Uma conversa com Tim Vickery

Diego Cataldo
16 min readFeb 9, 2018

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(Foto: EDUARDO MARTINO)

Nunca imaginei que para conhecer mais um pouco sobre o jornalista inglês Tim Vickery eu mesmo teria que entrevistá-lo. Em outubro do ano passado, graças a um trabalho acadêmico, tive essa oportunidade. Essa seria minha primeira entrevista — houve há alguns anos a tentativa de entrevistar o próprio Tim, mas, com medo, desisti de ligar para o seu moderno celular — e fui iniciar os trabalhos logo com um cara de admiro muito. A primeira vez que ouvi falar em Tim Vickery foi durante uma partida de futebol na rádio 107FM aqui do Rio de Janeiro. Ao lado do meu colega Marcelo Barros, narrador dos canais Esporte Interativo e principal narrador daquela rádio à época, Tim teceu breves comentários sobre a partida que acontecera naquele dia. E desde então passei a acompanhar o trabalho feito pelo inglês fosse ele no rádio, em sua coluna no site da BBC ou na TV.

O primeiro contato com Tim para solicitar a entrevista se deu pelo Twitter. Muito discreto, é difícil encontrar Tim Vickery por outros meios. Tweet mandado e a resposta que chegou foi simples, mas animadora. “É claro”, ele disse. Perguntei se havia outra forma de contato com ele que não fosse aberto pela timeline do Twitter e ele me passou seu e-mail. Novo contato feito. Solícito, Tim já queria marcar a entrevista para o dia seguinte. Entrei em desespero, claro. Nem “””pauta””” eu tinha. No fim, o encontro para a entrevista foi marcado para a semana seguinte, uma terça-feira 3 de outubro.

Caia uma chuva chatinha no Rio naquele dia. Com um frio na barriga, cheguei ao ponto de duvidar da ida de Tim por conta da chuva. Idiotice, né? O cara é inglês e vai ter medo de chuva? Saí com minha namorada da faculdade em Botafogo e fomos caminhando até o Largo do Machado. Tim marcou a entrevista para as 13h e, como um bom britânico, lá estava ele nos esperando na saída principal do metrô pontualmente às 13h elegantemente bem vestido como estamos habituados a vê-lo na TV. “Vamos ali tomar um café. Vou tomar o café da manhã”, disse Vickery apontando para uma galeria do outro lado da rua. “Desculpe a hora, mas é diferente mesmo…”, completou o inglês fazendo referência ao horário. Descobrimos com o decorrer do bate papo que Tim não gosta de acordar cedo.

Antes da entrevista começar, Tim cumprimentou algumas pessoas e pediu o seu café. Enquanto o gravador era preparado e minha pauta ainda não estava em mãos, o inglês revelou-se não ser muito fã de se expor mesmo entendendo que seu trabalho lhe dava essa exposição (esse fala foi repetida quando o jornalista falou sobre seu trabalho na TV). Todos acomodados, gravador ligado e a entrevista começa com direito a um gaguejo meu logo de cara. Em pouco mais de 30 minutos, Tim Vickery falou sobre sua formação, suas primeiras experiências profissionais, contou como chegou ao Brasil e como é viver aqui, falou das suas influências e o futuro da profissão, além, claro, do seu time de coração: o Tottenham Hotspur.

Eu saí da faculdade em 1987 [Tim formou-se na University of Warwick ]. Eu não fiz faculdade de jornalismo. Naquela época não existia faculdade de jornalismo. Nunca houve obrigação [de ter diploma] como teve aqui. Me formei em História e Política que eu acho que de uma certa forma pode ser melhor [que jornalismo]. Sei de um jornalista muito famoso na Inglaterra que sempre que perguntam para ele qual o caminho, ele sempre fala: ‘Não faz faculdade de jornalismo. Faz algo como Letras ou História… alguma coisa que vai treinar a escrita. Porque se você vai trabalhar em rádio, jornal, site ou televisão, você sempre vai precisar ter o poder de escrever. O texto é a base. E se precisar de uma coisa specializada para a televisão, faz uma pós-graduação’. Eu concordo com isso. Primeiro porque isso [jornalismo] é uma coisa que você aprende fazendo. Segundo porque é muito tempo e muitos gastos que vocês têm para se formar specialmente para uma indústria que é muito incerta. Sempre pergunto para jornalistas esportivos daqui e que tenham mais ou menos a minha idade se eles incentivariam seus filhos a serem jornalistas e a resposta é sempre não

Depois desse susto nos estudantes de jornalismo, Tim relembrou seu começo de carreira na Terra da Rainha como criador e redator de uma revista de humor junto com amigos da faculdade.

