Vou começar pelo fim

Desenforma
7 min readJan 10, 2023

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Tenho contado sobre minha jornada sabática por onde passo, e gostei da ideia que me deram de escrever aqui também. Estava sem saber por onde começar, então decidi começar pelo fim.

Ceará, Brasil — Janeiro de 2023

Estou prestes a completar 4 meses desde o meu último dia de trabalho CLT. Mas sinto que o fim começou bem antes disso… Na verdade, o último trabalho já começou com cara de término. Sabe quando você compra algo já sabendo que não vai durar muito?

E olha que eu queria estar errada, mas intuição não falha — e esse tem sido um dos meus maiores aprendizados. Me tornei melhor amiga dessa tal de intuição. No começo, assusta. Mas andar de mãos dadas com ela faz a jornada ser bem mais leve. Vou falar mais sobre isso em outro momento…

A história por trás do fim

Eu construi uma carreira na área de Sucesso do Cliente, trabalhando em startups. Jovem, recém-formada em Marketing em uma faculdade renomada. Cheia de sonhos, energia e vontade de mudar o mundo. Prato cheio para empresas tão jovens e sonhadoras quanto eu: as startups que acabaram de começar — no famoso “early stage”.

Muita coisa pra fazer, muitas ideias pra colocar e tirar do papel, gente jovem, inteligente… foi incrível! Eu lembro que amava dizer o quanto era maravilhoso não ter rotina (ainda adoro isso, mas de um jeito diferente), ter desafios novos a cada dia (a vida se encarrega de fazer isso, mesmo sem estar trabalhando rs), admirar o trabalho de quem senta do meu lado, aprender coisas novas a todo momento…

E tudo isso realmente era e continua sendo incrível. Veja, o problema não estava aí. Nem nessa fase, pra dizer a verdade. Essa rotina sem rotina, os desafios da noite pro dia, o job description inconstante: todos esses ingredientes me ensinaram a ir atrás do que eu quero, a não ter medo de errar, a confiar nas minhas ideias e a ver o impacto das minhas ações na prática. Eu sou extremamente grata a cada um desses aprendizados. Se estou hoje aqui, no meio de uma praia paradisíaca no Ceará, sem salário, com um sorriso no rosto e o coração recheado de confiança e vontade de viver, é porque passei por cada uma dessas fases.

Uma hora, cansei

Saí da Startup Um* depois de 4 anos, com muito frio na barriga, pra criar a área de Sucesso do Cliente na Startup Dois. E fui da Dois pra Três. E da Três pra derradeira, a Quatro. A história se repetia em cada uma, só eu não via.

Foram quatro anos na Um e três anos transitando de uma para a outra, até a Quatro. Os sinais estavam ali, era só uma questão de tempo até que eu percebesse.

A tal da pandemia teve uma baita parcela nessa mudança toda, confesso. Não só sobre trabalhar de qualquer lugar, porque a Startup Um já me permitia isso. Mas a coragem de olhar pro mundo e falar: bora?

Eu amo trabalhar de casa, de verdade. Morando só com a minha mãe, com internet e um quarto pra fazer de escritório, eu tinha condições incríveis pra fazer isso. Mas não poder ver a natureza, pisar na terra, olhar pro céu… isso mexeu demais comigo. Eu não conseguia mais ficar me sentindo um pássaro preso na gaiola, naquele apartamento em São Paulo.

Você já deve ter ouvido essa história várias vezes por aí, e eu também. Foi isso, inclusive, que me deu fôlego pra colocar o pezinho na estrada pela primeira vez. Comecei aos poucos, perto de São Paulo, por curtos períodos.

Meus amigos gostaram da ideia e se juntaram. Até minha mãe entrou nessa — e ela aproveitava muito mais do que eu, que tinha horário marcado com o computador rs.

E assim eu fui viajando de lá pra cá, experimentando, aprendendo, me soltando. E nesses movimentos, eu me movimentei na carreira também.

A essa altura, eu já tinha a minha consultoria com a minha amiga-sócia, fazia dupla jornada, e conhecia pessoas com contextos, sonhos e realidades bem diferentes das que eu via na minha bolha paulistana startupeira — nada contra, inclusive tenho muitos amigos que são rs.

Mas foi vendo esse tantão de oportunidade que eu tomei coragem de sair de onde eu tava! Estou falando de São Paulo. Esse foi o primeiro grande passo.

Ah… essa tal liberdade

E aí veio aquela liberdade paralisadora, quando se percebe que tudo é possível. Meu deus, que desespero que bateu.

Saber que eu posso ir pra qualquer lugar era tipo “ok, legal. Mas QUALQUER LUGAR É MUITA COISA”. Sabe quando você vai na sorveteria e tem tantas, mas TANTAS opções de sabores e combinações que você simplesmente fica ali, sem ação, pedindo pra experimentar de tudo e ainda decide meio na dúvida se foi mesmo a melhor opção? Foi assim mesmo que aconteceu.

Mas já vou deixar uma dica: dá pra voltar outro dia e escolher outro sorvete, ta?

E assim eu fui brincando: campo ou praia? Frio ou calor? Cachoeira ou mar? Chuva ou sol? Sozinha ou junto? Hostel ou casa? Brasil ou fora? Avião, carro ou ônibus?

E os contatinhos?

Hm, essa parte dá pra fazer um texto todinho sobre. Mas acho importante falar que eu comecei essa jornada solteira. E sigo assim, rs.

