Vida extraterrestre e a fotossíntese sem Sol

Dispersciência
5 min readSep 24, 2018

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Estudo encontra bactérias dependentes da fotossíntese onde não há luz solar e permite novas especulações sobre vida extraterrestre

Por muito tempo acreditou-se que a fotossíntese dependia exclusivamente da presença de luz solar, limitada a penetrar apenas cerca de 200m em alto mar (na chamada zona fótica). A produção de matéria orgânica que sustenta a vida no fundo do mar seria, então, apenas através da quimiossíntese. No entanto, um grupo de pesquisadores liderados por J. Thomas Beatty da Universidade de British Columbia cultivou e descreveu em 2005 uma bactéria que faz obrigatoriamente fotossíntese e ocorre nas profundezas do Oceano Pacífico, perto da costa do México.

Em uma fonte hidrotermal, quase 2,5 km abaixo da superfície do mar, as bactérias GSB1 foram coletadas. Suas análises permitiram concluir que a fotossíntese é possível sem a luz solar: a partir de radiação geotérmica, gerada por conta de altas temperaturas, há comprimentos de onda que podem ser absorvidos pela clorofila dessas bactérias.

Esse estudo veio corroborar a possibilidade da fotossíntese sem luz solar, que pairava desde, pelo menos, meados dos anos 90. Até então, não se sabia se a emissão de luz nas fumarolas submarinas era suficiente para sustentar a fotossíntese. A pesquisa expandiu os horizontes dos cientistas. A luz do sol deixou de delinear os limites dos possíveis lares dos organismos fotossintetizantes para a ciência e o caminho está aberto para novas descobertas.

As fontes hidrotermais e a luz térmica

Imagem 1. Fonte Hidrotermal rodeada por Riftia pachyptila em associação com bactérias quimiossintetizantes, que dão a coloração avermelhada ao anelídeo. *

As fontes hidrotermais ou fumarolas estão muito abaixo da zona fótica (faixa onde há luz) dos oceanos. São como vulcões submarinos que soltam gases (como CO2) e elementos químicos (como enxofre), mas não lava. Isso permite que a vida se reúna em torno desses locais e floresça. Inclusive, potencialmente se parecem com locais onde a vida deve ter surgido. Mas, se a cadeia alimentar que mais conhecemos começa com organismos que fixam o carbono através da fotossíntese, a exemplo das plantas, como isso acontece lá embaixo sem a luz do sol?

A base da cadeia alimentar nesses locais são os seres quimiossintetizantes. Eles utilizam substâncias químicas emitidas pelas fumarolas para fazer as reações de incorporação de carbono, ou seja, de produção da matéria orgânica necessária à sua sobrevivência. Ainda assim, sabemos que existe sim luz nesses ambientes, gerada por conta das altas temperaturas. Por isso, pairava a possibilidade de lá existirem seres que fazem fotossíntese.

A luz térmica é uma radiação de corpo escuro emitida em fumarolas por conta de efluentes muito quentes. O pouco dessa luz que pode contribuir com a fotossíntese fica perto dos 750 nm (vermelho escuro). A intensidade dessa luz é por volta de seis ordens de magnitude menor do que na superfície iluminada pelo sol. Nada mais razoável do que duvidar: essa quantidade de luz é suficiente para sustentar a fotossíntese nesses locais remotos?

As bactérias GSB1

Imagem 2. Bactérias GSB1 vistas por microscopia eletrônica de varredura (a barra mede 800 nm.). **

As análises químicas, de estrutura e de DNA mostraram que as bactérias GSB1 estão no grupo das bactérias verdes sulfurosas e são próximas às dos gêneros Chlorobium e Prosthecochloris. Essa descoberta foi muito inesperada para os cientistas, pois esse grupo é encontrado somente onde há luz do sol disponível.

A explicação para essa proximidade estaria no fato de que essas bactérias teriam evoluído de ancestrais que faziam fotossíntese com a luz solar, e não de ancestrais que faziam fotossíntese com a luz térmica. Isso porque as fontes hidrotermais são efêmeras, ou seja, em tempo geológico, iniciam e cessam sua atividade rapidamente. Portanto, não haveria tempo suficiente para essas bactérias surgirem nesses ecossistemas e, ainda por cima, surgirem os mecanismos de dispersão (que envolvem tolerar um ambiente diferente quimicamente das fumarolas) — que garantiriam a continuidade de sua linhagem quando a fonte hidrotermal findasse.

As bactérias coletadas no estudo, as GSB1, dependem de fotossíntese, pois não sobreviveram quando cultivadas sem luz em laboratório. Elas possuem pico de absorção de luz no comprimento de onda de 750 nm (vermelho escuro, a faixa de emissão da luz geotérmica) e em 450 nm (azul). Segundo os autores do estudo, isso é consistente com a presença, respectivamente, de bacterioclorofila c (BChl c) e carotenóides,. Ambos são pigmentos que atuam na absorção da luz, em especial nesses comprimentos de onda. Além disso, as bactérias possuem tempo de divisão celular de 2,8 anos, o que significa que elas precisam de pouca energia para sobreviver.

Ao que tudo indica, a emissão de luz nas fontes hidrotermais, apesar de pouco intensa e restrita a uma curta faixa de comprimentos de onda, parece ser, de fato, suficiente e adequada para a fotossíntese ocorrer nas profundezas do oceano.

Novos caminhos

A descoberta e o estudo das bactérias GSB1 sugere uma alternativa interessante no que diz respeito à evolução da própria fotossíntese, já que agora sabemos que ela não é exclusivamente atrelada à luz do Sol. A fotossíntese pode ter evoluído tendo como ponto de partida bactérias quimiossintetizantes, que utilizavam moléculas sensíveis à luz. Isso teria conferido a elas uma vantagem evolutiva: o direcionamento para a luz geotérmica era também para os locais com nutrientes. Essa característica de utilização da luz seria então fixada, estabelecendo as bases para seu uso no processo de incorporação do carbono. É possível que os ancestrais das plantas e outros seres que realizam fotossíntese com a luz do sol sejam originários das profundezas dos oceanos.

A descoberta de ser possível a fotossíntese com luz geotérmica também abre caminhos a novas especulações e a pesquisas com um novo olhar sobre a existência de vida extraterrestre em planetas ou luas fora do sistema solar, talvez até mesmo em outras galáxias.

Por Andréa Grieco Nascimento

Divulgadora pelo Dispersciência e pelo CEGH-CEL/USP, Graduanda em Ciências Biológicas pela USP, Pesquisadora no Laboratório CHOICES — IB-USP.

Imagens retiradas de:

*Imagem 1 — https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Sully_Vent.jpg

**Imagem 2 — http://www.pnas.org/content/102/26/9306.full

Referências bibliográficas:

J. Thomas Beatty, Jörg Overmann, Michael T. Lince, Ann K. Manske, Andrew S. Lang, Robert E. Blankenship, Cindy L. Van Dover, Tracey A. Martinson, F. Gerald Plumley. An obligately photosynthetic bacterial anaerobe from a deep-sea hydrothermal vent. Proceedings of the National Academy of Sciences Jun 2005, 102 (26) 9306–9310; DOI: 10.1073/pnas.0503674102

William F Martin, Donald A Bryant, J Thomas Beatty; A physiological perspective on the origin and evolution of photosynthesis, FEMS Microbiology Reviews, Volume 42, Issue 2, 1 March 2018, Pages 205–231, https://doi.org/10.1093/femsre/fux056

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