O TED que está fazendo a minha cabeça — e olha que nem é o da Amanda Palmer

Denize Guedes
9 min readDec 2, 2015

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Esta transcrição faz parte do Mordenize, jornada para achar um jeito de lidar com o dinheiro (e a vida) que me faça sentido — esperando que isso possa ajudar você também. Toda terça e sexta. Considere apoiar, a partir de R$ 1

Mark Boyle, o homem sem grana

Wow. É uma experiência e tanto estar aqui. É também um privilégio estar aqui. Foi uma longa viagem chegar até aqui.

Bem, há essa espécie de mito que diz que “o dinheiro fala” [no sentido de que dita as regras]. Por isso, não deixa de ser irônico que, antes de eu abrir mão do dinheiro, eu tivesse quatro pessoas numa plateia. E que hoje, justamente por ter desistido do dinheiro, tenha um público maior do que nunca. Acho que isso dá um baque no mito de que “o dinheiro fala”.

(Aplausos)

Obrigado.

Acho que a minha jornada sem dinheiro começou, estranha e ironicamente, sendo um maldito economista. E digo “ironicamente” para a maioria das pessoas. Porque pensamos em economia como dinheiro. Mas a verdade é que a economia monetária é tão somente uma das possibilidades de uma economia. Economia mesmo é sobre formas de ter suas necessidades atendidas. Então, estou tentando derrubar o muro de que não há outra forma de atender suas necessidades se não for usando dinheiro.

No meu último ano da faculdade de economia, aconteceu que topei com um cara chamado Gandhi. E a mensagem dele acabou completamente com todos os meus planos de dominação do mundo e de acúmulo de riqueza. Vocês não têm ideia do quanto eu odeio Gandhi agora, ele arruinou a minha vida.

Poxa, eu poderia ter tido uma grande vida, como a vivida no hotel em que estou ficando neste fim de semana.

(Risos)

Bem, então, ao invés de ter ido para Wall Street e ter feito um montão de dinheiro, eu decidi começar a ampliar a consciência sobre as destrutíveis e inevitáveis consequências dessa ferramenta que chamamos dinheiro. Assim, eu estabeleci uma economia alternativa, em 2007, chamada Freeconomy, que hoje [2011] está em mais de 150 países no mundo, com grupos muito ativos. E os membros fazem as coisas na base do que chamamos “pague adiante” [pay it forward]. Ao invés de sempre ter algo em troca, fazemos e dizemos: “Apenas pague o favor adiante”.

Notem que isso faz uma diferença enorme no modo de pensar.

Eu imagino que a pergunta que todos vocês estão se fazendo é: “Por que, neste mundo, você desistiria de dinheiro? Por que tomar uma atitude tão extrema?”

E, o dinheiro é uma ferramenta fantástica. Ele possibilita a economia de escala e a divisão do trabalho, o que facilitou a vida da civilização inteira que está a nossa volta hoje. Mas o que é grosseiramente mal-interpretado é que essa ferramenta tem consequências inevitáveis, algo que recebe pouca ou absolutamente nenhuma atenção da media mainstream. E acho que é isso que estou tentando trazer para o mundo.

As pessoas sempre me perguntam: “Por que você vive sem dinheiro?” E hoje há infinitas razões para eu viver sem dinheiro, não é mais sobre uma apenas. Mas vou meio que destacar três principais aqui.

A primeira foi a percepção de que muitas das questões sociais e ecológicas com as quais estamos nos deparando hoje, como destruição ambiental, o massacre dos oceanos, as sweatshops, as fazendas industrializadas, desmatamento, todas essas coisas que declaramos nos importar de verdade. Todas elas vêm da nossa ilusão de que somos separados da natureza. Mas não somos separados da natureza. E também vêm do fato de que somos todos muito, muito desconectados das coisas que consumimos.

Por causa dessa ampliação do grau de separação entre o consumidor e o consumido, não temos mais real apreciação pela energia incorporada, pela destruição incorporada, pelo sofrimento incorporado que está em cada estágio da cadeia de suprimentos das coisas que compramos. Nunca vemos essas pessoas. A ferramenta que permite essa desconexão é o dinheiro. Especialmente, no formato global que vemos hoje.

Dou a vocês alguns exemplos.

Se todos nós tivéssemos de cultivar nossa própria comida, não desperdiçaríamos um terço dela, como fazemos hoje no Reino Unido. Se tivéssemos de fazer nossas próprias mesas e cadeiras, não as jogaríamos fora na hora em que decidíssemos trocar a decoração interior. Se tivéssemos de tomar a responsabilidade pela nossa própria água mineral, duvido que muito de nós faríamos xixi e cocô nela. Não faria muito sentido fazer xixi e cocô na sua própria água mineral.

