Twitter e política: comportamento de clusterização e polarização nas redes

Demodê UnB
7 min readSep 3, 2022

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Semana de 26 de agosto a 1 de setembro de 2022

Por Isabela Rocha

Como na semana passada, as redes continuaram a se comportar em resposta aos estímulos de redes midiáticas mais tradicionais. Na sexta-feira com o Bolsonaro no Pânico até que se forme a expectativa para o primeiro debate entre os candidatos, e a partir do domingo, o debate na Band passa a pautar a discussão política no Twitter até a quinta-feira. Isso pois foi na quinta que a Datafolha[1] publica seus resultados de intenção de voto. As hashtags de campanha continuam não engajar tanto quanto àquelas que surgem em virtude das pautas levantadas pelas redes de televisão e jornal.

Na sexta-feira do dia 26 a hashtag #BolsonaroNoPânico emerge como o quinto assunto do momento à 1 da tarde, sobe à primeira colocação na hora seguinte, e lá permanece até às 8 da noite, o que é muito significativo, dito que a hashtag permanece incontestada por um período de 8 horas. Os tweets são principalmente de seus apoiadores, notando a altíssima audiência, mais de 650 mil assistindo apenas no Youtube, ao vivo. No dia seguinte, a hashtag permanece forte, em terceiro lugar nos assuntos do momento também até o meio-dia. Às 5 da tarde do dia 27 como resultado direto da entrevista de Bolsonaro no Pânico, a expressão ‘O BRASIL TEM FOME’ surge em 19ª posição dos assuntos do momento no Brasil, emergindo até a 7ª posição às 8 da noite. Isso pois Bolsonaro teria dito, na entrevista, que não existiria fome no Brasil: “Já viu alguém pedindo pão na caixa da padaria?” A expressão, surge em tweets tanto de apoiadores quanto de críticos ao presidente: a esquerda denunciará a fome no Brasil, enquanto a expressão ‘O Brasil tem fome de Bolsonaro’ aparece com alguma frequência nos tweets de seus apoiadores.

Ainda no dia 27, a palavra ‘Lula’ é o primeiro trending topic no Brasil às 7 da manhã, e permanece nessa posição até às 2 da tarde. Já ‘Simone Tebet’ é primeiro assunto do momento à uma da madrugada, ficando em segundo lugar abaixo de Lula até o meio dia. Os nomes dos candidatos surgem em expectativa do debate dos presidenciáveis que aconteceria na Band no dia seguinte. Vale mencionar que a hashtag #SimoneTebetNoJN é a única a não atingir colocação significativa nos assuntos do momento no Brasil durante sua entrevista no Jornal Nacional na sexta feira do dia 26, diferente de Bolsonaro, Ciro e Lula, cujas que hashtags chegaram em seus respectivos dias de entrevista em primeira colocação nos assuntos do momento brasileiros[2].

Já no domingo dia 28, às 7 da manhã a hashtag de campanha #BolsonaroNoPrimeiroTurno é o oitavo assunto do momento e emergindo até a sexta posição ao meio dia. Já às 5 da tarde, a hashtag #LulaNaBand é o quinto assunto do momento, subindo à segunda posição às 6 da tarde, e lá permanecendo até às 7 da noite depois de cair. Essa hashtag emerge com a expectativa, e depois com a confirmação de que Lula participaria do debate com os candidatos na Band.

Como resultado direto do debate na Band e as ofensas de Bolsonaro à jornalista Vera Magalhães, na segunda-feira do dia 29 dois assuntos do momento surgem: ‘BOLSONARO ODEIA MULHERES’ em segunda colocação e a hashtag #SouMulherEVotoBolsonaro na sétima colocação 1 da tarde[3]. Das 2 às 3 da tarde, a expressão ‘BOLSONARO ODEIA MULHERES’ chega a primeira posição, porém, às quatro, a hashtag #SouMulherEVotoBolsonaro chega na primeira posição. Das 4 às 6 da tarde, o cenário prosseguirá com a hashtag bolsonarista como primeiro assunto do momento e a expressão ‘BOLSONARO ODEIA MULHERES’ na segunda posição. Da 7 da noite em diante, tanto a hashtag quanto a expressão caem, #SouMulherEVotoBolsonaro para a segunda posição e ‘BOLSONARO ODEIA MULHERES’ para a quinta. Para a hashtag bolsonarista, o perfil mais retweetado é @taoquei1, a youtuber mineira Bárbara Destefani, que esteve presente de maneira significativa em todas as buscas feitas desde o início do período eleitoral (e até mesmo antes).

Na terça-feira dia 30, e ainda como resultado do debate de domingo, a hashtag #DebateNaBand é o primeiro assunto do momento no Brasil das 7 da manhã à 1 da tarde. Ao se tratar de uma hashtag que engajou comunidades bem diversas, se justifica uma demonstração visual. Para isso, foi coletada uma amostra de 18000 tweets, dos quais:

· 547 são tweets originais, ou seja, tweets escritos em um perfil por um usuário,

· 176 são reply tweets, que são comentários nestes 547 tweets originais,

· 141 são quote tweets, modalidade de retweet que em geral contém algum comentário ao tweet a ser retweetado, e, finalmente,

· 17136 são retweets.