A primeira coisa que eu fiz junto com alguns amigos foi lançar uma revista. Era basicamente de humor e nós fizemos de tudo. Fomos para o bar nos divertir escrevendo, depois pegamos emprestado durante alguns dias uma coisa muito avançada na época chamada computador pra digitar e levar para imprimir. Depois viajamos pelo país de porta em porta nas faculdades para vender [a revista]. O modelo era estúpido… a gente faliu rapidinho. Foi uma grande experiência, mas a gente faliu rapidinho

A experiência com a falida revista teve sua importância. O trabalho de Tim foi reconhecido e seu primeiro contato com a TV veio em sequência.

Tive o convite de um humorista famoso lá para escrever para o seu programa de TV. Eu fui pra lá e parecia um jogador de quinta categoria sendo promovido para a primeira divisão. E vi que eu era uma merda. Como humorista era uma merda. Tem alguma coisa mais inútil que humorista que não é engraçado? Percebi que assim não dava… fiquei muito perdido

Então chegou o convite para trabalhar num teatro no centro de Londres. Eu não sabia nada sobre o teatro, mas acabou sendo minha segunda faculdade. O centro de Londres é uma área totalmente cosmopolita, tem gente de toda a parte do mundo. E nessa época eu mal tinha saído do país, então essa ‘segunda faculdade’ me globalizou um pouco mais

E foi graças a essa experiência trabalhando no teatro que Tim descobriu o Brasil e resolveu se aventurar nessa terra desconhecida.

Por acaso, no bar do teatro, tinha muitos brasileiros trabalhando lá. Aí eu descobri o Brasil e pensei: ‘A gente não sabe nada do Brasil. Vou lá. Talvez eu tenha uma oportunidade’. Então, em 1993, eu vim pra cá e passei três semanas. Tinha uma coisa na época chamada hiperinflação, que era ruim para os brasileiros, mas para mim era muito bom. Eu ficava mais rico todo dia! Minha moeda era forte… então eu pensei: ‘Caralho, eu vou morar aqui! Vou morar aqui como um rei!’”.

(Foto: ANDREZA GONÇALVES)

Maravilhado com o novo mundo, o inglês voltou em definitivo para o Brasil logo após a Copa de 1994. Mas aí a cenário econômico era outro…

Cheguei no Brasil duas semanas após a implementação do real. O real na época valia mais que o dólar, então eu me fodi totalmente. Eu não conhecia ninguém aqui, não tinha emprego, não tinha nada. Então tive que dar aula de inglês para sobreviver. Mas sempre estava escrevendo alguma coisa aqui ou ali procurando uma maneira de voltar para onde eu queria

A guinada na carreira de Tim Vickery no Brasil começou após o contrato entre Nike e CBF. A empresa americana tinha como objetivo — além, claro, de vender seus produtos — massificar ainda mais o futebol.

A seleção brasileira aparecia para nós lá [na Inglaterra] de quatro em quatro anos. A gente não sabia nada. Antes da Copa de 1994 o público inglês não sabia quem era o Romário. Mas naquela época era diferente. Naquela época a graça da Copa era você descobrir os caras. Hoje você já conhece todo mundo. Então, a Nike fez o dever de casa. Primeiro tentou com o basquete, mas logo descobriu que o esporte global era o futebol e chegou à conclusão que o Brasil era o segundo time de todo mundo. Com isso, juntou-se à seleção com o objetivo de vender camisas lá fora. E com um marketing muito forte a coisa andou”.

Na caminhada rumo à Copa de 1998 o interesse pela seleção brasileira foi lá no alto e eu estava aqui para aproveitar disso. Eu surfei naquela onda

Foi então que, em 1997, com a ajudinha da Nike e da CBF, as portas do jornalismo esportivo definitivamente se abriram para Vickery.

O ano chave para mim foi 1997. Entrei na revista World Soccer, onde estou até hoje, e fiz um programa de televisão para BBC, que me abriu os caminhos para chegar na rádio da BBC onde também estou até hoje. Esse foi o momento onde a porta abriu e deu para entrar no castelo”.

Questionei se esse sempre foi o seu projeto aqui para o Brasil, e Tim confirmou sem titubear.