Até que nos reconectemos com o que consumimos — e estou falando de uma economia completamente localizada —, todos esses sintomas sociais e ecológicos vão continuar. Porque não estaríamos indo para a raiz do problema, que é a nossa separação da natureza e a nossa separação do que consumimos. Precisamos localizar.

A segunda maior razão de eu viver sem dinheiro é que eu acredito que o dinheiro hoje chegou ao ponto de substituir a comunidade como uma fonte primária de segurança. Nos últimos 13 mil anos, viemos tendo uma erosão gradual da comunidade. Eu testemunhei isso na Irlanda, nos últimos 15 anos, com a economia do Tigre Celta.

Na pré-agricultura e ascensão do dinheiro, a humanidade tinha a sua segurança na terra e na relação com as pessoas ao seu redor. Mas desde a revolução agrícola, desde a ascensão do dinheiro, a humanidade veio lutando por independência, por não se perceber mais interdependente.

E deixem-me contar algo aqui hoje: a independência é um mito completo. Não existe. No nível mais básico do básico, somos dependentes das minhocas na terra, somos dependentes das abelhas para polinizar nossa comida. Não somos independentes. E precisamos nos livrar dessa ilusão de independência. Esse ponto é muito, muito importante para mim.

E a terceira principal razão de eu pessoalmente viver sem dinheiro, e isso pode soar um pouco agressivo, mas acredito que a prostituição está para o sexo, assim como a compra e venda estão para o dar e receber.

(Aplausos)

Obrigado.

Não estou chamando todo mundo aqui na plateia de prostituto|a por terem ido ao escritório na semana passada por oito horas/dia. Mas não é preciso muito para perceber que fazemos muitas coisas hoje que nem acreditamos mais nelas. E fazemos pelo que inerentemente está validado em notas e moedas, que reduzem tudo da vida a números. Que tipo de vida é esta para reduzir tudo da vida a números?

Se você pensar no ato, na diferença entre fazer amor — e não estou falando em fazer sexo, estou falando em realmente fazer amor — e fazer sexo com uma prostituta, você sente a diferença de presença, a falta de conexão ou o aumento de conexão. Percebe em como lhe faz sentir enquanto um ser humano. E isso acontece todo dia. Quando vamos a uma loja e nem sabemos o nome da pessoa na caixa registradora. Temos esses relacionamentos muito, muito impessoais.

O que estou tentando fazer as pessoas pensar é… Imaginem um mundo em que nós completamente… nós damos porque não há outra razão… um mundo onde o fato de podermos dar a um outro ser humano que precisa de ajuda… Vejam: qual outro motivo precisaríamos para ajudar alguém além do fato de que precisa de ajuda? Por que sempre temos de receber algo em troca?

E, sim, estamos muito distantes desse mundo, de algum jeito. Mas, mesmo assim, esse mundo já existe. Acontece diariamente com a família e amigos. Vocês podem imaginar voltar para casa numa segunda-feira à noite normal, você prepara o jantar para o seu companheiro ou sua companheira, ele/ela senta e você diz: “Bem, na verdade, são 10 euros pelo jantar”. Você receberia um olhar muito, muito curioso.

Então, o mundo da Freeconomy já existe. A única coisa que estou pedindo é para as pessoas expandirem, expandirem o espírito do dar incondicional para a humanidade como um todo. Minha mensagem é muito, muito simples, nada complicada. Você não precisa ser um cientista para entender, é sobre o dar incondicional. Por qual outro motivo precisaríamos dar além do fato de alguém precisar de ajuda? E, provavelmente, esse é o ponto central da minha mensagem.

Por conta do tempo, essas então foram frações bem pequenas do por quê vivo sem dinheiro.

Eu sei que a maioria de vocês aqui forma um público muito sofisticado e inteligente, então, sei que a pergunta que estão se fazendo é: “Como será que esse cara faz para limpar a bunda depois de ir ao banheiro”.

(Risos)

Como vivo sem dinheiro, essa é uma pergunta e tanto, as pessoas me perguntam o tempo inteiro. E, dada a restrição de tempo, vou pincelar algumas coisas. Por exemplo, comida. Eu cultivo toda a minha comida, colho alguma comida da natureza, faço um pouquinho de trocas — o que não é muito a minha praia —, mas faço para coisas como grãos. Eu vivo em um trailer sem acesso a luz, então, produzo a minha própria energia. Cozinho do lado de fora todo dia. Tomo banho num rio. Tenho uma lareira feita de uma antiga garrafa de gás. Corto madeira e uso a lenha para aquecer o trailer. Pedalo, às vezes, mais do que 100 quilômetros por dia, mas prefiro andar, por ser mais lento… E, como podem imaginar, essa lista vai indo e indo para cada cantinho da minha vida.

Então, vou responder à pergunta de como limpo a minha bunda. Eu uso ou folhas ou jornal. Uma vez, tive a experiência de… eu estava rasgando jornal e estava prestes a me limpar [faz o gesto] quando eu olho [o pedaço de jornal] e vejo uma matéria sobre mim.

