Messias de Duna Cap.2: Armadilhas Psíquicas

Pascoal Naib
4 min readJan 3, 2022

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Não há a menor distinção entre deuses e homens: as duas coisas se misturam sem cerimônia. — Provérbios de Muad’Dib

Saudações, fremen!

Presenciamos a reunião dos antigos grupos de poder do Imperium — as Bene Gesserit, a Guilda Espacial e a Casa Corrino — no planeta Wallach IX, sede da Irmandade. É acrescentado um novo grupo à essa conspiração, citado apenas uma vez no livro Duna, os Bene Tleilax. Juntos, eles arquitetam um plano para trazer a queda de Paul Muad’Dib.

A reunião mostra-se tensa, uma vez que todos os grupos envolvidos querem impor suas ideias. As Bene Gesserit, representada pela Reverenda Madre Gaius Helen Mohiam, desejam recuperar o controle das linhagens genéticas do seu tão sonhado projeto do Kwisatz Haderach. A Guilda Espacial, representada pelo navegador Edric, necessita ter o controle da especiaria Mélange, crucial para sua presciência, indispensável para as viagens interplanetárias. O personagem em questão é descrito como “uma figura alongada, vagamente humanoide, com pés palmados e mãos enormes, membranosas, em forma de leque — um peixe num estranho mar”. A Casa Corrino, também presente no encontro, foi derrotada na batalha em Arrakis e tem como representante a princesa Irulan, também uma Bene Gesserit, que tem o desejo de ser a fundadora da dinastia real, mas é deixada de lado, pois o verdadeiro amor de Paul é de sua concubina fremen, Chani. A princesa secretamente aplica anticoncepcional na alimentação para que Chani não engravide. Os Bene Tleilax enviam Scytale, um Dançarino Facial hermafrodita, que pode manipular sua aparência em qualquer espectro de formas e características corporais, um camaleão humano, e que propositalmente escolhe “uma aparência insossa e de rosto redondo para aquela reunião, feições joviais, lábios cheios e insípidos, o corpo inflado de um homenzinho rechonchudo”. Os motivos da participação dos Tleilaxu na conspiração são bastante incertos e não totalmente revelados, mas fica claro que estão ansiosos para expandir seus negócios no Landsraad, com sua tecnologia “proibida”, mas “tolerada” por algumas Grandes Casas.

Essa reunião nos faz lembrar o célebre jantar que o Duque Leto Atreides e sua família ofereceram a diversos grupos políticos e econômicos em Arrakis, no livro Duna. Vemos o desenvolvimento do comportamento de cada personagem e as suas elaboradas falas, que nunca soam triviais. Na grande maioria das vezes, contém indiretas e ameaças mortais, tudo envolto em camadas sobre camadas, no sensacional estilo de escrita de Frank Herbert.

Qual o plano arquitetado para derrotar o “Kwisatz Haderach, capaz de estar em muitos lugares ao mesmo tempo (…) o Mahdi cujo capricho mais simples é uma ordem absoluta para seus missionários do Qizarate (…) o Mentat dotado de uma mente computacional que supera os maiores computadores antigos (…) o Muad’Dib, cujas ordens às legiões fremen acabam despovoando planetas”?

O navegador da Guilda, Edric, revela que o corpo do espadachim Duncan Idaho foi enviado secretamente para os tanques axolotles, onde os Bene Tleilax reviveram o exímio guerreiro Atreides em forma de ghola e o oferecerão como “presente”, para Paul. Esperam com isso “envenenar” a sua mente, reforçando a culpa por ele ter se tornado um tirano que trouxe a guerra, jihad, que matou bilhões de pessoas. O ghola traria memórias de dívidas e responsabilidades do antigo código Atreides que foram violadas de muitas maneiras. Duncan Idaho, o mestre espadachim de Ginaz, amigo e mentor na juventude de Paul em Caladan, é um símbolo dessa honra, pois morreu defendendo-o. Eles esperam que o Muad’Dib cometa um suicídio. O dançarino facial Scytale já havia comentado essa possibilidade ao afirmar que os Bene Tleilax geraram um Kwisatz Haderach, porém ele se matou, pois, “uma criatura que passou a vida criando uma representação particular de sua personalidade prefere morrer a se tornar a antítese dessa representação”. Uma segunda função de Hayt, nome dado para o ghola de Duncan Idaho, é atrair e seduzir a jovem irmã do Imperador, Alia, pois os Tleilaxu lhe deram qualidades adicionais, sendo ele um mentat e um filósofo zen-sunita.

Algo bem interessante nesse capítulo é o código de honra dos Tleilaxu em que suas vítimas sempre devem ter uma maneira de escapar. Scytale ensina, de forma perspicaz, onde os outros membros da conspiração estão “presos” ideologicamente e quais seriam as “saídas”/ alternativas para eles. Ele alerta Irulan sobre a armadilha em que ela pode ser “presa”, sendo leal ao grupo ou sendo excluída da proteção de Edric e exposta ao Muad’Dib. Sua “fuga” seria desistir de suas esperanças de ser a fundadora de uma dinastia real. Para Edric é dito que o poder que a Guilda possuía anteriormente é anulado pela dependência parasitária que eles mantêm com quem deseja controlar e exercer poder, sendo essa sua “prisão”. O Muad’Dib explorou essa fraqueza para colocar a Guida de joelhos. Sua “fuga” seria sua Escola se permitir mudanças e não apenas escolher sempre o mesmo e rotineiro curso seguro da visão presciente. Para a Reverenda Madre Gaius Helen a “prisão” consiste em ter subestimado Scytale julgando-o inicialmente pela aparência, sendo essa análise sua “prisão” ideológica, assim ele ensina que a maneira de lidar com um Dançarino Facial é examinar a situação e não o indivíduo. Sua “fuga” seria ter uma abordagem mais ampla e não apenas concentrada numa única pessoa, o sonho de gerar o Kwisatz Haderach. Assim temos lições dolorosas que uniram os conspiradores e um plano em curso contra Paul Muad’Dib.

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Pascoal Naib

Criador do Duna Arrakis Brasil e do DunaCast, o podcast do fandom de Duna no Brasil.