Sim, esse sempre foi o projeto. Eu tinha 29 anos e era totalmente irresponsável. Eu não sabia de nada, mas queria correr o risco. A grande vantagem de chegar aqui novo foi que eu pensei: ‘Bem, eu tenho tempo. Se não der certo eu posso voltar, não tem problema. Tranquilo’. Dava pra fracassar. Hoje em dia com família para sustentar (Tim é casado com uma brasileira e tem duas enteadas) não dá pra fracassar mais, mas naquela época era o momento de correr risco mesmo

O projeto, sim, era trabalhar com jornalismo, coisa que eu já fazia mas de uma forma muito limitada quando eu cheguei. Tinha um jornal em Londres que aceitava meus humildes textos, mas como profissão mesmo, sem precisar mais dar aula de inglês, foi a partir de 1997

Passado todo o perrengue inicial, era hora de Tim começar a colher os frutos do seu trabalho. E o reconhecimento como jornalista esportivo veio em 1998 com a Copa do Mundo na França. Sim, aquela Copa.

Eu fiz meu nome mesmo na Copa de 1998. A expectativa que a Nike tinha criado sobre a seleção brasileira era de um super time imbatível. E eu desde início não apostava no Brasil. ‘Ó, você vai perder dinheiro se apostar no Brasil’. Então quando aconteceu aquele 3 a 0 na final contra a França… AHA! Então isso me estabeleceu. Eu vivo disso desde então

Com quase 25 anos de Brasil, Tim Vickery formou família e se diz inteiramente adaptado ao país, mas reforça a necessidade de todo ano ir a Londres como uma questão psicológica.

(Foto: ANDREZA GONÇALVES)

Em linhas gerais, eu sempre vou para Londres todo ano. É uma necessidade psicológica. Eu, às vezes, tenho que fugir do Brasil. Às vezes as pessoas têm a impressão que o estrangeiro vive aqui numa espécie de Gringolândia. Minha mulher fala um pouco de inglês, minhas enteadas não falam nada de inglês…

Muitos estrangeiros vêm pra cá e vivem com uma parceira estrangeira ou uma parceira de classe média, classe média alta, e essas pessoas de classe média não conhecem o Brasil. Eles não vivem no Brasil. Eles vivem num mundo a parte

Tim lembrou da sua vida na Inglaterra durante a juventude para mostrar que entende e conhece o verdadeiro Brasil.

“Eu sou garoto de um conjunto habitacional. Eu nasci numa época que o Estado deu casa barata, saúde e educação de graça… a faculdade nem era de graça. O Estado me bancou”

Voltando para sua vida profissional, Tim contou que tudo que aprendeu sobre jornalismo foi na marra, além de fazer um panorama sobre a profissão e apontar aquilo que julga como um diferencial para se manter no meio.

Tudo o que eu aprendi foi fazendo e fazendo muito mais. Nunca tinha feito rádio. Minha única experiência era escrevendo. Tudo que aprendi sobre rádio e televisão foi na marra

Os tempos são muito difíceis… a minha visão é a seguinte: o ser humano é viciado em história. A nossa profissão sempre vai existir. Quando você vê a TV Globo mandando as pessoas embora… caralho… a TV Globo tá mandando gente embora… porra… você pensa num desespero total sobre o futuro do jornalismo. Quando eu cheguei aqui, há 20 anos, a redação do jornal ainda era o carro-chefe da coisa. Conversando com amigos, eles contam como as coisas eram diferente há cinco anos. As coisas mudam e mudam, com novas forma de abordar o leitor e etc

Uma coisa que eu não domino nada e que me chamam de índio em casa, são as tecnologias novas. Eu não sei nada disso, sou um analfabeto total. Mas, obviamente, uma familiaridade com isso, e conhecendo as maneiras como as gerações atuais usam isso, é uma vantagem. Mas isso também é temporário. Daqui a pouco será diferente

“Mas tem outros fundamentos. E eu volto para aquela parte de contar história. Eu acho que sempre terá espaço para quem é capaz de contar uma história bem, da tua maneira, de uma maneira que só você pode escrever”

O exemplo que dou para isso, como jornalista de futebol, é algo fundamental: ir e voltar do jogo no transporte público. O jogo, na experiência do torcedor, não começa quando o juiz apita. Começa quando ele sai de casa. Tudo o que acontece a partir do momento que ele sai de casa até quando ele volta faz parte da experiência do jogo. Quando você está lá na tribuna [de imprensa] do estádio, você está distante da experiência do torcedor. Ir e voltar no transporte público com o torcedor eu acho fundamental

Para ilustrar sua fala, Tim relembrou um momento interessante ocorrido no trem na volta para casa após uma partida do Flamengo no estádio Nilton Santos.