(Aplausos)

Como podem imaginar, vi a minha cara feia no jornal e pensei: “Não há muitas chances na vida de se ter tanto desrespeito por si mesmo”. Então, eu [faz o gesto]. Sim, limpei. E foi ótimo limpar a bunda com o jornal com a minha cara.

Normalmente, dou palestras que podem durar 2 horas só a parte de perguntas e respostas. Por exemplo, eu escovo meus dentes usando uma mistura de ossos de caracóis [cuttlefish bones]. A maioria das pessoas faz [faz cara com queixo caído]. Do tipo: “Ele escova os dentes com ossos?!”

É interessante, porque se você pegar cada aspecto da sua vida, você tem uma substituição do que normalmente seria feito com o dinheiro para uma relação com a terra ou com as pessoas ao seu redor. São esses laços, essa intimidade de quando você é dependente das pessoas e dependente da terra, esses laços e essa intimidade criada nesses relacionamentos que, quando são retirados, criam enormes implicâncias sociais. E isso é grosseiramente mal-interpretado.

Eu acho… Eu vim aqui hoje para convencer esta sala inteira a viver sem dinheiro amanhã. Sabe, sou um idealista de coração. Mas também sou um realista e sei que nenhum de vocês vai provavelmente sair para o almoço e queimar a carteira, os cartões de crédito, as notas. É totalmente improvável que isso aconteça. Tendo dito isso, acho que se alguém de vocês calhar de querer viver sem dinheiro, eu… Olha, eu sou bem ruim em quase tudo o que eu faço. Se eu consegui viver sem dinheiro, confiem em mim, vocês vão se sair bem, bem melhor do que eu.

O que vim fazer aqui hoje foi mostrar a vocês que há várias lentes pelas quais podemos enxergar o mundo. Bem, as lentes que viemos usando pelo período mais longo é uma lente chamada “quanto eu posso ganhar?” O que tento dizer às pessoas é que, em uma mesa bem na sua frente, há inúmeras lentes. Se você tirar essa lente “quanto eu posso ganhar?” e colocar uma nova, “quanto eu posso dar?”, eu acho…

(Aplausos)

Eu acho que você pode acordar pela manhã e colocar uma lente “quantas pessoas vou fazer sorrir hoje?”

Eu acordei esta manhã — e vocês terão de me ajudar aqui — e disse: “Vou fazer 1,2 mil pessoas sorrirem ao mesmo tempo”. [Aponta para a plateia]

(Risos e aplausos)

Se alguém não estiver sorrindo, você é uma pobre pessoa.

(Risos)

Então, sim, o que quero criar é um mundo em que não haja nenhuma outra razão… como eu disse anteriormente, qual outra razão precisamos ter para dar além da que alguém precisa de ajuda? Por que precisamos ter algo em retorno? É uma mentalidade antiga e tento trazer as pessoas para uma nova mentalidade.

Então, o que vou tentar deixar para vocês seria isso: mesmo que o que você acredita esteja em completa contradição com o que eu acredito, vá ser a mudança que quer ver no mundo. Tanto faz se concorda ou não comigo, tanto faz o que você acredita, tanto faz qual seja a sua paixão, vá ser a mudança que quer ver no mundo. Não tenha nenhuma discrepância entre aqui [mostra a cabeça], aqui [o coração] e aqui [as mãos].

O que o mundo precisa agora é de ação, não de palavras. Até que os soldados da paz se tornem tão bravos como os soldados da guerra, muito pouco vai mudar. E cada pessoa nesta sala, de você a você e você [aponta], são soldados da paz. Eu lhes imploro, por favor, por favor, por favor, por favor, saia daqui hoje e vá ser a mudança que quer ver no mundo. Vá e tenha coragem, vá e ponha exatamente o que acredita em ação. Você não acredita quão fácil é. Quando você acredita na ação que pode acontecer, é isso que vai mudar o mundo. Não vai mudar com a gente sentado em bares falando a respeito. Virá da ação.

Ponha suas crenças em ação. Você vai mudar o mundo. Você vai mudar as pessoas ao seu redor e você vai mudar o mundo. Então, eu imploro, por favor, por favor, por favor, nos ajude a transformar o mundo. O mundo precisa de mudança.

Então, deixo vocês. Desejo toda a coragem e a força de que vão precisar para seguir e fazer deste mundo um lugar melhor.

Muito obrigado.

Esta transcrição faz parte do Mordenize, jornada para achar um jeito de lidar com o dinheiro (e a vida) que me faça sentido — esperando que isso possa ajudar você também. Toda terça e sexta. Considere apoiar, a partir de R$ 1

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Denize Guedes

Em crise existencial no capitalismo, escrevo “A melhor próxima coisa agora” como estratégia para atravessá-la. ❤ denizeguedes.com