Precisamos falar sobre o Helloween
Em meio a todo frisson causado pela Pumpkins United World Tour — turnê que está reunindo novamente em um mesmo palco os lendários Michael Kiske, Kai Hansen, Michael Weikath e Markus Großkopf — , estou há meses escutando tudo que foi lançado pelo Helloween da década de 1980 até hoje, lendo sobre a mesma, assistindo entrevistas e consumindo todo tipo de material possível. E a conclusão que fica é: a banda poderia ser muito maior do que é.
Muitos acreditam que o Helloween nasceu em 1987 com o lançamento do Keepers Of The Seven Keys Pt.1 já com Kiske nos vocais. Entretanto, para entender a história da banda, precisamos voltar lá para o fim da década de 1970, mais precisamente em 1978. Sob o comando de Hansen (guitarra/voz) e contando já com Großkopf (baixo) e o falecido Ingo Schwichtenberg (bateria), os alemães montaram o embrião daquilo que moldaria uma nova forma de tocar Heavy Metal. Após apresentarem-se como Gentry e Second Hell, a banda finalmente adotou o nome Helloween (junção das palavras Hell e Halloween) em 1984. Foi nessa mesma época que o guitarrista Michael Weikath se juntou ao time.
Nesse mesmo ano o Helloween mostra sua cara na coletânea Death Metal. Ao lado de nomes como Hellhammer, Running Wild e Dark Avenger, a banda gravou duas canções para o disco: a obscura e esquecida ‘Oernst Of Life’ (ouça aqui) e ‘Metal Invaders’. A repercussão foi tão positiva que em 1985 os alemães puseram no mercado o primeiro EP autointitulado e logo em seguida lançaram o primeiro full-length chamado Walls Of Jericho (que posteriormente foi relançado em um único material junto com o EP e o single ‘Judas’). O som era um vigoroso Speed Metal cheio de melodia, agudos poderosos e a bateria de Ingo parecendo um tanque de guerra.
Kai Hansen sentiu o peso de cantar e tocar guitarra ao mesmo tempo e resolveu abandonar o microfone. E foi a partir dessa decisão que o Helloween se tornou uma das melhores bandas da década de 1980. Oriundo da banda I’ll Prophecy e com apenas 18 anos, o vocalista Michael Kiske juntou-se ao quarteto para, com seus novos companheiros, moldar um novo estilo dentro do Heavy Metal. Se fazendo valer de toda potência do novo cantor (Kiske é um tenor e possui quase 4 oitavas de alcance vocal, conseguindo atingir notas extremamente altas (B♭5) e notas baixas (E2) com a simplicidade de quem troca de roupa) o Helloween inaugurou o chamado Power Metal (ou simplesmente Metal Melódico para alguns) com o lançamento dos clássicos Keerpers Of The Seven Keys Pt. 1 e 2 em 1987 e 1988 respectivamente.
A turnê de divulgação dos discos foi um tremendo sucesso em toda Europa, abriu caminho para o Helloween no cobiçado mercado japonês e colocou a banda nos Estados Unidos. Os alemães foram open act do Iron Maiden em 1988 enquanto a Donzela excursionava apresentando seu aclamado Seventh Son Of A Seventh Son. É o tipo de evento que quem viu, viu. Algo que jamais irá se repetir. Em 1989, o mundo pode conhecer todo o poder da banda ao vivo com o lançamento do Live In The U.K, gravado em Edimburgo, na Escócia. Com uma cover art maravilhosa, o único pecado do disco é não ter sido lançado em formato completo.
O Helloween fincava sua bandeira como novo expoente do Metal, mas os acontecimentos que se deram a partir da década de 1990 interromperam a crescente da banda. Ainda em 1989, Kai Hansen resolve pular para fora do barco e em seu lugar entrou Roland Grapow, ex-Rampage. Com a nova formação, o Helloween lança o bom Pink Bubbles Go Ape, em 1991, com produção do renomado Chris Tsangarides. A queda de qualidade na música ficou muito evidente, já que Hansen — ao lado de Weikath — era o principal compositor da banda. Por outro lado, Kiske colocou suas manguinhas de fora dando uma cara pop ao som dos alemães.
O fim da chamada “era mágica” — que começou em 1989 com a saída de Kai — deu a partir de 1993 com o lançamento do disco Chameleon, que apresentou uma musicalidade totalmente diferente daquilo que caracterizou a banda, com novamente Michael Kiske à frente de todo conceito artístico por trás do álbum. A “inovação” no novo disco contou com a adição de instrumentos como trompa, sintetizador, órgão e violino.
