do Centrão”. O vídeo em que o influencer confronta o presidente é divulgado em suas redes socias e é amplamente compartilhado, gerando forte engajamento. Também no dia 18, a expressão ‘GOLPE DE ESTADO’ emerge na 14ª posição à 1 da tarde, chegando na 12ª posição às 2 da tarde. Isso pois vazou para as redes sociais que alguns empresários[3] defenderiam um golpe de estado caso Lula ganhasse as eleições.

De volta ao dia 17, as expressões ‘BOLSONARO USA DEUS’ e ‘DEUS USA LULA’ surgem às 11 da manhã na sétima posição, subindo até a primeira posição à uma da tarde. Essas expressões, a despeito de aparecerem separadas na lista de assuntos do momento no Brasil em colocações diferentes[4], são utilizadas em conjunto numa série de tweets comparando os candidatos Bolsonaro e Lula. A presença destas expressões nos assuntos do momento é motivo de otimismo para a esquerda, pois evidencia que a hegemonia do eleitorado cristão está em disputa, e não está agora sob influência apenas do campo Bolsonarista. Isso importa, pois a imagem de Bolsonaro havia sido construída como o Messias escolhido por Deus para salvar o Brasil da corrupção e da imoralidade inerente aos petistas, que ameaçariam a família brasileira.

Chegamos então à sexta-feira dia 19. Para além do usual #sextou, sempre presente em alguma posição dos assuntos do momento de sexta, surge a hashtag #LulaLadrãoSeuLugarENaPrisão. A hashtag chega com força, quarto assunto do momento às 4 da tarde, e permanecendo terceiro assunto do momento até às 7 da noite. Isso pois Lula (assim como Bolsonaro) é intimado a entregar suas certidões criminais à procuradoria para que não seja enquadrado na Lei da Ficha Limpa. Os dois primeiros perfis a impulsionar essa hashtag são de usuários apoiadores, porém, o terceiro tweet mais retweetado desta hashtag vem do perfil de Flavio Bolsonaro (@FlavioBolsonaro). Não é novidade que os ataques ao ex-presidente Lula são principalmente de ordem moral: ele e seus aliados seriam corruptos, senão criminosos. Esse discurso é chave para engajar o eleitorado antipetista que agora em 2022 escolherá Bolsonaro como presidente.

Ao longo do final de semana dos dias 20 e 21, duas expressões chamam atenção: a primeira é ‘TCHUTCHUCA’, em quinta posição nos assuntos do momento das 8 às 10 da manhã, referenciando o episódio do dia 18, e ‘É MENTIRA DO JAIR’, que surge na 16ª posição às 4 da tarde, em que os usuários divulgam toda sorte de mentiras que o presidente teria afirmado. Dentre as mais notáveis estão: não haveria comprovação científica sobre a vacina, a corrupção no Brasil haveria acabado em seu governo, o STF não o deixou atuar contra a pandemia, e também que as urnas não seriam confiáveis. Vale mencionar que esta segunda expressão ‘É MENTIRA DO JAIR’ conta principalmente com usuários de apoiadores de Lula, e que dentre os dez maiores perfis influenciadores deste assunto do momento, nenhum é perfil oficial de algum político.

Com a semana útil se iniciando, os assuntos do momento passam a ser guiados pelas entrevistas do Jornal Nacional, com as hashtags #BolsonaroNoJN, #CiroNoJN e #LulaNoJN disparando respectivamente na segunda-feira dia 22, na terça-feira dia 23 e na quinta-feira dia 25. Todas estas hashtags surgirão em primeiro lugar nos assuntos do momento do Brasil nos seus respectivos dias, ainda que haja divergência entre o horário em que estas hashtags ocupam a primeira colocação.

