Seja sapatão você também

Danilo Motta
4 min readJan 22, 2016

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Há uns anos, no Dia da Visibilidade Lésbica, um grupo de militantes colocou este cartaz em Niterói (RJ), ao lado de um bar frequentado majoritariamente por LGBTs:

É inegável o papel de vanguarda que as mulheres ocupam na militância contra a LGBTfobia, o machismo, racismo e (por que não?) a caretice. Cabe, aqui, lembrar os protestos lotados contra o projeto de lei de Eduardo Cunha, que dificulta o aborto legal:

De todo modo, na ocasião da afixação daquele cartaz em Niterói, fiquei sem ter uma leitura muito clara da mensagem contida naquela cartolina. Por que seria uma revolução?

Mais tarde, me deparo com uma campanha um tanto quanto inusitada no Twitter. Volta e meia apareciam na minha timeline Tweets com a hashtag #VemSerSapatão.

Ivone convida: Vem ser sapatão! // Foto: Reprodução / Twitter

Procurando um pouco, descobri e comecei a seguir a criadora da campanha: a Ivone Pita. Fotos engraçadas, piadas “combatendo” a heterossexualidade, reafirmação do “sapatriarcado”. Todas estas brincadeiras aparecem nos Tweets de Ivone com a hashtag da campanha.

Bati um papo com criadora sobre a #VemSerSapatão e sobre militância feminina e LGBT na rede.

Como surgiu a campanha #VemSerSapatão e qual a intenção?

No início de 2014, mais precisamente em abril, eu fiz uma brincadeira com Luciana Guedes, dizendo vem ser sapatão, depois brinquei assim com ela algumas vezes e em outubro de 2014, @guedes_luh me disse no Twitter que ela e @_larissabonfim_ viriam ao Rio de Janeiro, então, mandei um “#VemSerSapatão no Rio”. Sem intenção alguma além de brincar de converter uma amiga heterossexual à homossexualidade. Depois passei a brincar com a hashtag como se fosse possível uma espécie de conversão, como se decidíssemos ser homossexuais de uma hora para a outra, e como se fôssemos, por isso, uma ameaça aos heterossexuais. E daí vieram as outras duas hashtags: #RaioSapatizador e #Sapatriarcado — essa última uma criação da @vanfranquilino. E assim passei a brincar sempre, a hashtag se espalhou e de uma forma muito bacana, que eu não esperava. As pessoas postam gifs, memes e frases com a hashtag. Fazem artes para a “campanha”. E muitas que não conheço e nem fazem ideia de como surgiu a brincadeira.

Alguém já se ofendeu com a hashtag ou as pessoas levam na brincadeira?

Raramente vejo alguém apagando o tweet citado, em geral, não apenas acham bacana como passam a participar.

Já houve reações contrárias? Tipo, alguém dizendo que é um absurdo, ou algo do tipo?

Eu acho que uma pessoa disse que a hashtag era absurda, mas não disse por que razão, eu não perguntei e também não lembro mais se houve algum comentário além desse.

O mundo seria melhor se houvesse mais sapatão?

Não acho que seja possível fazer esse tipo de previsão. Além disso, gosto e defendo a diversidade, não acho que sejamos seres superiores, pessoas melhores que outras, lésbicas são humanas, passíveis de erros e comportamentos ruins.

Qual a importância de as mulheres falarem sobre sua homossexualidade nas redes e fora dela?

Imensurável. Saí do meu lugar de sapatão cheio de homofobia internalizada para o lugar de ativista justamente pelas falas. É nas falas das outras pessoas que nos reconhecemos, vemos que não estamos sós e nos fortalecemos. A palavra é apoio, é espelho, é suporte. A palavra é mão que segura em outra e diz: venha, vamos!

Há relatos de mulheres que passaram a se sentir mais à vontade em sua homossexualidade, após receberem apoios irreverentes na rede, como o da própria campanha?

Sim! Muita gente que acompanha os tweets depois vem me dizer que se sente mais segura, mais fortalecida, dizendo o quanto a “campanha” é bacana por ser um deboche, um escárnio, por esvaziar a palavra de seu aspecto ruim. Algumas pessoas vieram dizer exatamente isso: que tinham horror ao termo sapatão, o que permitia que fosse usado como ofensa contra elas, e que agora é absolutamente esvaziado de seu poder de agressão, pois foi incorporado a seus vocabulários e mais, que agora o termo expressa força, ou seja, uma inversão total do lugar da palavra em suas vidas. E daí a entenderem que podemos esvaziar e nos apoderar de outros, é um pulo. E vamos pensando juntas sobre outras questões e como transformá-las em instrumentos de força e afirmação.

Qual seria a variação masculina para o #VemSerSapatão?

Não seria, é o #VemSerBicha, do @_nelsoncezar. Ele gostou da brincadeira e fez essa versão. Algumas pessoas sugeriram #VemSerViadão para combinar com o #VemSerSapatão, mas como a proposta é usar o termo que mais consegue agredir boa parte de nós, ficou o bicha.

Para terminar: qual o próximo passo para o avanço do ‘sapatriarcado’?

Que todos participem e se convertam! A propósito, muitas mulheres heterossexuais e homens gays participam do #VemSerSapatão, o que gera alguns protestos, mas como é uma brincadeira não considero apagamento. Se para um debate, palestra ou algo do gênero, convidam homens para falarem no lugar de mulheres é uma coisa, mas numa brincadeira no Twitter, considero que estão apenas declarando apoio e de um jeito divertido. As próprias mulheres que citei no início, Luciana, Vanessa e Larissa, são heterossexuais. Por enquanto. ;-)

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