EUA-Arábia Saudita: O que explica essa aliança?

A relação que começou com a exploração de petróleo na costa saudita possui um importante caráter geopolítico, sendo mais que apenas uma parceria por recursos energéticos.

Devlin Biezus
6 min readJun 13, 2017

A Arábia Saudita é uma monarquia absolutista governada, desde sua formação, pela família Saud (é daí que surge o nome do país). A base religiosa do Estado é o wahabismo, uma vertente do islamismo sunita a qual é caracterizada por seu ultraconservadorismo.

As relações com os Estados Unidos começaram desde a formação do reino saudita, em 1932. A Arábia Saudita viu nos Estados Unidos um aliado que a protegeria, de certa forma, dos fortes interesses britânicos. Lembrando que Iraque, Egito e Palestina eram polos de influência inglesa na região.

Petróleo

Apenas um ano após a formação do país, EUA e Arábia Saudita consolidaram o início de sua parceria. O Rei saudita assegurou uma concessão para que empresa estadunidense, California Arabian Standard Oil Company (CASOC), procurasse por jazidas de petróleo em seu território. Em 1948, a CASOC foi renomeada para Arabian American Oil Company (Aramco).Nos anos 80, a empresa se tornou propriedade saudita, uma vez que o país era dono da maior parte das ações da companhia. Desde então, a empresa é conhecida como Saudi Aramco e atualmente produz 12 milhões de barris de petróleo por dia. O peso da Saudi Aramco na economia mundial é indiscutível. Ela emprega 65.266 pessoas e sua estimava de valor no mercado varia entre 400 bilhões e 2 trilhões de dólares (quase três vezes mais que a maior empresa do mundo com capital aberto, a Apple).

Segurança

A relação ficou ainda mais sólida após o encontro, em 1945, entre o Presidente estadunidense, Franklin D. Roosevelt, e o Rei Abdulaziz, ambos abordo no navio USS Murphy, que navegava pelo Canal de Suez. Já nesse encontro, os Estados Unidos pediram a permissão para a construção de uma base militar na cidade de Dhahran.

A cooperação militar entre os dois países só começou em 1952, com o Tratado de Mútua Defesa. Ele estabeleceu o treinamento de tropas sauditas pelos Estados Unidos, o comércio de armas estadunidenses para a Arábia Saudita, além de começar a construção de uma base militar dos EUA no país árabe.

A questão militar em relação ao Reino saudita passou a ser uma das prioridades da política externa dos Estados Unidos. Uma base militar na Arábia Saudita não significava apenas prover a segurança para o centro administrativo petroleiro do país, mas também assegurar uma importante posição estratégica no Oriente Médio.

Escudo do Deserto

A base militar na Arábia Saudita teve uma grande importância para os Estados Unidos durante a Guerra do Golfo (1990–1991). Para tentar prevenir a invasão do Kuwait pelo Iraque de Saddam Hussein, os Estados Unidos enviaram 500 mil soldados para a Arábia Saudita em uma operação chamada Escudo do Deserto. Apesar disso, o Iraque não recuou, invadindo e anexando o Kuwait, em agosto de 1990. Os Estados Unidos, em conjunto com seus aliados, iniciaram então a Operação Tempestade do Deserto, atacando as tropas iraquianas e expulsando-as do Kuwait.

Ao meio do ápice de tropas estadunidenses na Arábia Saudita, Osama bin Laden expressa sua extrema indignação com tropas estrangeiras ocidentais tão próximas dos lugares sagrados do Islã.

Bin Laden e 11 de setembro

Osama bin Laden, filho de um proprietário magnata de uma construtora civil, trocou sua vida na Arábia Saudita para combater as tropas da União Soviética que invadiram o Afeganistão, em 1979. Bin Laden aderiu a resistência na década de 1980 e suas ações nessa guerra permitiram que ele e sua família ganhassem apoio político e financeiro, mesmo que indiretamente, da monarquia saudita. Devido suas experiências e contatos durante a guerra no Afeganistão, Osama bin Laden fundou a organização Al-Qaeda, em 1988. Ele anunciou sua jihad contra os Estados Unidos e começou a fazer duras críticas a Arábia Saudita devido a permissão de manter soldados estadunidenses em “solo sagrado”.

Em razão das ameaças e atividades contra a monarquia saudita, Bin Laden foi expulso do país e se refugiou no Sudão. Mais tarde, sua cidadania também foi anulada.

