Tipografia e Lettering em séries de TV

O que tem de interessante por aí além de Stranger Things

Diego Maldonado
Coletividad
Published in
7 min readAug 2, 2016

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Abertura de Stranger Things (2016—) com aITC Benguiat, por Ed Benguiat, 1977 e ITC Avant Garde Gothic, por Herb Lubalin & Tom Carnase, 1970 como aponta Miguel Sanz no Fonts in Use

¶ Tenho assistido muito mais séries do que filmes já há algum tempo, inclusive cada vez mais acho que os filmes em geral ficam rasos por ter menos tempo para desenvolvimento dos personagens. Mas não é sobre isso que escrevo aqui, com o lançamento de Stranger Things, a comunidade tipográfica está glorificando (com razão) a sequência de abertura 100% com tipografias, porém há várias outras coisas interessantes no mundo das séries, seja por bem ou por mal e é sobre isso que vou comentar. A ideia é mais chamar atenção para algumas aberturas do que fazer profundas análises. ■

Enquanto isso, nos anos 60…

Reprodução das cenas de abertura da série Batman, 1966–1968 — IMDB

¶ A série do Batman protagonizada por Adam West ficou famosa por suas onomatopéias que pulavam na tela como nas HQs, você pode ler o artigo do Yves Peters no Font Feed (em inglês) sobre elas. Mas quero mostrar aqui o lettering da abertura, baseado nos quadrinhos, possui um peso meio torto, contrastes irregulares e uma beleza não tão tradicional. Em 2012 foi criada uma tipografia que bebeu da mesma fonte, a Kane de Ryan Hughes (obrigado pela dica Kevin Thompson).

Abertura da série do Batman de 1969

Esta é a única série que vou comentar de antes da minha época, porém, graças às reprises da televisão brasileira, posso dizer que de fato assistia à ela na TV. ■

Nos anos 90…

Abertura original de The Nanny (1993–1999) — IMDB

¶ Uma série que me chamou muita atenção nos letterings de abertura foi The Nanny (1993–1999), não consegui encontrar o autor, mas acho muito bom o desenho das letras e a forma que elas se interagem, mesmo as cores utilizadas, nem sempre vemos tipos tão coloridos nas aberturas de séries.

Letterings na abertura da série The Nanny, 1993–1999 — IMDB

Curiosamente, a série foi regravada em vários países com atores locais e o estilo dos letterings foi respeitado. ■

Comparação das aberturas de The Nanny em diversos países

¶ Em Friends (1994–2004) tem algo curioso na minha opinião nos créditos finais, onde eles optaram por utilizar uma tipografia com forte influência da pena quadrada, a Lydian, do designer Warren Chappell, em 1938, como aponta Eli Heuer no blog Fonts in Use. Não entendo muito como ela se enquadra no contexto da série (e olha que essa eu já a assisti completa incontáveis vezes).

Capturas de tela do Netflix por Eli Heuer para o seu artigo “The One With Lydian: Friends End Credits” no blog Fonts in Use

Acho que até a Comic Sans faria mais sentido nesse caso (ó a polêmica), mas brincadeiras a parte, me intriga saber o motivo da escolha.

Abertura da primeira temporada de Friends (1994)

Na abertura são usados letterings como se fossem anotações usuais para o nome dos atores, harmônicos ao logo da série ■

Abertura de Arquivo-X (1993—)

The X Files - ou Arquivo X - (1993–2006 com nova temporada marcada para 2017), em sua icônica abertura, no logo foi utilizada a FF Trixie, de Erik van Blokland (1991) para o grande X e a Industria, de Neville Brody (1989) para o texto The X Files, como relata Stephen Coles no blog Fonts in Use. A FF Trixie é uma tipografia que simula as impressões feitas por máquina de escrever em alta resolução (fato curioso é que posteriormente, com a melhora para a tecnologia OpenType, Erik melhorou ainda mais a resolução da fonte e lançou a FF Trixie HD). Para os créditos dos atores foi utilizada a neutrona tradicional, Helvetica (1959), vale reportar o detalhe do kerning desativado — inclusive isso é algo que se vê frequentemente, eu acredito que os softwares de edição da época não liam tais informações da fonte. ■

Abertura original da série Freakazoid! (1995–1997)— IMDB

¶ Quando Freakazoid! (1995–1997) de Steven Spielberg apareceu na TV, era algo diferente (talvez parecido com a série animada contemporânea O Máscara, mas não era bem isso), um super-herói completamente pinéu, que tava lá só pela zueira e vivia bizarras aventuras, tinha uma abertura com letterings interessantes. Enquanto a trilha rolava, tinha um coro que dizia: Freakazoid! Freakazoid! E cada vez que eles falam o nome do personagem aparece de uma maneira diferente. ■