Lembro de uma vez quando o Maracanã estava fechado e o Flamengo estava jogando no Engenhão… isso foi pouco depois do goleiro Bruno ser preso. O goleiro que o substitui, Marcelo Lomba, estava falhando muito. Então, no trem que fazia o trajeto Central-Engenhão, bem lotado, a galera estava gritando ‘Solta o Bruno! Prende o Lomba!’ (Tim bateu na mesa simulando um instrumento e imitou o coro dos torcedores). É maravilhoso! É fantástico! O gosto é duvidoso, mas é engraçado e muito marcante. Isso te dá um relato muito forte sobre a pressão que a torcida brasileira coloca em cima dos seus jogadores

Logo depois teve a Copa do Mundo com o Brasil jogando em casa e toda a pressão que a seleção ia sentir… aquela história do trem serve como primeiro parágrafo pra toda pressão que o Brasil iria sentir. Mas só eu poderia contar aquela história porque eu estava lá. Saber contar história vai ser importante

Antigamente tinha aquela coisa do furo. Eu acho que hoje em dia tem menos isso, até porque os recursos para fazer esse tipo de jornalismo estão cada vez mais escassos. Olha o que o Sportv faz. O Sportv tem muito dinheiro, mas basicamente a programação lá é ao vivo e opinião, ao vivo e opinião. O que tem muito pouco é reportagem. Imagina num veículo sem recursos. A busca pelo furo virou menos importante. Por conta das mídias sociais o furo vem assim (Tim estala os dedos). Quem pode contar uma história ou uma narrativa que coloque esse furo num contexto eu acho isso fundamental seja para imprensa escrita, rádio ou televisão. A capacidade de pensar para si, sem ser muito forçado, de ter uma identidade própria, eu acho que o caminho é por aí

Pergunto a Tim se alguma vez ele pensou em abandonar a carreira de jornalista. Sem nenhuma surpresa, o inglês diz que não e dá um motivo: ser inútil.

Nunca pensei em abandonar a carreira. Esse era o projeto. E eu sou muito inútil. Eu não sei fazer outra coisa. Parece que eu só sei fazer isso!

Comento com Tim sobre uma crônica escrita por ele no site da BBC onde ele relata um assalto na Avenida Brasil saindo de um jogo do Vasco. Pergunto então se a violência o fez pensar em desistir de morar no Brasil.

Isso foi em 2000. Já tinha seis anos que eu estava aqui e não pensei em voltar para a Inglaterra depois disso. Hoje, porém, eu penso um pouco mais sobre. Mas não por enquanto. A gente nunca sabe, mas eu me imagino aqui por mais uns 10 anos

Há dois meses eu fui para Londres e passei uma noite em Portugal na volta. Cheguei em Portugal tipo onze horas da noite. Agora tem metrô saindo do aeroporto. Peguei o metrô e fui pro centro meia-noite. Não sabia exatamente aonde era meu hotel, cheguei no centro de Lisboa meia-noite, sem problema nenhum numa cidade que não conheço bem. E depois eu pensei: ‘olha pra onde eu tô indo…’ [referindo-se ao Brasil]”

A diferença desse acontecimento [assalto em 2000] é que eu tinha mais esperança no Brasil naquela época. E isso só tá me batendo nos últimos seis meses pensando: ‘Caralho, eu não sei o que vai acontecer nesse país’. Eu tô sentindo que as pessoas estão perdendo a esperança. Eu tô vendo só por aqui [Largo do Machado] cada vez mais pessoas morando na rua. São pessoas que não conseguem pagar aluguel e eu entendo isso. Eu não sei como o mercado de trabalho vai absorver essas pessoas. Eu não vejo desejo nenhum de absorverem essas pessoas. Eu vejo um desejo de isolarem essas pessoas. O meu sentimento com o futuro do país é muito mais negativo. Há um ano a crise já estava aqui. Eu tava pensando ‘ah, o país é muito melhor do que quando cheguei, tem muitas oportunidades e tal’, mas agora eu penso numa maneira mais negativa”

(Foto: ARQUIVO PESSOAL/TWITTER)

Mas o meu trabalho é aqui. O que eu faço tá aqui. E preciso fazer [trabalhar]. Não tenho previdência, não tenho nada disso. Apesar desse clima negativo eu tô feliz aqui. Por enquanto eu tô bem, mas pela primeira vez eu tô pensando… Na verdade, a longo prazo, eu sempre pensei. Por que lá [Inglaterra] ainda tem saúde de graça. A minha mãe sofreu um derrame esse ano e o tratamento foi maravilhoso, e de graça. Aqui o plano de saúde é sacanagem. É um guarda-chuva. Dá quando tem sol e tira quando tem chuva. É desumano. Eu tô com 52 anos, então daqui a 10 anos vou ter minhas fragilidades… então sim. Eu penso que um dia eu terei que voltar, mas por enquanto não. Vocês ainda terão que me aturar

A carreira jornalística de Tim volta a pauta. O inglês revelou duas de suas maiores influências na área listando o porquê de achá-los importantes para quem quer seguir no jornalismo.