Com Bolsonaro entrevistado na segunda-feira, seus apoiadores no Twitter notam ar debochado em William Bonner, e alguns também dirão que Renata Vasconcellos teria mentido sobre declarações do presidente durante a pandemia, e tuitarão junto com o assunto do momento a hashtag #GloboLixo. Os críticos de Bolsonaro engajados na hashtag #BolsonaroNoJN também focam em William e Renata, em geral os elogiando. Na terça-feira com Ciro, não há volume significativo de críticas ao candidato, o volume dos tweets em geral vem de seus apoiadores, que também notam que Bonner e Renata tem com ele postura mais branda. Finalmente chegamos à quinta-feira com a entrevista de Lula. Alguns usuários apoiadores de Lula notam como Bonner reconhece que Sergio Moro teria agido de forma parcial, que o STF lhe deu razão e que assim ele não deve nada à justiça. Alguma quantidade de tweets especula que ao escolher sapatos vermelhos, Renata estaria silenciosamente declarando apoio ao candidato. Todos os perfis oficiais dos candidatos se engajam com suas respectivas hashtags, exceto o perfil oficial de Bolsonaro, que a despeito de falar sobre sua entrevista, não usa a hashtag. Neste caso, são seus filhos que utilizam a #BolsonaroNoJN.

Notavelmente, na quarta-feira do dia 24, a hashtag #RachadinhaDoJanones surge às 2 da tarde na 17ª posição, chegando ao primeiro lugar dos assuntos do momento às 6 da tarde e ali perdurando até às 8 da noite, quebrando a hegemonia do Jornal Nacional nos assuntos do momento da semana. André Janones é Deputado Federal pelo Avante (PTdoB) desde 2018, e desistiu de sua candidatura à Presidência da República para apoiar Lula, contribuindo com suas redes sociais. Ele havia sido acusado por um ex-assessor de praticar rachadinha: nome dado para a prática de desvio de salário de assessor. Não há consenso na área do direito de que esta prática pratica seja crime. No entanto, é claro que o desvio dessa verba pública, para um terceiro não explicitamente determinado, é de má-fé para com o contribuinte. Em 2018, o Caso Queiroz, também configurado como rachadinha, causou imensa revolta, e um tweet de Luciano Hang da Havan dizendo que pimenta nos olhos dos outros é refresco, e que Janones havia comemorado a restrição de sua conta no Twitter no dia 23, é o mais retweetado da comunidade.

Em suma, ainda que já existisse campanha eleitoral no Twitter, o papel das grandes mídias de comunicação, sejam elas jornais ou programas televisivos, ainda é extremamente relevante, capaz de pautar a discussão política mesmo em um campo tão espontâneo quanto o Twitter, uma vez que as discussões sobre as entrevistas no Jornal Nacional dominaram os assuntos do momento ao longo da semana útil. Ainda assim, não se deve diminuir o papel que cumpre a nova mídia digital, em particular de influencers, como Wilker Leão à esquerda e Luciano Hang à direita, que foram ponta de lança em suas respectivas comunidades ao guiar as expressões ‘TCHUCHUCA’ e ‘#RachadinhaDoJanones’.

[1] Essa expressão se refere aos “assuntos do momento”, ou seja, hashtags, palavras ou expressões mais utilizada na rede social em um momento em específco.

[2] ‘Wilker Leão’ no youtube e @wilkerleaods4 no Tik Tok

[3]Luciano Hang, da Havan, Ivan Wrobel, da W3 Engenharia, José Isaac Peres, da Rede de shoppings centers Multiplan, José Koury, proprietário do Barra World do Rio de Janeiro, Afrânio Barreira Filho, do Coco Bambu, Marco Aurélio Raymundo, da rede de roupas Mormaii, Meyer Joseph Nigri, da Tecnisa Engenharia e Luiz André Tissot proprietário da Sierra Movéis da rede mobiliária de luxo estão agora sendo investigados pela PF.

[4] ‘BOLSONARO USA DEUS’ está na sétima posição às 11 da manhã, depois na terceira posição ao meio dia enquanto ‘DEUS USA LULA’ aparece na segunda posição concomitantemente, e finalmente à 1 da tarde ‘BOLSONARO USA DEUS’ surge no topo dos trending topics. Essa discrepância no volume de tweets se dá pois é comum que usuários utilizem ‘fios’ (uma série de tweets sequenciais), uma vez que o Twitter limita cada postagem a 140 caracteres, e neste caso, é mais comum que se retweete apenas o primeiro post de um fio. Assim, a localização de ‘BOLSONARO USA DEUS’ antes de ‘DEUS USA LULA’ nos indica que os fios se iniciavam com a primeira expressão.

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Demodê UnB

Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades (IPOL/UnB)