Domingo Montanaro
8 min readNov 3, 2017
No seu time, você quer "galinhas" ou "porcos"?

People … overvalue ideas. They think creating a startup is just a matter of implementing some fabulous initial idea. And since a successful startup is worth millions of dollars, a good idea is therefore a million dollar idea.

Actually, startup ideas are not million dollar ideas, and here’s an experiment you can try to prove it: just try to sell one. Nothing evolves faster than markets. The fact that there’s no market for startup ideas suggests there’s no demand. Which means, in the narrow sense of the word, that startup ideas are worthless.- http://www.paulgraham.com/ideas.html

Há tempos quero escrever algo sobre "a importância de uma idéia", principalmente porque esse assunto tem sido sempre muito frequente (e polêmico!) durante as aulas que tenho tido a feliz oportunidade de ministrar a respeito de empreendedorismo e negócios digitais.

Hoje postei nas minhas redes sociais a imagem de uma palestra que vou proferir num evento chamado "Security Leaders" em São Paulo (http://image-store.slidesharecdn.com/93389bcc-c69e-4876-8880-87ba48c60507-original.jpeg). No meu "bio", logo abaixo do meu nome, aparece "Perito em SI e Perícia Forense e Fundador da Hackers to Hackers Conference". Normalmente eu tenho a oportunidade de enviar o Bio/MiniCV mas nesse caso em específico a arte ficou pronta sem eu ter enviado. Também confesso que não me manifestei contrário à imagem, visto que o que está escrito ali não está equivocado.

Em muitas oportunidades onde preciso falar de minha carreira, como por exemplo no início de uma palestra, uso essa "credencial" de fundador do evento porque realmente fui. O Hackers 2 Hackers Conference (H2HC) é um evento de segurança da informação que foca/discute primariamente técnicas ofensivas, por isso "de hackers" (organizadores e palestrantes) para "hackers": a comunidade.

Criamos esse evento nos meandros de 2004 pois, entre 4 amigos, achávamos que no Brasil só existiam eventos nessa área de segurança da informação que eram muito superficiais nas questões técnicas. Além disso, muito se falava de produto e pouco de pesquisa. Identificamos o "problema a ser resolvido" e propusemos uma "solução". Isso parece o comum início de qualquer primeira aula sobre empreendedorismo, não é?

Pois bem, entre esses 4 amigos fizemos acontecer: primeiro numa universidade em Brasília, colocando grana do próprio bolso (fechamos no prejuízo nos primeiros 2 anos!), depois em São Paulo e sempre com uma "filosofia": sem patrocinadores, sem fins lucrativos, levaríamos "o conhecimento" por diversos cantos para impulsionar a comunidade hacker (que, infelizmente, nunca chegou a decolar, como em outros países) no Brasil. O amadorismo com que conduzíamos a execução das primeiras edições era inversamente proporcional à paixão que tínhamos por reunir todos aqueles nicknames (que conhecíamos apenas das salas de bate papo — sem multimídia!) numa mesma sala, expondo suas técnicas ( em alguns casos "privadas" ) para um monte de gente que conheciam ali, pela primeira vez. Essa paixão sobrepujava qualquer tipo de prejuízo financeiro que eventualmente tínhamos — isso era apenas um detalhe.

Hoje o evento continua existindo mas eu não faço mais parte. Em 2008 parei de trabalhar nele e dois colegas (Rodrigo e Filipe) assumiram a organização — e até hoje executam um belo trabalho, principalmente com conteúdo que, se não fosse por eles, dificilmente seria exposto no Brasil (seja pelo conteúdo técnico em si, seja pelos palestrantes que dificilmente pisariam em terras tupiniquins se não fosse a reputação do evento e/ou dos atuais organizadores).

Os 4 amigos (nós) se afastaram pelo mundo. Eu tenho quase que nenhum contato com os outros três. Um deles se chama Ygor Parreira, quem eu tive a felicidade de conhecer nas salas de IRC no início dos anos 2000. Passávamos diariamente horas falando de técnicas de intrusão de sistemas. No início de tudo, eu era o tutor. Mas rapidamente percebi que aquele talento podia sair da longínqua Goiânia, onde trabalhava como analista de suporte para um colégio da cidade, para agregar valor na minha equipe de investigação de fraudes cibernéticas num grande banco brasileiro. E, como era de se esperar, duas mentes intrépidas que, além de dividir apartamento trabalhavam juntos, discutiam o tempo todo formas de mudar o mundo. Discutiam "idéias".

