Peça “Essa coisa que a gente não sabe o que é, mas desconfia” vai para a segunda semana de apresentação nesse sábado, dia 5

O espetáculo intimista sobre feminismo, assédio e política reestreou dia 28 no Espaço Cultural Municipal Sérgio Porto

afm
5 min readMay 3, 2018

“Essa coisa que a gente não sabe o que é, mas desconfia” é escrito e atuado por Júlia Portes, de 21 anos, a quem entrevistei, em parceria com as também jovens atrizes Júlia Horta e Raira Machado, com direção do artista chileno Ignácio Aldunate.

A peça retornou para segunda temporada no dia 28 de abril em nova casa, o Espaço Cultural Municipal Sérgio Porto, no Humaitá. As sessões entram na segunda semana no próximo sábado e se estendem no domingo e segunda-feira, sempre às 19h. A curta temporada vai somente até dia 21 deste mês com ingressos a partir de 20 reais (meia) e classificação 14 anos.

Júlia Portes, Júlia Horta e Raira Machado | Foto de Bruna Leal com intervenção de Andressa Lee

O espetáculo

A peça é um convite para uma hora de digestão de temas salgados, como empoderamento feminino, abuso, machismo e igualdade de gênero durante um encontro de três amigas que se enveredam por uma conversa que bagunça o que existe de humano — e desumano. Com cenário fixo e atuações bastante físicas, a peça flui de forma ácida conforme as persongens relembram situações de seus passados recheados de experiências presentes na vida particular de todos nós.

Se agarrando na liquidez do teatro as três atrizes constroem a narrativa de forma quase improvisada e efêmera, se aproveitando das mudanças que a história segue e leva o público junto. Às vezes, uma gargalhada é interrompida por uma confissão de uma personagem que nos faz sentir constrangidos de continuar mostrando os dentes.

Aspas

Entrevistei a atriz Júlia Portes para apresentar a visão de cima do palco sobre a arte, o teatro e o feminismo. A atriz ainda está em produção de um filme baseado em outra peça sua, “É Sobre Você Também”.

“O teatro é o zoológico do homem”.

A. F: Ao mesmo tempo que o teatro é, como expressão, libertador, ele em si não parece totalmente livre para que aconteça. Por que é difícil que as pessoas descubram o teatro e o consumam?

Júlia Portes: Acredito que isso se deve ao pouco incentivo à cultura que temos em nosso país. Nesse momento político principalmente nosso prefeito [Marcelo Crivella] tirou diversos editais de incentivo cultural e foi aprovada uma emenda de não obrigatoriedade de artes, música, educação física, filosofia e sociologia nas escolas. Pouquíssimas pessoas tiveram teatro na escola. No meu caso se minha mãe não tivesse me colocado no teatro eu não teria tido esse contato na escola. A arte de maneira geral não é valorizada no país, então as pessoas não criam o hábito de procurar por teatro.

A. F: A arte é instrumento de exposição dos temas latentes em uma sociedade desde antes de Romeu e Julieta e de Guernica. Por quê?

Júlia Portes: A arte vem pra questionar, aguçar os sentidos, estimular a reflexão, mostrar o que está por debaixo do tapete e nos tirar da zona de conforto. É claro que essas afirmações podem ser questionadas, pois nem todas as artes têm necessariamente esses objetivos. Tem peças e filmes que o objetivo principal é o entretenimento e poderíamos entrar em uma discussão sem fim se isso é arte ou não, mas estou me baseando nos exemplos citados por você [Romeu e Julieta e Guernica]. Picasso não se encolheu quando bombardearam seu amado país basco. Ele reagiu criando Guernica pra nos lembrar da injustiça cometida contra sua gente. O teatro leva o ser humano a se olhar de perto. Tem uma frase que diz que o teatro é o zoológico do homem.

“É preciso se deslocar das próprias verdades que todos temos e criar empatia pelas dificuldades uns dos outros”.

A. F: Você, aos 21, coloca no palco, atuando ou escrevendo, aquilo que lhe é pertinente. Sabendo de quem faz; qual a urgência da voz feminina falando do feminino? É difícil tratar sobre o feminismo?

Júlia Portes: Acredito que seja muito urgente; as taxas de feminicídio ainda são altíssimas. As mulheres precisam ser ouvidas e cada uma tem suas especificidades. Uma mulher negra que mora em comunidade está à mercê dos mais variados tipos de abuso e assédio — numa proporção muito maior do que eu, pessoa branca privilegiada — por isso precisamos ser escutadas e nos escutar entre nós. Quando eu falo escutar não quero dizer apenas calar e deixar que o outro fale e sim tentar entender, se deslocar das próprias verdades que todos temos e criar empatia pelas dificuldades uns dos outros.

Acredito que o feminismo seja algo muito amplo e que está em processo de entendimento. Acredito que toda mulher seja feminista, pois é um movimento que zela pelos nossos direitos. A dificuldade de tratar do feminismo é exatamente pelo fato de estarmos entendendo tudo o que esse movimento é, uma vez que ele engloba muita coisa: igualdade salarial, igualdade na forma de ser tratada, fim da competitividade entre mulheres, aceitação do próprio corpo, reconhecimento das estruturas machistas na sociedade e a forma como cada um de nós foi criado.

E todo processo de entendimento é polêmico, ainda mais com a cultura machista tão enraizada e uma desigualdade social tão grande.

A. F: O que você pode contar sobre a transformação de “É Sobre Você Também” em um filme?

Júlia Portes: Em 2016 fiz um curta [Sinais] com Guilherme Azevedo e fui indicada a melhor atriz em Nice, na França. O mesmo diretor foi assistir a peça[É Sobre Você Também] e propôs que eu adaptasse para roteiro. Está sendo um processo muito rico onde estou redescobrindo o trabalho. Filmamos em um colégio que tem um teatro enorme, jardins… Estou tentando entender como não perder o que tem de cômico na peça, pois o cinema é uma outra linguagem. Ainda estou no processo de filmagens, não consigo falar muito sobre.

Fica o agradecimento para a atriz Júlia Portes e a expectativa para o filme baseado na peça É Sobre Você Também.

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afm

Em Jornalismo por fluência e Cinema por paixão. No café pelas xícaras e em RJ por SP. Vinte e 3.