O panzer alemão chamado Ingo Schwichtenberg

Baterista fez carreira e sucesso no Helloween, onde gravou discos que definiram uma nova maneira de tocar Metal; Ingo cometeu suicídio aos 29 anos de idade

Diego Cataldo
13 min readMar 16, 2019

Poucos músicos tiveram a honra de virar referência dentro de um estilo musical. O alemão Ingo Schwichtenberg, ex-Helloween, conseguiu este feito e entrou para história junto com seus companheiros de banda ao lançar discos apontados como o marco zero do chamado Metal Melódico. O baterista, que por conta dos abusos com álcool e drogas somados à esquizofrenia, teve uma carreira curta, porém de muito sucesso.

PRIMÓRDIOS

Primeira formação oficial do Helloween (Da esq. p/ dir.: Weikath, INGO, Kai e Markus)

Ingo Schwichtenberg nasceu em Hamburgo, na Alemanha, no dia 18 de maio de 1965. O gosto do jovem Ingo por música começou com 14 anos de idade, quando, com o incentivo de um professor, teve aulas de clarinete e juntou-se à banda de música folclórica da escola. E foi assim que o alemão teve seu primeiro contato com a bateria.

“Como o baterista do meu grupo era muito ruim, eu não aguentei e sentei-me na frente do kit e toquei… e gostei. Acho que eu tinha uns 15 anos… soube que iria tocar seriamente desde então”

No início da década de 1980, quando Ingo completou 15 anos, seu pai Heinz lhe presentou com o seu primeiro kit. O músico começou a tocar sozinho e encorajado pela família pôde seguir seu sonho de juntar-se a uma banda. Nessa mesma época Ingo conheceu Kai Hansen, um jovem guitarrista que havia fundado uma banda chamada Gentry na companhia de Markus Grosskopf (baixo) e Piet Sielck (vocal). Como a banda precisava de um baterista, Ingo aceitou de imediato o chamado de Kai. Logo em seguida o grupo adotou um novo nome: Second Hell.

Ingo nasceu em uma tradicional família alemã e estudou em uma escola conservadora, o que causava um certo estranhamento das pessoas que viviam próximas a ele.

“Eu era rock’n’ roll com cabelos longos e uma jaqueta de couro. Como os outros caras da minha idade usavam roupas normais, eu poderia ser visto como muito diferente deles. Mas não havia relacionamento ruim com eles”

Laura Schwichtenberg, irmã de Ingo, endossa o comentário do irmão sobre seu relacionamento com os garotos da cidade e da escola.

“Ele era muito independente e apesar de sempre ser taxado de drogado e encrenqueiro, era adorado por quem o conhecia”

Nos anos seguintes o Second Hell reunia-se para ensaios e passou por mais uma mudança na formação. O vocalista Piet Sielck foi mandado embora e Michael Weikath assumiu o posto de segundo guitarrista. E em 1983 outra mudança de nome. Agora, a banda chamava-se Iron Fist.

Enquanto a banda seguia na rotina de ensaios e sem shows para ganhar dinheiro, Ingo resolveu procurar um emprego para montar seu primeiro kit profissional (a bateria escolhida foi uma Yamaha — logo substituída por uma Sonor). Para tal, o músico trabalhou em um escritório e em um supermercado de Hamburgo.

“Apesar de ter sido um trabalho difícil começando às 6h da manhã, aprendi muitas coisas lá. Acho que foi bom para mim ter feito isso”

Mas Ingo mal sabia que a partir de 1984 sua vida mudaria por completo. Existem muitas versões sobre a origem do nome Helloween, mas a biografia do baterista diz que a ideia veio dele. Após assistir o filme Halloween, Ingo sugeriu a banda que trocasse o nome de Second Hell para Helloween, tocando o “a” pelo “e”.

Desta forma, a banda começou a apresentar-se por pequenos clubes da região de Hamburgo e foi convidada para participar da coletânea Death Metal, que apresentava banda novas de Metal. Ingo, que sempre recebeu apoio da família, contou como seu pai ouviu o disco.

“Como a capa do álbum era a ilustração de um homem nojento que estava estripado, meu pai franziu as sobrancelhas: ‘… Neste álbum?!?’, ele perguntou. E ele estava olhando desconfiado… Mas ouvindo “Metal Invaders” e “Oernst Of Life”, ele parecia estar satisfeito com a melodia e disse: ‘Continue!’”

>> Ouça a obscura e esquecida Oernst Of Life na coletânea Death Metal

Graças a repercussão da coletânea, o Helloween assinou seu primeiro contrato com a Noise Records. E assim nasceu o mito Ingo Schwichtenberg.