Uma dessas idéias foi a tal H2HC. Tiramos juntos ela do papel e executamos. No entanto, hoje me espanto com o comentário dele no meu post no Linkedin:

Fundador da H2HC? Haha… Eu estava lá no início na fundação, e você não estava lá. Quem estava lá no início e nunca apareceu, é o Alex Nunes. Mas normal da sua parte ;)

Quando vi esse comentário, pensei: "Este é o momento ideal para investir aquela horinha para respondê-lo e usar esse conteúdo em prol da comunidade!". Até mesmo porque ao final de cada aula nas escolas onde leciono onde profiro a famosa frase "A idéia não vale nada", sempre brotam discussões interessantíssimas nesse tema. Portanto vou aproveitar para proferir minha resposta para o Ygor e aproveitar o assunto para continuar discorrendo sobre a temática do valor de uma idéia versus o valor da execução.

Caro Ygor … Estávamos nós 4 — Eu, você, Wendel e Waldemar. Nós que criamos o evento e fizemos ele acontecer, desde a primeiríssima edição (em Brasília). Por esse motivo, sempre que sou eu quem produz o texto a respeito do meu envolvimento com o H2HC, coloco “um dos fundadores”.

Talvez você esteja se referindo à “idéia” do evento (de hackers para hackers) ou ao nome (H2HC). Nesse sentido, eu sinceramente nem me lembro se estive envolvido nessas primeiras discussões. Imagino que sim até porque além de estarmos dividindo apartamento (na época), você integrava minha equipe no banco — e lembro que falávamos de H2HC dia, noite e madrugada.

Na prática, pouco importa. Sabe por que? Porque mesmo que a idéia do evento seja exclusivamente sua e do Alex (o que, frise-se, duvido muito mas não me recordo), quem fez o evento “sair do papel” foi quem arriscou. Foi quem dedicou sangue, suor e lágrimas para fazer o evento acontecer. E nesse sentido, está muito claro para mim que os créditos são na seguinte ordem: Waldermar, eu, você e Wendel.

O Waldemar na frente de todos porque além de colocar o capital antes que todo mundo (para reservar hotel, comprar passagens aéreas, fazer camisetas, etc), se encarregou de toda a parte administrativa (receber o valor dos ingressos, emitir notas fiscais, etc). Nem sei se houve risco fiscal ou até mesmo legal, mas ele, inclusive, envolveu a empresa no imbróglio todo (emitindo nota fiscal do evento para quem precisava de nota — porque a empresa desse congressista pagaria o ingresso).

Eu porque também comprometi capital “na frente”, para ajudar o Waldemar pois o nosso caixa era super curto. Usei meu carro para ir de São Paulo a Brasília numa viagem onde você se lembra muito bem todos os problemas que tivemos (pneus estourados, suspensão quebrada, etc). Além disso, banquei o risco reputacional de bater no peito e dizer que era fundador e organizador do evento dentro do setor financeiro onde as pessoas olhavam de forma muito torta para o termo "hacker". Você deve lembrar, inclusive, como eu me irritava de ser pré-julgado pelos meus pares ou superiores por defender a bandeira da H2HC, colocando até em risco minha carreira nesse setor.

Você porque, assim como eu, defendia o evento a unhas e dentes. Você era minha mais nova contratação, portanto seu cargo era abaixo do meu e você rapidamente ganhou uma imagem corporativa de "revoltado". Eu já vinha fazendo carreira e por isso julgo meu risco reputacional maior do que o seu. Você não teve compromisso de capital antecipado, mas no final de tudo fizemos as contas e você contribuiu pagando Waldemar e eu, portanto é verdade que você tem mérito em ter comprometido dinheiro para fazer o evento acontecer. Por isso te considero fundador também!

