Ansiedade: o que fazer quando um desvio se torna a regra?
O chão é lava, os móveis também. Olhando para esse cenário, estranho é não se sentir inseguro, vulnerável, ansioso.
Quando estamos em um jogo e surge um desafio que, na nossa percepção, está muito acima das nossas capacidades atuais, a reação mais provável é evitar o conflito e, sempre que possível, se esconder por algum tempo enquanto busca novas informações e habilidades.
Além disso, em quase todos os jogos temos um sistema de segurança através dos “checkpoints”, onde podemos salvar o nosso progresso para dali recomeçar, no caso de falharmos.
Enfrentando os desafios que a vida real impõe, nosso comportamento pode acabar sendo o mesmo: tentamos encontrar ou criar “checkpoints” de onde possamos recomeçar, e quando um desafio parece muito grande, procuramos formas de ganhar tempo até poder enfrentá-lo.
Mas o que tudo isso tem a ver com ansiedade?
Se eu tivesse que escolher outra palavra para descrever a ansiedade, provavelmente ela seria insegurança; “sensação ou sentimento de não estar protegido”, como define o dicionário.
O que pode se notar atualmente é que, ano após ano, temos cada vez menos “checkpoints” onde podemos apoiar a nossa segurança e conseguir a sensação de estar protegido.
Historicamente, esses pontos de apoio se encontraram na figura de instituições, como a família, as amizades, o relacionamento amoroso, o governo, e o trabalho/dinheiro.
No cenário atual, vemos cada vez mais conflitos familiares motivados pela divergência entre os pais e seus filhos, sobre que destino estes devem tomar. Amizades e namoros deixam de ser relacionamentos profundos para se tornarem notificações em uma tela. O governo não demonstra a menor possibilidade de ser respeitado e de nos proteger.
Surge a tentativa de se apegar ao emprego, acreditando que é possível resolver tudo através de mais e mais e mais esforço.
O workaholic, que era considerado alguém com problemas, agora é exaltado na figura do hustler, alguém que está sempre disposto a perder mais uma noite ou um compromisso com a família, em nome da busca pelo sucesso. Verdade seja dita, até pode ser bom trabalhar quatorze horas por dia, se isso te conecta com algum tipo de missão de vida, mas sabemos que, para a maioria das pessoas, essa não é a realidade.
Transformaram o “corra atrás de seus sonhos” em “corra atrás de mais dinheiro”. Você ainda pode deixar de ser um empregado sobrecarregado para levar a vida que deseja, mas é melhor que deseje uma vida de empreendedor sobrecarregado, certo?
Independente da opção, empregado ou patrão, o trabalho em si oferece cada vez menos checkpoints para garantir a nossa segurança (a menos, obviamente, para os que acumulam as mais altas quantias de dinheiro e influência).
Para muitas pessoas, a realidade é que não existe mais a noção de ir para casa, descansar e voltar ao escritório para continuar de onde parou. Os clientes, fornecedores, colegas e chefes estão na palma da sua mão.
Ou melhor, vamos deixar as coisas bem claras: você está na palma das mãos de cada um deles.
Seu tempo não é mais seu de verdade; ao invés de decidir quais os próximos passos, você reage, corrige problemas, apaga diariamente os mesmos incêndios, e sente que nunca há tempo de fazer algo para evitar que eles apareçam novamente amanhã.
Com todos esses elementos se acumulando e se fortalecendo mutuamente, a sensação é a de que nenhum passo seguro pode ser dado à frente. O chão é lava, os móveis também.
Honestamente, olhando para esse cenário, estranho é não se sentir inseguro, vulnerável, ansioso.
Quando tudo dá errado no seu trabalho e você tenta falar com os seus amigos, mas eles estão todos rolando o feed do Instagram, e você também sabe que existem grandes chances de seus pais falarem “eu disse pra você aceitar aquele outro emprego…”, é normal explodir.
Não há nada de errado com você.
NÃO HÁ NADA DE ERRADO COM VOCÊ!
Ainda assim, não faz sentido que você tente evitar essas explosões, enquanto continua andando sem proteção ao longo do campo minado que é a vida, onde as bombas mudam de lugar dia após dia.
É preciso encontrar, ou construir, seus novos pontos de apoio. Em primeiro lugar, internamente. Como o imperador romano Marco Aurélio dizia para si mesmo, em seu diário pessoal:
“Os homens buscam retiros em casas no campo, na beira do mar, e nas montanhas; mas o indivíduo não pode retirar-se para nenhum lugar em que encontre mais paz, ou esteja mais livre de problemas do que quando se retira para dentro de sua própria alma”
Com certeza será preciso alguma dedicação para construir o retiro perfeito, da mesma forma que um grande templo para uma divindade exige grandes quantidades de material e trabalho. Livrar a sua mente de certos pensamentos negativos é como construir paredes reforçadas em torno do seu templo interior.
Eis o que eu acredito ter sido meu maior erro, ao tentar me proteger contra a ansiedade: esperar a guerra para só então tentar levantar os muros que poderiam me defender.
Isso significa que eu não fazia nada durante os tempos de paz, seguia “apenas vivendo” sem me preparar, e quando algo despertava a ansiedade, eu queria ser forte, aguentar e depois lutar contra o que estava sentindo. Era impossível.
Estou contando isso por acreditar que você também pode cometer esse mesmo erro.
Nos dias bons, você deve se divertir, aproveitar esse tempo livre da ansiedade, mas não pode deixar de se preparar para ela. Esses são os melhores momentos para fortalecer sua mente antes de uma possível crise que ainda esteja por vir. Não espere ser forte apenas quando precisar lidar com um grande episódio de ansiedade — ao invés disso, treine todos os dias.
A maneira que eu encontrei para isso foi a meditação — encarar meus pensamentos e entender o que se passa neles. Sem pressa, começando com dois ou três minutos por dia; e sem cobrança — nada de me forçar a “não pensar”. Pelo contrário, a porta estava aberta para qualquer ideia que quisesse entrar. Eu apenas tentava observar como elas se comportavam.
Infelizmente, não posso garantir que isso vai funcionar para você, mas deixo uma forte recomendação, caso queira tentar.
Também é importante buscar relacionamentos profundos — alguém que estará disposto a atender sua ligação no meio da noite para conversar e lutar lado a lado contra a sua ansiedade pode ser fundamental.
Outra boa preparação é criar gatilhos que possam te tranquilizar. Da mesma forma que certas coisas podem disparar uma crise, outras — como uma playlist, um filme, um livro — podem ser usadas como uma pequena sala de seu templo, onde você pode descansar enquanto espera que o ataque termine.
As maneiras variam, mas o mais importante é ter em mente que para conseguir lidar com os dias ruins, precisamos usar os dias bons em busca de aprendizado e prática — entender melhor o que acontece dentro de nossa cabeça, e como podemos lidar com isto.
Lembre-se de que “o indivíduo não pode retirar-se para nenhum lugar em que encontre mais paz, ou esteja mais livre de problemas do que quando se retira para dentro de sua própria alma” — e mesmo que quase não existam mais checkpoints lá fora, você ainda pode se sentir seguro em algum lugar aí dentro!