O Met Gala, o Costume Institute e Kim Kardashian — parte 1

Guilherme Dias
5 min readNov 13, 2022

--

Esse texto inicialmente foi um compilado da thread que escrevi no twitter em maio de 2021, com atualizações sobre o bafafá de Kim Kardashian no Gala de 2022. Aproveitei para atualizar e recauchutar alguns erros que cometi no fio. Vou fazer em duas partes para não ficar grande demais.

Você com certeza já ouviu falar do Met Gala. Talvez pelos looks ousados ou pela Anitta quando estreou no tapete vermelho pela Moschino. Mas com certeza pelo momento em que Kim Kardashian estampou os jornais com o famoso vestido de Marilyn Monroe em Happy Birthday Mr. President.

Muito vimos a Kim com o vestido e todo o bafafá, mas pouco sabemos do contexto do Gala, e pra isso estou aqui escrevendo pra você, caro interessado em arte, museus. Sobre a Kim e o vestido, vou escrever na parte 2 porque existe toda uma controvérsia sobre o uso de vestidos históricos.

Primeiro, o que é o Gala.

O Met Gala é um dos principais eventos sociais da alta sociedade e um dos esperados momentos do calendário da moda no verão novaiorquino. É um jantar temático mas longe de ser algo casual e descontraído. É considerado um laboratório para designers e estilistas.

Shawn Mendes usando Tommy Hilfiger no gala de 2022.

O melhor exemplo disso para mim é o Gala de 2021, cujo o tema era “Camp”. Para resumir, Camp é um conceito apresentado por Susan Sontag, uma das mais importantes vozes na história e crítica da arte do séc XX, que tenta definir a nossa atração estética ao exagerado, ao artificial, ao não natural. (Caso se interessem, o nome do texto é “Notes on Camp”, publicado em 1964).

Olhem o nível das produções.

O Lil Nas X preparou três looks só pro tapete vermelho. Primeiro essa capa em seda e bordados;
Por baixo da capa, literalmente uma armadura dourada;
E por baixo da armadura, esse body de cristais da Versace.

Com o tema, a produção dos convidados dá uma dinâmica que transforma o tapete vermelho em algo mais importante que o próprio jantar. Pegue por exemplo o nosso amado Lewis Hamilton em 2021.

Lewis Hamilton vestindo Kenneth Nicholson em 2021.

Sendo esse ápice da moda no verão novaiorquino, o público acaba esquecendo que é o evento — também chamado de The Costume Institute Gala. Ele é, essencialmente, um jantar de arrecadação de fundos para um dos departamentos do Metropolitan Museum, o Costume Institute. Além disso, ele costuma ser o jantar de abertura da exposição anual realizada pelo departamento.

Mesas do Gala de 2021, em frente ao templo de Dendur, na Ala Leste do Museu.

O Costume Institute é o único departamento do Metropolitan Museum a ter que se bancar com recursos próprios, sem aporte do endowment principal da instituição. Ele nasceu em 1949, e logo na produção de sua primeira exposição ele realiza um jantar de fundraising na noite de abertura de sua exposição. Até então era apenas mais um evento de arrecadação na vida das famílias abastadas de Nova York, onde famílias compravam mesas no jantar de gala, e os fundos eram redirecionados para as atividades do Instituto.

A história muda nos últimos 26 anos, com a chegada de Anna Wintour, a editora chefe da Vogue, ao board do Met Gala anual.

Anna Wintour no Met Gala de 2021

Anna Wintour transformou o Gala: Em 1995, um lugar no evento custava 1.000 USD, e em 2022 custa cerca de 30.000 USD. Mesmo com um preço bem salgado, os ingressos são concorridos e é preciso muito gingado para garantir o seu. Aliás o queridinho de todos, Hamilton, garantiu uma mesa inteira para convidar designers negros para o jantar no de 2021. uma breve fortuna e bons contatos garantiram isso.

Mas para onde vão esses fundos?

Essencialmente para a manutenção das atividades do Instituto. Até então fala-se de aproximadamente 175 milhões de dolares já arrecadados no reinado de Anna Wintour no Costume Institute. São conservadores, curadores, pesquisadores, técnicos e outros profissionais de museus, além dos insumos, equipamentos, as bolsas de pesquisa, quase tudo é financiado diretamente pelos recursos angariados no gala.

Estereomicroscópio utilizado em intervenções na trama de objetos de acervo.

O Costume Institute tem cerca de 33.000 objetos em seu acervo, que estão sobre os cuidados da equipe de Conservação do Costume Institute. O trabalho da Conservação é garantir justamente a permanencia do acervo, através de muita pesquisa, análises químico-físicas dos materiais, controle ambiental e tratamento interventivo. Além do acervo sob sua guarda, a Conservação do Costume Institute também contribui para a formação de estudantes dos programas de art conservation, recebendo bolsistas de universidades.

Foto de uma das áreas de tratamento de acervo do Costume Institute, no Metropolitan Museum.

O Met Gala, por fim, é bem mais que um jantar refinado ou um carpete vermelho. O Gala, em toda sua pompa, permite a condução de atividades do departamento inteiro no ano seguinte, desde o tratamento do acervo ao trabalho de pesquisa e curadoria, que envolve a criação das próximas exposições.

Alguns dos instrumentos usados na conservação do Costume Institute.

É isso. Caso se interessem mais, deixo aqui também um vídeo curtinho que aborda o departamento. Aliás a Sarah Scaturro, que foi chefe da Conservação até 2020, é uma das principais vozes da conservação de texteis no mundo — e uma pessoa super importante para a parte dois, em que falaremos sobre Marilyn e Kim Kardashian. Texteis não é minha área, mas Sarah é um exemplo de profissional para além dos especialismos de cada um.

Abraços!

--

--