Mas isso, é claro, deu contornos mais suaves pros meus planos. Ao mesmo tempo em que me deu uma baita insegurança. E não estou falando só de relacionamento afetivo, é sobre família, amizades, rede.

E não tem resposta certa, não. Vivi amores desapegados, fiz amigos pra vida toda, que não sei nem quando vou encontrar de novo. Recebi carinho e apoio de quem eu nem tinha tanto contato quando estava em São Paulo. E me senti sozinha, também. Mas não mais do que eu me sentia quando estava sozinha em meio à intensidade urbana, de gente com pressa, sem tempo, sem olho no olho.

Eu escolhi ir pra lugares mais remotos — no limite que ainda me permitia ter acesso à uma boa internet e estrutura. E experimentei como é viver em ilhas, vilarejos, ecovilas.

Eu lembro que, em um dos escritórios de coworking que passei enquanto ainda morava em São Paulo, eu ficava indignada que as pessoas cruzavam comigo no corredor, ou até saindo do banheiro que eu estava entrando, e simplesmente evitavam o olhar. Não falavam “bom dia”. Nem pra fazer aquele famoso networking, sabe?

E fui disso pra falar bom dia para senhorinhas sentadas na porta de suas casas. E pedir alface da horta do vizinho. E ir lavar roupa na casa dos amigos que acabei de fazer — e ainda usar o varal, tomar um café com bolinho e usar a internet, quando a de casa caía (obrigada, queridos. Vocês são incríveis!).

Aí, acabou

O choque era grande demais pra conseguir processar a desconexão que rolava no trabalho. E falo da minha, mesmo. Eu me sentia desconectada dos prazos, da correria, do mundo go big or go home.

Acabou a energia pra isso tudo. Senti que eu não tinha mais muita coisa pra oferecer. E, sabendo o quanta diferença isso faz no dia a dia de empresas nesse estágio do negócio, eu simplesmente não podia continuar assim.

Eu tentei. Tentei bastante, tentei até demais. A ponto de deixar minha saúde em último lugar e só olhar pra ela quando a conta chegou. Remédios e mais remédios para as doenças que fui somatizando — gripes intermináveis, coluna travada com sessões e mais sessões de fisioterapia, alergia atacada. E, depois, para a pior de todas: a silenciosa. A que chegou de fininho e foi tomando conta. O tal do burnout.

A falta de ar se tornou um sintoma comum, desde que decidi sair da Startup Um. Ela ia e vinha de vez em quando. Aprendi que era tipo um sinal amarelo do meu corpo falando comigo. Mas aí parece que me acostumei, fui tapeando.

A terapia não era nem questionável, era meu porto seguro. Toda semana, religiosamente. Yoga, esporte, comida saudável, leituras, 8 horas de sono, contato com a natureza. Poxa, eu tava fazendo tudo que eu podia! E não foi suficiente.

Eu ainda almoçava uma comida feita com pressa. Tomava um banho de sol com alarme pra próxima reunião. Acordava no tempo do despertador, não do corpo. Respeitava prazos que eu sabia que não podia cumprir. Fazia mais do que cabiam em 8 horas de trabalho.

Não era culpa de mais ninguém, além de minha. Eu podia levantar a mão, pedir ajuda, falar que não dava. Mas tinha um ego falando alto aqui dentro. Essa escola da produtividade que ficava vindo na minha cabeça e me fazendo acreditar que era só eu insistir mais um pouquinho, mais uns aninhos, e ia chegar lá. Lá aonde?

Não tem linha de chegada.

E esse foi o grande aprendizado. Enquanto eu estivesse buscando o que me falaram que era sucesso, eu não ia me sentir realizada.

Agora, parece até uma piadinha do universo ler isso que escrevi. Eu falo sobre Sucesso do Cliente. Uma das coisas mais básicas é que a empresa precisa entender o que é sucesso para o cliente, do ponto de vista dele. O que ele espera conquistar ou alcançar quando compra ou contrata alguma coisa. Não vem da empresa pra ele. Vem do cliente, é ele que está caminhando na jornada. Só ele sabe onde quer chegar.

E lá estava eu, como uma empresa que ainda não vê as coisas desse jeito, tentando fazer a jornada caber nas regras e as regras caberem na jornada. Assim, meio desengonçada.

Decidi mapear minha própria jornada, explorar o mundo, ouvir histórias e conhecer, de verdade, meu maior cliente: eu mesma.

*Sobre as startups

Escolhi não citar o nome delas, mesmo sabendo que você pode achar facilmente no meu LinkedIn. O motivo é que eu não estou aqui para falar sobre elas, em si. Até porque, tudo o que aprendi até aqui foi vivendo intensamente minha experiência com cada uma. Conheci pessoas excepcionais, aprendi coisas que nem tenho ideia de como faria sem ter passado por elas, e também paguei por experiências e coisas maravilhosas com o fruto do trabalho que fizemos juntos.

Eu estou aqui pra contar minha história sobre como saí do burnout — e o que tenho encontrado aqui, do outro lado dele.

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Esse é o primeiro texto que tive vontade de colocar no mundo fora do meu caderninho. Se sentir vontade de compartilhar algo, o que quer que seja, fica à vontade. Eu tô aqui pelas trocas ❤

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Por Aline Carvalho, mentora e escritora | @ei.desenforma