Tive duas influências que você não vai conhecer. Um é Brian Glanville, um jornalista inglês que desde sempre colocou o futebol numa perspectiva global. O outro é um escocês chamado Hugh Mcllvanney, que é um mestre no sentido de colocar o esporte num contexto social, que pra mim é tudo. No futebol você tem que saber quem está sendo representado. Isso é a força do futebol. Então, aquela coisa de colocar o esporte num contexto social com valores humanista como o Mcllvanney faz foi muito importante para mim. Eu tenho uma coleção das coisas que ele escreveu sobre futebol. E quando eu estava começando, eu li e reli o livro ‘Mcllvanney no Futebol’ como uma guia de como você pode abordar o futebol

“Hoje em dia tem muito jornalista que eu respeito. Eu procuro, talvez isso seja preguiça, mas eu procuro ficar no meu canto para ter minha própria visão das coisas. Eu quero construir minha identidade. Eu presto atenção, mas não presto muita atenção. Não falo de uma maneira geral, mas acho mais importante ter ideias do que ter heróis. Os heróis vão te decepcionar de uma maneira ou outra”

Trabalhando em vários veículos e tratando de diversos assuntos — Tim não fala somente de futebol — o inglês se definiu como um “velho prostituto” por conta da lista extensa de locais onde presta serviço.

Trabalho em um monte de lugar. Eu sou um velho prostituto. A lista é extensa. BBC, World Soccer, site ESPN onde escrevo dois ou três artigos pra eles por semanalmente, uma outra rádio chamada Talk Sport, um site de apostas onde faço um artigo semanalmente para eles, tem alguns esporádicos, tem um canal de TV na França onde faço reportagem sobre política… tem muitos. Tem aqueles que vem e vão. Naqueles que eu trabalho como freelancer isso é normal. Acabei de perder um cliente na Austrália porque eles não veem relevância mais na América do Sul. Trabalhei com eles por 15 anos, mas isso é normal. Vem e vai

Perguntei para Tim como é fazer TV aqui no Brasil e, para minha surpresa, descubro que a legislação brasileira não permite que um jornalista estrangeiro receba de uma fonte brasileira. Vickery falou da sua participação no Redação Sportv.

Eu não planejo o Redação. O [André] Rizek planeja o Redação com sua equipe. Eu e os outros convidados chegamos ali sem saber o que vai acontecer. O programa é de manhã num horário que eu não gosto. Eu não sei quais assuntos serão debatidos, só fico sabendo na hora. Eu tô operando numa segunda língua. É uma grande experiência. Eu faço de graça. Eu não posso receber para fazer isso… visto de jornalista. O Brasil é foda às vezes. Eu tenho visto de jornalista e isso quer dizer que não posso receber de fontes brasileiras. Então eu faço porque eu quero, não preciso fazer. É uma grande experiência. Me dá uma visibilidade que me deixa um pouco desconfortável às vezes, specialmente quando coisas assim [Tim se refere ao dia em que rasgou um jornal na bancada do programa irritado com uma declaração do atacante Wellington Paulista] acontecem porque eu não quero virar notícia. Não quero de jeito nenhum. Não gosto disso

(Foto: REPRODUÇÃO/SPORTV)

Chegava o momento de me despedir de Tim e evidentemente eu não deixaria escapar a oportunidade de ouvi-lo falar sobre o seu time, o Tottenham Hotspur. E o jornalista falou com o coração.

“Eu tô feliz. Título não imagino. É uma temporada difícil. Enquanto o estádio novo está sendo construído, o time está jogando em Wembley onde não gosta muito de jogar. A minha concepção de futebol tem muito menos a ver com títulos. Eu quero me sentir representado. Só. Enquanto o clube tem uma tradição de jogar de uma maneira vistosa, ele tem uma tradição de fracassos gloriosos. E eu gosto de fracassos gloriosos”

Com o gravador desligado, cumprimentos e agradecimentos feitos, Tim ainda falou mais um pouco em off. Perguntei, então, se ele teria algum compromisso profissional naquela tarde.

Não, não tenho. Hoje eu tô de boa. Vou encontrar minha esposa daqui a pouco e cortar o cabelo”.

E assim seguimos para o metrô. Tim Vickery foi para a Linha 1 rumo a Ipanema, onde sua esposa tem um salão de beleza, e eu peguei a Linha 2, rumo à Baixada Fluminense.

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