Histórias em código
Mudar senhas é muito mais do que apenas escolher novos caracteres
Em 20 de novembro de 2014, a New York Times Magazine publicou “A Vida Secreta das Senhas”. Foi uma investigação sobre a humanidade que muitas vezes se esconde em uma simples seqüência de caracteres, e uma reflexão sobre por que imbutimos sentido nesses códigos quando nos aconselham a não fazermos isso. Um mantra motivacional, um xingamento ao chefe, uma ode a um amor perdido, uma piada interna, uma cicatriz emocional que nos define — havia algo cativante, até inspirador, nestes souvenirs de nossa vida interior.
Ao escrever este artigo, eu catei senhas em todos os lugares que pude: sentado na sala de espera do médico, andando de trem, pensando durante aquele silêncio constrangedor do jantar de Ação de Graças com os sogros. Entrevistei centenas de pessoas, a maioria estranhos. Um número surpreendente estavam dispostos a me dar confiança e ceder não apenas suas senhas, que eles jamais deveriam revelar, mas também o segredo emocional que faz cada um desses códigos se tornar tão pessoal.
Eu marquei um café com um ex-presidiário pra saber por que seu password incluía seu número de identificação como preso.
(“Uma lembrança para não voltar pra lá,” ele disse).
Eu discretamente perguntei a uma mulher em um parque sobre ela ter decifrado a senha de seu filho (“Lamda1969”) depois que ele cometeu suicídio, e sua descoberta, dolorosamente tarde, de que ele era gay.
Eu troquei e-mails com um desacreditado católico que me contou por que seu password continha a Virgem Maria. (“É um calmante secreto”, confessou).
Enlatado em um avião, sentei-me ao lado de uma mulher de 45 anos de idade, sem filhos, que me revelou que sua senha era o nome do bebê que ela perdeu ainda na gestação (“É minha maneira de tentar mantê-lo vivo, eu acho”, ela disse).
A seu próprio modo, essas pérolas também sugeriram algo maior: como os seres humanos são criaturas criativas e sentimentais, que tipo de força nos leva a vivermos nossas peculiares rotinas, e por que transformamos algemas em arte. A New York Times Magazine e Medium publicaram notícias sobre o tema. E os leitores começaram a oferecer suas próprios histórias por trás de suas antigas senhas, as quais 15 delas estão abaixo:
- Tomada pela noção de que nossas senhas, repetidamente digitadas, podem ajudar a motivar e inspirar, Shelly Bredau escolheu o password “StrongMe” (“FortaleçaMe”) pra elevar a moral após seu casamento de 20 anos acabar de modo inesperado, mas ele teve que mudá-lo porque se pegava digitando “StrangeMe” (“EstranhoMe”). “Estranhos novos acordos, estranhos novos advogados, estranhos legalismos.”
- Tim, que pediu para não ter seu sobrenome revelado, ainda se pergunta por que usou “Waganaki”, o nome do acampamento de verão onde ele foi sexualmente abusado na juventude, e outras referências sobre aquele lugar. “Não tenho certeza por que me torturei ainda mais com esses passwords”, ele escreveu. “Talvez porque por muitos anos eu nunca quis falar sobre aquilo.”
- A senha de Joy Chen: o nome do personagem de um livro que ela começou a escrever e deixou de lado mesmo sem nunca ter abandonado totalmente. “A partir do momento que uma ideia é criada, ela nunca deixa de existir.”
- Um homem gay de Bombaim que à época ainda estava no armário, Aditya Joshi, usou por anos “Iamgay” (“Eusougay”) como senha. A cada vez que digitava, ele disse, “a confiança sobre mim mesmo crescia um pouquinho”.
- “WhyDoTheDogsWakeMeOnSundays,” (“PorqueOsCachorrosMeAcordamAosDomingos”) e “Toomuchbakingsodamakesyourcakeabitfizzy” (“Bicarbonatodemaisestragaobolo”): são os passwords antigos de Darren Pauli, escolhidos para fazer sua mulher rir quando ele os compartilhou com ela.
- A senha de Nestor L. Reyes foi o número de série de seu fuzil M-16, 1132859. Treinando no 82º campo da Aeronáutica, ele dormia, comia e saltava de paraquedas com a arma. “Amável e mortal. Diferentemente das pessoas, ela nunca me deixou triste”, ele disse.
- “Meu casamento está desmoronando. Eu queria uma senha para superar o momento”, escreveu Sadie Welsh. “É incrível como as pessoas simplesmente deixam de conversar.” Seu password, “1WordBrandon,” (“1PalavraBrandon”) é uma lembrança, “pra dizer alguma coisa boa para meu marido ao menos uma vez ao dia”.
- Em seu password, “10yearstogo” (“10anosprair”) está uma promessa que ela fez a si mesma anos atrás, de terminar o colégio até os 23 anos de idade. Melisa Fernando agora tem 22. Ela ainda tem um ano para se formar.
- “Iwillmisspeggy4ever” (“Sereimisspeggy4ever”). A mulher de Floyd Chaffee foi morta em um acidente de trânsito em 2001. Seu password o ajuda a “estar conectado com o que perdi”.
- Quando Rosemary Kuropat era criança, aquelas placas coloridas com dizeres bem-humorados que americanos colocam em seus carros eram inacessíveis para ela. Seu password, “MilK071120,” é em memória à sua mãe (Mil K.; nascida em 7/11/20) e à placa que ela disse que compraria se tivesse dinheiro.
- Na sexta série, Dorothy Pippin levava seu violino pra cima e pra baixo. Sua senha era “Dillinger,” uma referência ao mafioso que carregava sua metralhadora Tommy Gun em um estojo de violino. “Tempos divertidos de minha infância.”
- A senha de Vivian Tan Bo Yee, “sushifreak1308” (“sushilouca0813”) combina o apelido que seus amigos deram para sua comida favorita e a data que seus pais se separaram (agosto de 2013). “Conforto em coisas que uma vez nos assustavam.”
- O password de David Agudelo Restrepo, “eccehomo,” faz referência ao último livro de Nietzsche, Ecce Homo: como alguém se torna o que é, que o ajudou a superar uma desordem obsessiva. Ele lembra: “Eu sou só mais um cara, nada além disso.”
- Madison Romero sempre seguiu as regras. Então ele decidiu fazer algo inesperado: comprar uma tarântula pra assustar seus amigos. Não funcionou. Em vez disso, eles ficaram fascinados. Um fracasso engraçado, o episódio se tornou sua senha: “scaryspider” (“aranhaassustadora”).
- Depois de um verão desastroso de idas e vindas, Allison Sherry ecolheu “bettersummer2014” (“veraomelhor2014”) como password. “Apostei em um desejo profundo na minha existência cibernética.” Funcionou.
Este projeto continua. Se você tem histórias sobre suas senhas e quer compartilhar, mande um e-mail (em inglês) para urbina@nytimes.com
Crédito da imagem: Daniel Foster, via creative commons
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