Os ataques de 11 de setembro trouxeram a relação entre Estados Unidos e Arábia Saudita à crítica opinião pública. 15 dos 19 membros que fizeram parte do ataque eram de nacionalidade saudita. O relatório dos ataques contou com 28 páginas omitidas pela administração Bush, o que corroborou para especulações de que a Arábia Saudita poderia ter sido conivente ao atentado. O documento foi divulgado na íntegra apenas ano passado e deixou claro que nenhuma conexão entre os terroristas e o governo saudita foi encontrada. No entanto, um projeto de lei foi aprovado na Câmara dos Deputados a qual permitiria que as vítimas do atentado de 11/9 processassem a Arábia Saudita pelos ataques.

O governo saudita ameaçou uma intensa retaliação econômica, caso essa lei fosse aprovada. O projeto foi vetado por Obama e declarou que tal lei traria um impacto extremamente negativo para a segurança do país.

Irã

O Irã, além de ser um dos países que fazem parte do “eixo de mal” criado por George W. Bush, é um dos principais inimigos da Arábia Saudita. Aqui, a religião passa a ser pano de fundo e as questões políticas são protagonistas. Desde a destituição de Saddam Hussein, Arábia Saudita e Irã competem pelo “vácuo de poder” deixado, assim, buscando uma certa hegemonia na região. Além disso, ambos apoiam grupos rivais na guerra da Síria e do Iêmen.

O agravamento da situação Arábia Saudita-Irã não veio do dia para noite. Seu recente estopim foi o corte de relações que a Arábia Saudita promoveu contra o Qatar, devido sua “colaboração com grupos terroristas apoiados pelo Irã”. No início de 2016, a Arábia Saudita executou o clérigo xiita, Nimr al-Nimr, e mais 47 pessoas acusadas por participar de grupos terroristas. Como retaliação a esse ato, a embaixada saudita em Teerã, capital do Irã, foi invadida e incendiada. Por fim, resultando no corte de relações diplomáticas entre os dois países.

Para os Estados Unidos, o Irã é visto como uma ameaça. Mas, no governo Obama, a situação com o país foi levemente modificada. As negociações do acordo nuclear iraniano implicam na diminuição do isolamento do país e suspensão das sanções multilaterais.

Donald Trump

A primeira viagem oficial de Donald Trump foi para a Arábia Saudita. O presidente, que em sua campanha abominava governos extremistas islâmicos, reforçou a relação que havia sido relativamente enfraquecida durante o governo Obama.

Durante essa viagem, dois temas podem ser destacados: o acordo comercial de armamento e o discurso contra terrorismo de Trump. O Presidente dos Estados Unidos fechou com a Arábia Saudita um contrato de vendas de armas no valor de 110 bilhões de dólares. Durante seu discurso, Trump afirmou que acabar com o autointitulado Estado Islâmico (DAESH) é uma prioridade de sua política externa. Além disso, ele também aproveitou para acusar o Irã por financiar grupos terroristas, culpando-o pela instabilidade da região e incentivando um isolamento do país:

Até o regime iraniano estar disposto a ser um parceiro da paz, todas as nações com consciência devem trabalhar juntas para isolar o Irã, negar financiamento para o terrorismo e rezar para o dia que as pessoas iranianas tenham o justo e honrado governo que elas merecem.

O esforço da Arábia Saudita em conjunto com os Estados Unidos em isolar o Irã do sistema internacional já apresentou ações concretas: o corte de relações diplomáticas com 0 Qatar pela Arábia Saudita, Bahrein, Emirados Árabes Unidos, Egito, Iêmen, Líbia e Maldivas. A justificativa desse ato foi o suposto relacionamento do Qatar com grupos terroristas e seu apoio ao Irã.

A administração de Donald Trump traz um aquecimento na amizade com a Arábia Saudita. Obama mantinha uma postura diplomática, buscando amenizar o papel de antagonismo do Irã, criado pela Arábia Saudita e seus aliados (as negociações do acordo nuclear são um exemplo disso). Já Trump abraça por completo a rivalidade Irã-Arábia Saudita e dá total apoio ao maior aliado árabe dos Estados Unidos no Oriente Médio.

A política externa dos Estados Unidos para o Oriente Médio não pode ser vista de maneira superficial, já que ela é capaz de influenciar, e até mesmo mudar, o cenário da região. A nova guinada das relações EUA-Arábia Saudita favorece a balança de poder para o lado saudita, acirrando a crise no Golfo e unindo estreitamente o segundo maior exército do Oriente Médio com o maior exército do mundo.

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Devlin Biezus

Mestranda em Ciência Política, graduada em Relações Internacionais, projeto de pesquisadora, bookworm. Gosta de política, mas também de batata.