HELLOWEEN

Capa do EP Helloween e do full-lenght Walls Of Jericho

Com contrato assinado, o Helloween entrou no Musiclab Studio, em Berlim, para a gravação do seu primeiro EP autointitulado. O processo todo durou apenas dois meses, sendo janeiro e fevereiro dedicado à pré-produção, produção, gravação, mixagem e prensagem do compacto. O mini-LP saiu em março de 1985.

“Quando fizemos o nosso mini álbum foi nossa primeira experiência em estúdio de gravação. Então era tipo ‘Este é o mixer!’, ‘Este é o microfone de gravação!’, ‘Maravilhoso!’. Ficamos animados!”

Helloween não chega nem aos 30 minutos de música, mas apresentou petardos do calibre de Starlight, Murderer, Warrior, Victim Of Fate e Cry For Freedom.

Em outubro do mesmo ano o Helloween lançou seu primeiro full-length chamado Walls Of Jericho. Novamente gravado Musiclab em um processo que durou os mesmos dois meses do EP, o disco contém músicas que viraram hinos como Ride The Sky, Guardians, Heavy Metal (Is The Law) e How Many Tears.

À época, o estilo foi definido como Speed Metal, mas notório que a banda já tentava dar uma nova roupagem ao Metal tocado com pé no acelerador. O Power Metal moderno estava sendo moldado e disco recebeu críticas positivas na Europa.

Toda a concepção visual do Helloween veio de ideias de Ingo. Primeiro o nome. Depois, as famosas abóboras. Foi o baterista que deu a ideia de trocarem o “o” do nome da banda por uma abóbora e criar artes exclusivas para determinadas músicas — como é possível ver nos encartes dos álbuns.

KEEPERS OF THE SEVEN KEYS

Helloween em 1987 (Da esq. p/ dir.: Kai, INGO, Weikath, Markus e Kiske)

Depois de uma turnê bem sucedida pela Europa divulgado o primeiro disco, o vocalista/guitarrista Kai Hansen optou por concentrar-se apenas nas guitarras.

“Kai queria dedicar-se somente a guitarra. Então, mais cedo ou mais tarde precisaríamos encontrar um cantor, um frontman”

E assim a banda encontrou o vocalista Michael Kiske de apenas 18 anos, oriundo da banda III Prophecy. Kiske conta que quando recebeu o primeiro álbum da banda e o ouviu, achou “tudo uma porcaria e repetitivo demais”. Mesmo com essa má impressão, Kiske entrou na banda e o Helloween viveu seu momento de ouro.

“Quando ele se juntou à banda, ele tinha 18 anos. Mas eu pensei que ele mesmo soubesse que ele era um homem talentoso e que soubesse o que deveria fazer”

Com o novo vocalista, o Helloween começou a trabalhar no seu terceiro disco — contando o EP — e entrou no Horus Sound Studio, em Hannover, para a gravação do álbum em novembro de 1986 e janeiro de 1987. O single Future World chegou às lojas em abril mostrando o novo direcionamento musical do Helloween.

Produzido por Tommy Newton e Tommy Hansen, Keeper Of The Seven Keys I foi lançado em fevereiro de 1987 e, de fato, inaugurou o Power Metal — ou Metal Melódico. Com músicas como I’m Alive, A Tale That Wasn’t Right, Future World e Halloween, o disco caiu nas graças do público e recebeu notas altíssimas da crítica.

A música Halloween foi escolhida para gerar o primeiro clipe da banda. O vídeo foi executado com frequência na MTV, que acabou convidando a banda para participar do programa Headbanger Ball ao lado de Armored Saint e Grim Reaper. Na Europa, a banda excursionou como open-act do Overkill.

A medida que a popularidade da banda crescia, Ingo era reconhecido pelo seu trabalho atrás do kit. O baterista começou a acumular prêmios como Baqueta de Prata de Vünksh Vast Vha Festival, Prêmio Bateria III e Besten Schlagzeuger in der Saison.

Nessa mesma época Ingo recebeu o apelido de Mr. Smile (Senhor Sorriso) graças ao seu carisma e por estar com sorriso sempre no rosto. Durante as sessões de fotos promocionais, era difícil não só mantê-lo, mas manter toda banda séria. Kai Hansen comenta.

“É difícil aparentar seu mau e ele sorri igual a um idiota!”

O sucesso era tanto que a banda passou a ser agenciada pela Sanctuary Group, liderada por Rod Smallwood e Andy Taylor, empresários do Iron Maiden. Era hora de Ingo e o Helloween voarem alto.

Helloween em 1988 (Da esq. p/ dir.: INGO, Kai, Kiske, Markus e Weikath)

Novamente com produção de Tommy Newton e Tommy Hansen, a banda lançou aquele que é considerado como sua obra-prima. Keeper Of The Seven Keys II fez o Helloween deixar de uma promessa para se tornar uma realidade em 1988.