No primeiro quadro o alemão Sigmund Freud, diz Freakazoid! com uma caligrafia tradicional germânica, enquanto o Freakazoid responde com uma caligrafia aparentemente de uma criança sendo alfabetizada. No segundo quadro, Freakazoid aparece num estilo mais tradicional de super-heróis dos quadrinhos.
Acima, à esquerda, o personagem entra em cena no Freak-a-móvel destruindo aquele lettering tradicional. Por fim, a abertura termina com o Freakazoid saltando sobre o lettering-logo da série. Telas capturadas da abertura no YouTube
Abertura de That ’70s Show (1998–2006) com a maravilhosa versão da música Into the Street da banda Big Star

¶ Estranho fato em That ’70s Show (1998–2006) é que o logo utiliza uma tipografia de 1904, a Arnold Boecklin, do designer Otto Weisert. Tal fonte tem claras influências do movimento Art Noveau, que realmente teve uma volta nos anos 70, mas na minha opinião, um lettering mais psicodélico teria feito mais jus a série, ainda mais com a ambientação que levam os episódios e seus “círculos”. Para os créditos foi utilizada a Hobo, do Morris Fuller Benton (1910), sendo assim coerente com a escolha do logo. Essa é uma das minhas séries preferidas de todos os tempos, só a última temporada é meio fraca, [!!!!!!!!!!spoiler alert!!!!!!!!!!] quando o Kelso (Ashton Kutcher) e o Eric (Topher Grace) deixam o programa. ■

À esquerda podemos ver o logo, com a Arnold Boecklin (1904) e à direita a Hobo (1910) nos créditos.

Nos anos 2000…

Abertura de Dexter utilizando a DIN 1451 (1913)

Dexter (2006–2013) teve uma abertura premiada pelo Emmy em 2007 e de fato é maravilhosa, sem grandes revoluções tipográficas, mas ela é boa demais (assim como a série de forma geral), não quis deixar de fora. Eles usam a DIN 1451 (1913) feita por Ludwig Groller e Adolf Gropp, como mostra Stephen Coles no blog Fonts in Use. Bem utilizada e discreta ela funciona em sincronia com a trilha e os quadros. ■

Reprodução da sequência de abertura de Dexter, 2006–2013 — IMDB
Abertura de House M.D. (2004–2012)

House M.D. - ou Dr. House - (2004–2012) Foi uma série que gostei bastante de assistir. Na abertura há uma simples porém boa utilização do que eu achei que era a Futura, de Paul Renner (1927), mas o Henrique Beier me corrigiu após o post, é a Century Gothic, originalmente de 1990. O fato das letras estarem com um espaçamento alterado ajuda para a leitura da aplicação, mas ao mesmo tempo em alguns pontos causa um pequeno estranhamento, pois o kerning foi quebrado. ■

Capturas de tela na abertura da série

Nos Anos 2010…

Aberturas das cinco primeiras temporadas de American Horror Story

¶ Em American Horror Story (2011–) tem uma escolha interessante na tipografia para o logo e créditos durante a abertura. A Rennie Mackintosh, de George R. Grant (2013) baseada nas letras de Charles Rennie Mackintosh projetadas para a Glasgow School of Art. Inaugurada em 1909, a escola foi construída em Glasgow, Escócia. O vídeo acima mostra como as aberturas mudam de acordo com a temporada, mas a tipografia se mantém. Na quinta temporada, há uma interessante interpretação dela como se fosse em neon.

À esquerda os logos de diferentes temporadas de American Horror Story (2011–)
à direita acima temos uma foto da sinalização interna da Glasgow School of Art e abaixo a placa na fachada.

A Rennie Mackintosh de George R. Grant não é a primeira tipografia que se inspirou nas letras de Glasgow, a ITC Rennie Mackintosh, de Phill Grimshaw, já havia feito isso em 1996, apesar do mesmo nome e inspiração, elas não possuem uma relação em questão dos designers. ■

Abertura da 3ª temporada de The Walking Dead

¶ Em The Walking Dead (2010–) podemos ver o uso de uma tipografia mais recente, a Tungsten desenhada por Jonathan Hoefler & Tobias Frere-Jones em 2009. É uma família que possui uma boa gama de pesos e quatro larguras diferentes (todas condensadas), funciona muito bem para títulos de impacto, como a série se propõe a fazer. ■

E fecho este texto com um clássico e caprichado lettering de Merrie Melodies, série produzida entre 1931 e 1969 pela Warner Bros.

Cena em que terminava os desenhos animados de Merrie Melodies.

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Diego Maldonado
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Tipógrafo e type designer tentando aprender a escrever