Foi aqui separada a maior cadeia de interações, em que cada ponto é um perfil, e as setas, os retweets, demonstrando como se deu a dispersão dos tweets contendo a hashtag #DebateNaBand. O último tweet buscado foi encontrado às 18:17 da terça-feira dia 30, e o primeiro às 21:52 da segunda-feira dia 29[4], num intervalo de um pouco mais de 20 horas. Neste mapa, cada ponto é um perfil, e cada seta um retweet para um outro perfil. Os quinze perfis com mais interações estão marcados com medalhas coloridas que os ranqueiam dos mais aos menos retweetados, e estas nuvens de pontos são chamadas de cliques, são coloridas de acordo com o perfil que as influenciou. As setas de um azul um pouco mais claro do que o fundo são retweets que atravessam cliques.

É possível visualizar nesta cadeia de interações uma tendencia à clusterização: comunidades com ideias, visões de mundo e preceitos morais compartilhados preferem interagir com seus semelhantes, evitando dissonância cognitiva. Notavelmente, vemos à esquerda o perfil oficial de Lula (@LulaOficial) em laranja e marcado pela medalha de número 2, cuja comunidade interage com o maior perfil retweetado neste intervalo, o Desmentindo Bolsonaro (@desmentindobozo) em amarelo e com o perfil de Guilherme Boulos (@GuilhermeBoulos) de número 8 também amarelo. À direita, o perfil azul-claro de número 4 é o de Joice Hasselmann, (@joicehasselmann), e a despeito de sua comunidade interagir mais com o cluster da direita, ela estabelece algumas conexões com o cluster da esquerda, formando uma tênue ponte. Carla Zambelli (@Zambelli2210) é o sétimo perfil mais retweetado nesta amostra, cuja comunidade interage de maneira muito próxima com a do décimo primeiro perfil ranqueado, o de Filipe Martins (@filgmartin). Chama atenção, no entanto, o décimo perfil mais retweetado, o de Ciro Gomes (@cirogomes), cuja comunidade estabelece uma ponte robusta entre os perfis de esquerda e de direita, interagindo de maneira significativa com o perfil do Desmentindo Bolsonaro e com o jornal conservador argentino La Derecha Diario (@laderechadiario) de número 9.

Na quarta-feira dia 31 de agosto, às 2 da tarde a hashtag #7DeSetembroVaiSerGigante surge como sétimo assunto do momento às 8 da noite, subindo à quinta posição às 10 da noite e lá permanecendo até às 11 antes de cair. A hashtag é populada por perfis pró-Bolsonaro em expectativa de uma grande manifestação no feriado da Independência do Brasil. Bolsonaro sempre se apropriou dos símbolos nacionais, em particular a bandeira e suas cores e o hino nacional.

Na quinta-feira dia primeiro de setembro, as expressões ‘Obrigado Lula’ e ‘Efeito Lula’ emergem às 2 da tarde respectivamente na oitava e na décima quarta posição e sobem até à terceira e quarta posição às seis da tarde. Às 3 da tarde ‘Datafolha’ surge em nona posição, subindo até a primeira posição às 6 da tarde. Essas três expressões são correlacionais: os usuários atribuem a baixa no preço da gasolina como medida desesperada tomada por Bolsonaro para angariar mais votos uma vez que a pesquisa do Datafolha aponta um aumento nas intenções de voto em Lula. De acordo com a pesquisa, Lula estaria com 45% das intenções de voto, Bolsonaro com 32%, Ciro com 9% e Simone Tebet com 5%.

De maneira geral, é possível levantar como hipótese a existência de uma polarização nas redes, evidenciada primeiramente pelo comportamento de clusterização na hashtag #DebateNaBand, um dos raros assuntos do momento que aparecem em tweets de perfis tanto de esquerda quanto de direita. Inclusive, o próprio desenho do mapa de perfis retweetados sugere uma polarização, com pontes tênues entre um cluster e outro, caracterizado por perfis que se autodeclaram parte de um posicionamento político ou outro. Uma segunda evidência pode ser observada na segunda-feira dia 29 de agosto, em que perfis de usuários parte da direita política participam principalmente da hashtag #SouMulherEVotoEmBolsonaro enquanto perfis de usuários da esquerda política usam a expressão ‘BOLSONARO ODEIA MULHERES’ no corpo de seu tweet, havendo participação insignificante de perfis de um lado no outro.

[1] https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2022/pesquisa-eleitoral/noticia/2022/09/01/datafolha-lula-oscila-de-47percent-para-45percent-bolsonaro-mantem-32percent-ciro-vai-a-9percent-e-tebet-sobe-para-5percent.ghtml

[2] Ver em nosso blog o post da semana passada neste link.

[3] Porém, é preciso mencionar que ao longo da manhã, a hashtag #MulheresComBolsonaro surge também na sétima posição e sobe até a segunda ao meio-dia

[4] Ao se tratar de uma amostra limitada 18000 tweets vale a pena destacar que há mais tweets antes e depois desta amostra.

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Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades (IPOL/UnB)