É fato que Kiske nunca foi um grande fã de Metal. Conta-se que ao receber uma cópia do Walls Of Jericho assim que entrou na banda, o mesmo teria dito que o disco era chato e parecia que todas as músicas se repetiam. Então, com a saída de Kai, o vocalista pôde direcionar o Helloween para o estilo mais pop que lhe agradava.
O clima nos bastidores não era dos melhores. As brigas entre Kiske e Weikath eram constantes, minando todo o ambiente “happy, happy Helloween” que rondava a banda. Além disso, Ingo começou a sofrer de esquizofrenia e depressão, doenças estas que o levaram ao excesso no consumo de álcool e drogas. Por esses motivos, Ingo foi afastado da banda para que pudesse se tratar. Ao fim da turnê, porém, Kiske e Ingo foram demitidos do Helloween. O fiasco comercial de Chameleon também causou a demissão dos alemães da gigante gravadora EMI — com quem a banda havia assinado há poucos anos antes.
Kiske seguiu em carreira solo, lançando discos medianos e dando entrevistas detonando a cena Heavy Metal. Ingo, porém, se rendeu aos problemas de saúde e pôs fim a própria vida ao cometer suicídio jogando-se na frente de um trem em Hamburgo, em maio de 1995, aos 29 anos de idade.
E assim volto para a conclusão dita no primeiro paragrafo. O Helloween tinha tudo para se tornar um gigante dentro do Heavy Metal. É óbvio que a banda tem sua grandeza, mas se formos analisar o cenário… Na década de 1990, o Iron Maiden passava também pelo seu maior baque: o vocalista Bruce Dickinson deixou a Donzela em 1993. Muitos apontam que, se tivesse mantido a áurea do fim dos anos 1980, o Helloween tinha tudo para ocupar o vácuo deixado pelo Maiden (ah, mas e o Metallica com o Black Album? O Metallica é outra história). Mas, como vimos, uma sucessão de desastres frearam todo esse movimento: brigas internas, diferenças musicais, doença de Ingo e fim da parceria com uma gravadora — vale ressaltar que era a mesma do Iron Maiden- que poderia colocá-los no topo.
O Helloween voltou a ativa em 1994 com o vocalista Andi Deris, o baterista Uli Kusch e o disco Master Of The Rings. A carreira da banda seguiu com os lançamentos The Time Of The Oath (dedicado ao ex-baterista Ingo e conta com o hit dessa nova era: Power), High Live, Better Than Raw, Metal Jukebox, The Dark Ride (este álbum foi o último com Grapow e Kusch, que foram demitidos), Rabbit Don’t Come Easy (que contou com a ilustre participação de Mikkey Dee na bateria), Keeper Of The Seven Keys — The Legacy (que causou revolta nos fãs mais xiitas pois em nada lembrava os dois primeiros Keepers), Live In São Paulo, Gambling With The Devil, Unarmed, 7 Sinners, Straight Out Of Hell e My God-Given Right.
Independente de ser gigante ou não, o Helloween é pai de 100% das bandas nascidas nos anos 1990 calcadas no chamado Metal Melódico. Michael Kiske é citado e copiado até hoje por vários vocalistas dentro do estilo. As guitarras de Hansen e Weikath viraram referência. Além da cozinha de Großkopf e Schwichtenberg, que deu base para todo o estilo.
CURIOSIDADE: Quem milita no ramo do Heavy Metal com certeza conhece o hino How Many Tears eternizado nas vozes de Kai Hansen (Walls Of Jericho — 1986) e Michael Kiske (Live In The U.K — 1989). Nestas duas gravações, a banda apresentou a música num vigoroso Speed Metal com guitarras fritando, bumbo duplo na velocidade da luz e agudos intermináveis. Porém, vagando pelo YouTube, encontrei esta pérola de 1983: a primeira versão de How Many Tears, que naquela época chamava-se Sea Of Fears. Diferente das que saíram nos discos do Helloween, esta versão, que é creditada à S.A.S — banda de colégio do guitarrista e autor da canção Michael Weikath -, me remeteu às bandas de Progressivo dos anos 1970 — como o Renaissance, por exemplo — e é tão LINDA quanto sua versão final. Assim como os colegas de microfone que deixaram suas marcas na música, o cantor Arpad Thuroczy não fez por menos. Por fim: Michael Weikath, você é um gênio!