Recheado de clássicos como Eagle Fly Free, Rise And Fall, Dr. Stein, We Got The Right, March Of Time, I Want Out e Keeper Of The Seven Keys, o disco recebeu certificado de ouro na Alemanha e na Ásia, além de render uma turnê com conjunto com o Iron Madein pela Europa.

O desempenho de Ingo nas baquetas também rendeu novos prêmios ao baterista, que recebeu a condecoração de Melhor Baterista da Europa e Baterista de Ouro de Hamburgo.

Ingo tinha como característica, além da pegada que rendeu a ele o apelido carinhoso de Panzer, tocar girando suas baquetas no ar.

SAÍDA DE KAI HANSEN E BRIGAS JUDICIAIS

Helloween em 1989 (Da esq. p/ dir.: INGO, Grapow, Weikath, Kiske e Markus)

Apesar de toda onda positiva em torno do Helloween, os problemas internos começaram a aparecer e causou a primeira baixa na formação clássica. No dia 1° de janeiro de 1989, Kai Hansen, guitarrista e fundador da banda, anunciou sua saída.

Amigos de longa data, Ingo sentiu bastante a saída do amigo, mas logo recuperou a energia com a entrada do novo guitarrista Roland Grapow, ex-Rampage.

“O rápido crescimento de Roland foi incrível, porque antes de juntar-se ao Helloween ele era mecânico de carros […] De repente ele recebeu um telefonema de Weikath ‘Por que não se junta ao Helloween?’”

A banda rumou para os Estados Unidos para sua segunda turnê a fim de apresentar o novo guitarrista para os fãs. Nesse mesmo ano, o Helloween resolveu romper o contrato com a Noise e assinar com a gigante EMI — mesma gravadora do Iron Maiden. No entanto, a ex-gravadora entrou com um gigante processo contra a banda que traria consequências terríveis aos alemães.

Live In The U.K. saiu via Noise International e EMI

Enquanto a banda resolvia sua pendência na justiça, a EMI lançou o único ao vivo com a formação clássica da banda ainda em 1989. Live In The U.K. tem como único pecado não ser um disco duplo. Entretanto, toda a magia do Helloween está lá, incluindo Ingo, que destacou-se por parecer um tanque de guerra ao vivo.

>> Assista Ingo tocando Eagle Fly Free em 1989

A batalha judicial contra a Noise Records terminou em 1990 com o Helloween derrotado. A banda foi obrigada a pagar uma quantia muito alta para a ex-gravadora, além de ficar proibida de lançar qualquer coisa que não fosse exclusivamente para o mercado Europeu e Japão, e não poder tocar ao vivo.

Tal situação deixou a banda em frangalhos e Ingo, que estava lá desde o começo, sentiu bastante o desgaste causado por esse imbróglio judicial.

“1989 foi uma época terrivelmente ruim para a banda e para mim. Nunca havia passado por dias tão difíceis”

Sem poder tocar, Ingo se viu numa situação desesperadora. Para contornar ao ócio, juntou-se com o amigo Markus Grosskopf à banda Doc Eisenhauer, uma banda de Hard Rock/Glam, tocando em pubs na região de Hamburgo. E foi nessa época que os problemas mentais de Ingo começaram a surgir.

>> Ouça a música Pharao com participação de Ingo na bateria

PINK BUBBLES GO APE, CHAMELEON E PRIMEIROS SINAIS DA DOENÇA DE INGO

Helloween no início dos anos 1990 (Da esq. p/ dir.: Grapow, INGO, Kiske, Markus e Weikath

Após o hiato forçado pelas batalhas judiciais entre o Helloween e a Noise Records, a banda lançou, em 1991, o disco Pink Bubble Go Ape apenas para o mercado europeu e japonês. Produzido por Chris Tsangarides, que gravou Painkiller do Judas Priest, o álbum foi recebido com desconfiança pelo público e pela crítica devido a drástica mudança no som praticado.

>> Assista Ingo em estúdio no início dos anos 1990

Internamente a banda também começava a desmoronar por conta a direção musical que o Helloween deveria adotar após a saída de Kai Hansen. Em abril de 1992 o disco finalmente foi lançado mundialmente após um acordo entre a EMI e a Noise. O cenário, no entanto, não melhorou com relação às críticas. Entretanto, a banda pôde novamente cair na estrada e tocar ao vivo.

A saúde — tanto física quanto mental — de Ingo começou a dar sinais de que algo muito grave acontecia quando, em 1993, a banda lançou o álbum Chameleon. Completamente aquém do que era esperado do Helloween, o disco foi um fiasco de crítica e vendas — o que culminou na demissão da EMI.

