De onde viemos?

Don Conejo
5 min readJun 18, 2018

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Uma reflexão sobre o poder de conhecer nossas raízes

Desde o casal mais famoso da História, Adão e Eva, aos microorganismos do fundo do Oceano Atlântico na “Cidade Perdida”, diferentes teorias tentam desvendar a nossa origem e, até o momento, o mistério continua.

Nem precisamos ir tão longe para admitir o quanto estamos desinformados em relação isso. Você sabe quem foram seus tetravós? E triavós? Pelo que passaram seus antepassados até resultar na sua inestimável existência?

Perdemos aquele hábito tribal onde os mais velhos compartilhavam com as novas gerações os detalhes sobre como foi a caminhada dos ancestrais. Os desafios, erros, glórias e aprendizados, tudo isso narrado em volta do calor de uma fogueira abaixo de um céu estrelado. Atualmente e infelizmente, é fácil cair na armadilha de dar mais atenção à tela do celular do que àqueles que dividimos o lar.

Para dois psicólogos de Atlanta, Marshal Duke e Robyn Fivush, uma família que conhece sua história tem autoestima elevada. E não é questão de opinião. Eles desenvolveram uma métrica chamada de escala “Você sabe”. Crianças foram questionadas acerca de onde seus pais se conheceram, por exemplo, ou se algum parente já teve doença séria. O resultado indicou que aquelas com mais informações familiares eram justamente as que tinham um maior controle emocional, demonstravam confiança, senso de direção.

Pois eu demorei 2/3 da vida para ficar relativamente a par das raízes. Falo assim porque conheço somente a história dos meus pais e um pouco dos avós. Da minha mãe, a dona Vania, sempre fui mais próximo, e dessa parte da família também. Sei que a primeira geladeira da minha vó foi a caçula quem deu, comprada com o salário de caixa de banco. Também que o cupido atingiu uma flecha no seu coração quando ela se deparou com o tradicional style do meu coroa: sentado confortavelmente na sua cadeira, óculos na ponta do nariz, lendo jornal e com os pés pra cima. Sorte dele, porque ela sempre foi uma gata!

Já o relacionamento com meu pai segue como aquele Cabernet Sauvignon - melhorando a cada primavera. Aliás, sr. Vanio já tem 78 delas, enquanto eu, 34. Hoje nos damos bem, ele me apoia nos projetos, conversamos mais. Por outro lado, houve uma época em que essa longa distância de vida percorrida também afastava nossa intimidade. Nunca batemos uma bola juntos ou trocamos malandragem sobre a mulherada. E a diferença não era apenas entre duas gerações tão distintas, mas também na personalidade. Ele assistia a todos os noticiários diariamente. Eu ia direto para a previsão das ondas; Ele ouvia música francesa. Eu, rap. Ele, pragmático. Eu, um pouco mais emotivo. Apesar de termos em comum o gosto por cinema, cerveja e churrasco, nossos universos ainda não convergiam.

Até o momento em que ambos foram compreendendo melhor a visão de um e do outro. Agora sei de algumas barras que ele enfrentou, tipo acordar 4h30 durante o gélido inverno de Tubarão/SC para tirar leite da vaca e vender aos vizinhos, pois sua família tirava o sustento da própria terra. Isso mostra o porquê dele ser assim durão. Em contrapartida, meu pai captou a paixão do filho pelo surf, e o lado artístico que brota a partir da escrita. Por falar nisso, acredito que meu tesão por esse tipo de linguagem foi herdado dele, jornalista nato.

Passei a acompanha-lo em algumas reuniões e observá-lo no trato com as pessoas, depois perguntava o por quê disso e daquilo. Aprendendo a cada fato. Admirado a cada confissão. Cheguei a descobrir que o finado tio Moacir fazia rimas de improviso, assim como eu, e que o vô João era supersticioso apostador. Diz o coroa que já andou em todos os tipos de veículos, tirando foguetes espaciais e incluindo um submarino.

Submarino? Tiroso!

Além de todos os frutos que se colhe quando nos damos bem com nossos coroas e conhecendo com detalhes suas trajetórias, agora enxergo mais claramente alguns pontos fortes que puxei dos dois, assim como outros a melhorar. A facilidade em lidar com as pessoas veio dela. O lado intelectual, dele. O apego a determinada forma de pensar e agir, dela. A exaltação para defender posicionamentos, dele. Aí está o ponto crucial — ando desvendando certos mistérios que envolveram a minha criação.

Grande parte dos desafios psicológicos e sentimentais que carregamos podem vir de uma relação um tanto quanto mal resolvida com os pais. Mágoas não curadas, comportamentos destrutivos (mesmo sutis) que tivemos contato e projetamos inconscientemente nos outros. Para o dr. Roberto Debski, constelador sistêmico-familiar, compreender e acolher nossa ancestralidade é imprescindível para uma vida saudável. Segundo ele:

“A solução consiste em olhar para todas essas pessoas, nossos pais, nossos antepassados, os que foram excluídos, não reconhecidos, não honrados, tomar a todos, agradecer pela Vida que fizeram chegar até nós, aceitar, honrar e respeitar seus destinos, e pedir autorização e bênção para sermos bem-sucedidos, e assim levarmos nossa linhagem a um bom destino, à prosperidade, ao sucesso e à Vida.”

Uma hora chega a nossa vez de ter mais paciência com eles. E se juntarmos essa nobre atitude com o mindset da curiosidade, aí fechou. Ceder um pouco às suas manias, principalmente perguntar sobre o passado, suas frustações, desejos, mesmo que seja a vigésima vez que contam a mesma coisa. É assim que comprovamos não ter mais 15 anos de idade e damos a liberdade para eles se mostrarem os seres-humanos vulneráveis que são, fortalecendo nossos laços.

Apesar de ainda não ter filhos, compreendo o apelo das palavras do visionário Renato Russo:

“…você julga seus pais por tudo, isso é um absurdo/ são crianças, como você…”.

Precisamos nos abrir um pouco mais sobre nosso passado para evoluir no presente e colher frutos no futuro. Mesmo que esse processo seja lento e, em alguns casos, doloroso. Uns não têm mais os pais por perto. Outros, negam-se a perdoa-los por falhas que cometeram. Vai de cada um lidar com seu interior, pois a liberdade só floresce quando abrimos espaço no coração para isso.

Conceitos de família e casamento estão mudando em timelapse, mas o núcleo continua o mesmo: o AMOR. A partir dele nasce a compaixão, o interesse, a amizade, a intimidade. Dividindo nossas particularidades, pavimentamos o caminho para que as futuras gerações tenham uma base sólida, um ponto de referência a seguir e até superar. Quem sabe ainda não surge uma nova teoria sobre a origem da humanidade a partir do amor?

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Don Conejo

Alguém que ainda vai encontrar um rótulo massa pra colocar no perfil.