O futebol do futuro
O futuro é uma coisa engraçada. É como o futebol: previsível e imprevisível. Ao ler este texto do André Andrade fiquei com vontade de dar os meus dois cêntimos para a ideia “o futebol do futuro”. Já não escrevo sobre esta bola há muito. Mas vamos lá.
Não interessa de onde venho nem para onde vou. Mas esta observação sobre o tema vai, naturalmente, beber nas minhas vivências enquanto jogador de futebol amador, adepto e observador do fenómeno. Para arrancar, não acredito muito na ideia do futebol moderno ou futebol do futuro. O futebol, até que lhe mudem as regras, será sempre… futebol. Isto é, 11 Vs 11; duas balizas; uma bola; e golos. A modernidade no jogo é natural. As regras também mudaram um bocadinho. E vão mudando. E vão mudar. O treino mudou. A alimentação mudou. O clima mudou. Tudo mudou. Porém, a verdadeira mudança não está a acontecer dentro dos campos. Está a acontecer fora dele. Está na forma como se fala do jogo. Como se partilham as ideias. Como se observa. Como, graças a um sem número de ferramentas, vídeos, imagens, etc, se consegue compreender o que acontece dentro do rectângulo.
O futebol sempre foi muito humano. Social. Com caos. Com acaso. E sempre mexeu com a psicologia das coisas. Se lhe tirarmos estas componentes, deixa de ser futebol. Deixa de ser um jogo. Deixa de ser apaixonante. Há mais de 15 anos fiz parte de uma equipa dos escalões de formação na zona de Coimbra, que entrava muitas vezes em campo num sistema de 3–4–3. Era tudo um bocado anormal nesta nossa forma de abordar o jogo. Para além do guarda-redes e do defesa mais ao centro, as posições pouco ou nada definiam. Relembro: isto era futebol amador, em terra batida, com garotos de 13, 14, 15 anos de idade. Eu jogava numa posição que não era nem 6, nem 8, nem 10. Eu recuperava bolas. Iniciava ataques na minha pequena-área. Aparecia nas linhas para cruzar. Na área para finalizar. Fora da área para finalizar. Em 11 jogadores, uns seis ou sete assumiam um papel semelhante ao meu. E nós, naquela altura, não tínhamos inventado nada. Éramos garotos. E só gostávamos mais de ter a bola nos nossos pés do que correr atrás dela. Simples. Não me venham é dizer que o futebol do futuro começou ali numa pequena aldeia de Coimbra. Ninguém acredita nisso.
Nós jogávamos com alegria. Tentávamos ser felizes. Aquilo só fazia sentido se nos divertíssemos. Dava gozo ter a posse de bola. Deve estar a fazer um mês que escutei o agora treinador principal do Benfica (Bruno Lage) a contar que perguntou aos jogadores que tipo de equipa queriam ser… Eu não estava lá para ouvir a resposta dos atletas, mas ao ver as últimas exibições do Benfica dá para compreender tudo. Eles querem ser felizes. Querem ter bola e não correr atrás dela. Querem recuperar a bola cedo. Querem estar mais perto da baliza adversária e mais longe das próprias redes. Querem defesas envolvidos no processo ofensivo. E avançados envolvidos no processo defensivo. E também não me parece que o futebol do futuro esteja em Lisboa. Quantas equipas, hoje, não tentam jogar dentro destes princípios? Muitas e ainda bem.
Na minha mente, o futebol do futuro só passa pelos caminhos da diversão e do entretenimento. Tem de provocar risos e sorrisos. E arrepios. Tem de valer a pena. Tem de ser humano e promover a comunhão de tribos. Há espaço para todos. Tem de haver caos. E acaso. Mas tem de ser engraçado. Calma. Calma. Um 0–0 também pode ser porreiro… Mas.
O futebol enquanto entretenimento (não consigo olhar para isto de outra forma) está a evoluir naturalmente neste sentido de se tornar cada vez mais divertido. Ninguém quer ir ao estádio para ficar aborrecido ou pagar 10, 20 ou 30€ de uma subscrição para ficar meio-morto no sofá. Para isso já nos basta a vida. Agora, o futebol pode ser isto. E pode ser o oposto. Continua a ser um jogo que lida com o lado humano de quem o pratica, de quem o analisa e de quem o consome. E, muitas vezes, ganhar é suficiente para satisfazer as necessidades de todos os envolvidos. Afinal, isto ainda é um jogo e é para ganhar — mas não sei se a vertente resultadista é muito benéfica para um produto cada vez mais caro e que hoje tem de competir a sério com séries, filmes, livros, videojogos, etc… Habituei-me a ouvir que na memória fica apenas quem ganha. Mas será mesmo assim? Humm… Pano para mangas.
Afunilando. O futebol do futuro já cá está. É a exposição, dentro e fora de campo, das diversas crenças, estilos e ideias. É a criação de espaços de diálogo para que todos os envolvidos no fenómeno possam abordar o “porque?” e o “porque não?”. É a abertura à experimentação. É atacar com oito médios e defender livres frontais sem barreira. O futebol do futuro é tão só o futebol de ontem com mais e melhores ferramentas no apoio à tomada de decisão. O melhor passe. O melhor drible. A melhor estratégia. Ou nem uma coisa, nem outra. É, mesmo com todos os cérebros em sintonia, a busca pelo caos minimamente organizado.
Já o futuro do futebol tem de continuar (ou voltar!) a ser sobre miúdas e miúdos que chutam bolas contra paredes, fazem balizas com pedras e, com a bola dominada debaixo do pé, levantam a cabeça, observam, escutam, e tomam a melhor decisão de todas — a de serem felizes!