Por fim, o Wendel não teve risco reputacional e contribuiu "com a dívida" (o resultado final do evento foi negativo e portanto todos tivemos que bancar o prejuízo). Além disso, colocou horas de trabalho na avaliação do conteúdo, pois ele era o mais "tecnicamente avançado" do time.

Eu nem quis me atentar ao butthurt do comentário do Ygor. No entanto, além de usar a oportunidade para abordar um tema polêmico (sobre a importância de uma idéia), quis também deixar claro meu direito de dizer que sou fundador do evento.

Fundar algo é realmente fazer aquilo acontecer. Vejamos a definição do dicionário Michaelis sobre "fundar":

fundar

fun·dar

vtd

1 P US, CONSTR Construir edificando desde o fundo, desde os alicerces: Fundou grandes edifícios. Fundou uma cidade sobre estas plagas.

vtd

2 Dar início a; criar, estabelecer, instituir: Fundar um colégio. Fundar um jornal.

Fundar é suar para aquilo acontecer. É, como se diz no inglês, "put in the work". E aqui vejo a oportunidade de fazer um paralelo com empreendedorismo.

Ter somente a idéia não dá direito a ninguém levar exclusivamente o mérito por um business bem sucedido. Ou não necessariamente um business, mas algo que deu certo de uma maneira geral. A grande carga do mérito tem que levar quem executa. Mais mérito ainda merece quem empreendeu.

O que define quem é um empreendedor? Quem arrisca.

Estamos numa era onde qualquer consultor se diz empreendedor. Na minha opinião, não merece o título. Se esse "consultor" decidiu ficar sem salário por 6 meses enquanto se dedicava a construir todo o business plan de seu próximo negócio, talvez estejamos começando a falar de um potencial empreendedor.

Nas turmas cujas quais sou convidado para lecionar pelo Prof. Alexandre Quinze, há no fim da disciplina uma apresentação (pitch) das startups dos grupos onde nós (AQ e eu) nos comportamos como investidores, fazendo diversas perguntas com relação ao modelo de negócio, estratégias de monetização, modelo financeiro, etc, etc. É mais do que comum, ao analisar as finanças que os alunos constróem, ver que uma parte significativa dos recursos (que querem captar do investidor) vai como salário para os fundadores. Por que? Por que os fundadores querem, no mínimo, equiparar o salário que vão ganhar na startup (que eles querem fundar!) ao que eles ganham na atual empresa onde trabalham. Big mistake!

Dificilmente um investidor vai se sentir confortável em ver um empreendedor "galinha". Investidores querem empreendedores "porco". A diferença? A galinha está envolvida no café da manhã (ovo!) e o empreendedor comprometido (bacon!). Essa é uma das frases máximas do empreendedorismo e merece sempre ser relembrada quando se analisa um time, principalmente numa startup.

Essa filosofia é inclusive hoje lecionada no mundo acadêmico. O excelente professor "Frank Demmler", da Carnegie Mellon University (nos EUA), desenvolveu um método para cálculo de participação para sócios de um novo negócio, onde coloca pesos diferentes para os itens "Idea", "Business Plan", "Domain Expertise", "Commitment and Risk" e "Responsibilities". O artigo pode ser conferido aqui: https://www.andrew.cmu.edu/user/fd0n/35%20Founders'%20Pie%20Calculator.htm

Não preciso nem dizer que "Commitment and Risk" é o que tem maior peso, né?

E, clicando no link acima, é possível conferir o que o próprio Frank diz sobre o peso da "idéia":

"Existe muita verdade na seguinte frase: Um business bem sucedido é 1% de inspiração e 99% de transpiração."

Por fim, lembro que é interminável a lista de empresas que hoje são super bem sucedidas e que são distantes da idéia original. É muito comum fazer pivoting, por exemplo, onde a tecnologia e as pessoas podem ser empregadas em produtos diferentes, modelos de negócio distoantes do original, clientes completamente diferentes, etc. Isso porque os tempos difíceis vêm para quem decidiu ficar na linha de frente do negócio, quem normalmente tem muito a perder se o negócio falhar. Não me espanta que quem não tem experiência real com empreendedorismo não entenda isso — afinal de contas, para o funcionário, o máximo que ele pode perder é o salário!