A combinação triplamente perigosa entre drogas, álcool e depressão profunda começou a afetar Ingo durante a turnê de divulgação do disco. O comportamento do baterista era descrito como estranho pelos companheiros de banda. O guitarrista Michael Weikath relembra.

“Começamos a perceber que algo estava errado com ele quando estávamos em turnê, com toda aquela pressão na estrada. Ingo tinha um comportamento estranho […] ele fez coisas estranhas e notamos algo seriamente errado com ele”

A banda, porém, resolveu dar uma chance para Ingo — afinal de contas ele estava lá desde o começo — e a turnê prosseguiu. Mas em Hiroshima, no Japão, o situação do baterista ganhou contornos dramáticos. Durante a apresentação, Ingo simplesmente desabou no palco e foi prontamente encaminhado para um hospital.

ESQUIZOFRENIA E DEMISSÃO DO HELLOWEEN

Helloween com o baterista Richie Abdel Nabi

Os exames e terapias realizados após o incidente no Japão apontaram que Ingo sofria de esquizofrenia hereditária, “uma doença psiquiátrica caracterizada por alterações no funcionamento da mente que provoca distúrbios do pensamento e das emoções, mudanças no comportamento e perda da noção da realidade e do juízo crítico”.

O choque dentro do Helloween foi evidente e Ingo passou a ser um problema para a banda. Afinal, o que fazer com ele? Intermináveis reuniões foram realizadas para solucionar essa equação. E como o show não poderia parar, o baterista Richie Abdel Nabi foi chamado para que a banda pudesse ao menos encerrar a turnê de divulgação do disco. Tal fato piorou ainda mais a situação clínica de Ingo.

>> Assista ao Helloween com o baterista Abdel Nabi

Enquanto o baterista estava sob cuidados médicos para cuidar do seu vício e da esquizofrenia, a banda concluiu que ele deveria ser afastado até que pudesse retomar suas atividades como baterista do Helloween. Coube a Weikath, em um telefonema que durou seis horas, dar a notícia ao amigo.

“Ele estava destruindo seu próprio cérebro e ele não percebeu! […] O problema era que ele não sabia quantas danos que ele estava fazendo. Como poderíamos deixá-lo passar pelo estresse de um novo álbum e uma nova turnê?”

O fato é que Ingo jamais aceitou ter sido demitido — ou afastado temporariamente — da banda que ele ajudou a criar e levou ao estrelato. O baterista abandonou o tratamento, deixou de tomar seus remédios regularmente e, sempre que questionado, dizia não acreditar mais nos médicos que cuidavam ele.

MORTE

Lápide de Ingo no cemitério de Hamburgo

No fim de 1993 o vocalista Michael Kiske também deixou o Helloween. Para o seu posto, a banda recrutou Andi Deris — e para o posto de baterista Uli Kusch foi chamado. Enquanto o quinteto juntava os cacos e buscava o recomeço com o disco Masters Of The Rings (1994), Ingo vivia seus últimos momentos de vida.

Transtornado pela doença, Ingo se internou por conta própria em uma clínica de reabilitação buscando livrar-se dos vícios em álcool e drogas, mas a situação era irreversível. Assim, na manhã do dia 8 de março de 1995, Ingo Schwichtenberg foi até a estação de trem de Friedrichsberg, em Hamburgo, e atirou-se na frente de um trem pondo fim à sua vida às vésperas de completar 30 anos de idade. Mr. Smile nunca mais sorriu.

HOMENAGENS

  • O guitarrista e vocalista Kai Hansen diz lamentar não ter convidado o amigo para ingressar no Gamma Ray. Em 1995, a banda gravou uma música chamada Afterlife dedicada a Ingo;
  • O vocalista Michael Kiske dedicou duas músicas do seu disco solo intitulado Instant Clarity para Ingo: Always e Do I Remember A Life. Além disso, o cantor diz rezar a Deus “pedindo perdão ao erro do Sr. Sorriso”;
  • Em 1996 o Helloween lançou o disco The Time Of The Oath e o dedicou ao amigo e ex-baterista;
  • Em recente turnê que reuniu Michael Kiske e Kai Hansen novamente ao Helloween, a banda dedicou um trecho do show onde o atual baterista Dani Löble executa um solo enquanto o telão exibe imagens de Ingo.

EQUIPAMENTO

Ingo ficou imortalizado no banquinho da sua Sonor Signature Heavy durante seu período no Helloween — a primeira bateria do alemão foi uma Yamaha. O equipamento era formado por dois bumbos, quatro tons, um surdo e pratos da marca Paiste. A única diferença entre os equipamentos eram as cores: Ingo variou entre grafite, branca e dourada. No entanto, Ingo fez a adição de mais alguns tons em seus últimos momentos na banda.

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